Rachel Valença e Império Serrano: Uma longa história de amor

Rachel Valença, no desfile do Império Serrano de 2016. Foto: Marcelo O Reilly

Rachel Valença, no desfile do Império Serrano de 2016. Foto: Marcelo O Reilly

Do tamanho do Império Serrano. Do tamanho da paixão verde e branca que a escola da Serrinha desperta em seu séquito de sambistas fiéis e devotos apaixonados. Assim é a obra “Serra, Serrinha, Serrano: Império Do Samba”, revisão histórica do livro lançado em 1981, por Rachel Valença e Suetônio, que terá sua reedição lançada na feijoada do Reizinho de Madureira, no próximo sábado.

O olhar iluminado e a emoção ao falar do Império Serrano traduzem, em Rachel Valença, a singeleza e o encanto com que a autora dedicou-se por toda uma vida à sua escola de coração.

“Desfilei pela primeira vez em 1972 e desse ano até 1979 saí em ala. De 1980 a 1993, desfilei como responsável pela ala Baleiro Bala, a ala das crianças do Império Serrano. De 1994 a 2005, saí na bateria. De 2006 a 2010, desfilei como vice-presidente. Desde 2011 integro a Galeria da Velha Guarda da escola”, conta Rachel, pontuando uma trajetória permanente de encanto e lealdade ao seu pavilhão.

A obra é um duplo: além de registrar com fidedignidade o legado inigualável de uma das mais extraordinárias escolas de samba do Rio de Janeiro, o glorioso Império Serrano, é também um acervo histórico de personagens e vultos fundamentais para se entender os processos culturais que arregimentam e fundamentam o samba carioca e a cultura brasileira.

O olhar apaixonado de Rachel Valença para a escola ilumina as leituras e pesquisas de muitos anos e favorece o zelo necessário para um trabalho de tão grande lapidação.

“A ideia de registrar a história da escola nos foi sugerida pelo Humberto Soares Carneiro, que era presidente em 1979-1980. Ele disse que cabia ao Suetônio e a mim, que tínhamos “estudo” (esta a expressão que usou), ouvir os mais velhos, que em breve não estariam mais entre nós, e escrever a história, para que nada se perdesse. A primeira edição saiu em 1981. Logo no ano seguinte, o Império conquistaria o campeonato e eu fui guardando tudo: jornais, prospectos com letras de sambas, e recolhendo fotos e pensando em novas entrevistas. Mas, em 1984, os autores deixaram de ser um casal, e a ideia de uma nova edição ficou ainda mais complicada: se casados havia sido difícil trabalhar a quatro mãos, separados então era quase impossível. Mas nunca desisti e continuei juntando e produzindo material”, narra, entusiasmada, a célebre imperiana.

Como todos os pesquisadores de escolas de samba, Rachel e Suetônio depararam-se com a pouca literatura histórica disponível, recorrendo então a um processo de entrevistas e levantamento de dados em uma época bem diferente da atual, menos privilegiada de recursos tecnológicos.

“Para a primeira edição, conversamos com muita gente ligada à fundação da escola e a seus primeiros anos. São quase 100 horas de gravação! Nessas entrevistas estão registrados os primeiros sambas, os fatos, as histórias, as lutas, as brigas internas, a descrição dos lugares. Além disso, os poucos livros que havia sobre escolas de samba na época, principalmente o de Sérgio Cabral, o de Amaury Jório e Hiram Araújo, o de Candeia… e mais os periódicos das décadas de 40, 50 e 60, que na época ainda nem eram microfilmados. Perdi muitas horas da Seção de Periódicos da Biblioteca Nacional em cima daqueles grandes volumes encadernados com o papel quase se desfazendo e era preciso copiar à mão, coisa que nem dá para imaginar hoje em dia. Mas acho que o principal ganho dessa pesquisa foi a parte iconográfica: recolhemos com os entrevistados fotos antigas preciosas, que mandávamos fotografar, gerando um novo negativo que era reproduzido em cópia ampliada. Era um serviço caro, mas não me arrependo de ter investido nisso: o Império Serrano pode se orgulhar de ser uma das escolas com o passado mais bem documentado. Fizemos isso na hora certa, porque hoje, com a morte daquela geração, a documentação está esparsa e perdida”, conta Rachel.

Na revisão da obra, surgiram, segundo a autora, “pequenos acertos e muitos acréscimos”. Muito mais para enriquecer e atualizar a obra original do que para corrigir dados anteriores.

No ano em que a escola completa seu 70º aniversário, para uma imperiana tão apaixonada e devotada à escola, qual a sensação de ter contribuído com a obra de referência máxima do legado e da história do Império Serrano?

“Quando botei o ponto final no texto do livro, em outubro do ano passado, depois de ter trabalhado arduamente ao longo de quase dois anos, minha sensação foi de dever cumprido. Minha relação com o Império Serrano é uma longa história de amor, que já dura 45 anos. Ao longo desse tempo, vi e registrei grandes provas de amor e dedicação à escola. Minha forma de agradecer tudo que o Império Serrano me proporcionou era esta. Sou pesquisadora de formação, jornalista tardia. Não sou compositora nem passista, não tenho voz nem especial talento no ritmo. O livro era a melhor coisa que podia fazer por minha escola: contar a sua bela história de luta pela liberdade e pela igualdade de todos. Não há para mim história mais linda e espero ter conseguido narrá-la com fidelidade e com alguma graça, para que os que vierem depois de mim, tal como minhas filhas e meus netos, se apaixonem por ela. Esta é a minha homenagem aos 70 anos do Menino de 47”, revela Rachel, emocionada.

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