Misailidis faz balanço da carreira, relembra trajetória no samba e revela curiosidades de comissões

Marcelo Misailidis. Foto: Eduardo Hollanda/Divulgação

Por Jonathan Maciel

De origem uruguaia, o sétimo filho de uma família de nove irmãos, veio para o Brasil aos seis anos de idade junto com sua família, no período da ditadura militar do Uruguai. Ao chegar no novo país, fizeram morada no interior de São Paulo. Seu pai, de origem grega, era químico e violonista clássico, além de um sonhador que acreditava que tudo daria certo. Sua mãe, uma mulher forte e determinada, que foi cursar faculdade de Direito depois dos quarenta anos, com nove filhos e ainda chegou ao pós-doutorado. Com uma base que sempre o apoiou, Marcelo Misailidis construiu sua história no Carnaval carioca e está no hall dos maiores coreógrafos da passarela do samba. Confira abaixo uma entrevista exclusiva com o comandante da comissão de frente da Beija-Flor de Nilópolis:

Como surgiu a arte na sua vida?

Vem da minha família, somos muito apegados às lembranças culturais e música clássica. Primeiro, surgiu o nosso gosto pelas artes eruditas; segundo, tínhamos o hábito das práticas esportivas em casa. A dança aconteceu quando eu tinha 15 anos. Minha primeira namorada era bailarina. Eu a buscava nos ensaios e fui me apaixonando pela a atmosfera romântica, lirica e mística. Mas viver da dança nas décadas passadas era um desafio, pelo preconceito de gênero e pelas dificuldades financeiras.

Minha primeira professora foi dura, sugeriu que eu abandonasse a dança e disse que eu não levava o menor jeito, mas segui, não desisti e fui estudar ballet clássico aos 17 anos no no Rio. Algumas pessoas foram importantes na minha formação, como as russas Eugenia Fedorova e Tatiane Leskova, e principalmente a Dalal Aschar, a qual me deu maior projeção, pois ela era a Diretora da Fundação de Ballet do Rio de Janeiro, que me deu formação prática e, posteriormente, quando o presidente do Theatro Municipal me convidou a Primeiro Bailarino.

Como se deu sua entrada no Carnaval?

Com a saída da Dalal do Theatro Municipal, decidi seguir uma ousada carreira solo pelo Brasil com o espetáculo NIJINSKY, coreografado pelo Fabio de Mello. O produtor era o Marcos Lunes, que era diretor da Unidos da Tijuca e tinha livre acesso à presidência da época. Ele acreditava que eu poderia reproduzir trabalhos similares aos do Fabio, que até então era soberano no quesito. Porém, eu não tinha o menor interesse em fazer Carnaval e acabei assumindo para não deixá-lo sem alguém pra conduzir o trabalho. Já era dezembro de 1997 e estava próximo ao desfile de 1998. O Carnaval carecia de estrutura, a compensação financeira era praticamente nula dada a responsabilidade. Sem contar que o Osvaldo Jardim (carnavalesco), embora talentoso, não possuía muitas vezes a lucidez necessária para lidar com conflitos e dificuldades de ultima hora.

Desfilávamos na segunda-feira. Do domingo, estive no camarote da Tijuca e alertei sobre problemas, mas muitos só queriam assistir aos desfiles e diziam que tudo daria certo, que não era para me preocupar. Acabou que tive vários problemas naquela comissão. No dia, tive que improvisar a roupa da minha principal personagem, pois sequer tinha sido feita. Precisei trocar guias de nylon do figurino para guias de arame, que pudessem resistir ao impacto e manter amarração das ostras. Tive que rasgar a minha roupa para fazer acertos já com os fogos anunciando a escola. Estranhamente, foi uma estreia trágica, mas elogiada e conceituada como uma das três melhores comissões de frente daquele ano por um analista do jornal O Globo.

Marcelo Misailidis na reunião geral da Beija-Flor para o Carnaval 2020. Foto: Eduardo Hollanda

E as curiosidades de comissões que você fez?

Uma grade curiosidade é que de 1999 a 2002 foram anos de notas máximas e estamos falando de uma Unidos da Tijuca que não era a potência de hoje. Como todos sabem, era mais fácil dar nota baixa às escolas sem tanta projeção, e nós gabaritávamos o quesito.

Em 2002 ganhei o primeiro Estandarte de Ouro, com o ‘Barquinho de Papel’ no enredo da língua portuguesa. Aquela comissão de frente que iniciava a partir dos Lusíadas de Camões surgiu num restaurante. Minha filha pediu pra fazer um aviãozinho de papel, mas não dava, pois o papel era frágil demais, então fiz para ela um barquinho, e enquanto fazia o barquinho tudo veio na minha cabeça, foi o elo para tudo que era importante se materializar.

No Salgueiro, tive uma parceria de cinco anos, que rendeu dois Estandartes de Ouro. Um dos trabalhos mais curioso é o de elefante de 2004. Todos me perguntavam como surgiu a ideia e foi em outra brincadeira com minha filha que saiu a ideia dos leques como orelhas de elefante pra composição cênica da historinha.

Já na Vila Isabel, em 2009 ganhei todos os prêmios do Carnaval, meu quarto Estandarte de Ouro e reconhecimento no quesito com a comissão de frente sobre o centenário do Theatro Municipal. Em 2011, com a Medusa, foi um ano muito complicado da escola, mas foi uma das comissões de frente que mais gostei de fazer, a ideia era exótica.

Logo que cheguei na Beija-Flor, o Laíla me propôs um desafio que era a comissão de frente se apresentar junto com casal. No mesmo momento eu disse que isso já era um projeto que tinha imaginado anos atrás e que acreditava que isto seria um caminho para o futuro, até porque, pelo nível das apresentações dos casais, está ficando cada vez mais difícil tirar um ou dois décimos de quem quer que seja. Fizemos um grande xadrez onde Claudinho e Selminha eram o rei e a rainha do tabuleiro, onde os peões viravam beija-flores de verdade, símbolo da escola. O projeto recebeu críticas desde a origem pela mídia especializada e fontes conservadoras, mas não tive medo de arriscar e as fotos daquela comissão são de arrepiar, fico emocionado até hoje.

Outro trabalho elogiado foi de 2016. Nesse ano, por falar no Marquês de Sapucaí, eu já deduzi que o barroco mineiro era o ponto de partida. Um dia estava na fazenda com minha esposa e achei um carro de boi abandonado, comecei mexer nele e tudo se projetou na minha cabeça. Juntei como uma equação e surgiu a ideia.

Comissão de frente da Beija-Flor em 2014. Foto: Riotur

Qual a importância da sua equipe na montagem do Carnaval?

São fundamentais. Cada um dos que já foram meus assistentes agregaram muito. Por exemplo, Jorge Teixeira e Patrick Carvalho já trabalharam comigo e hoje estão aí na Mocidade e Salgueiro. O Rodrigo Negri (Mangueira) também já participou de elenco meu no Salgueiro. Os componentes muitas vezes me renovam com a empolgação trazem em alguns momentos soluções melhores.
 A verdade é que dos ensaios de criação ao produto final sempre muda muito, obviamente que permanece a concepção cênica, a síntese do enredo.

A comissão frente do do segredo (Tijuca 2010) revolucionou o quesito?

Sem dúvida foi um grande momento do Carnaval, uma comissão histórica que sempre será lembrada. Foi perfeita na composição com o enredo, e deu o título tão esperado à Tijuca, apresentando um início de desfile arrebatador. Mas, em geral, evito sempre que possível opinar a respeito de trabalhos de outros colegas coreógrafos, acho que isso cabe para analistas, críticos e comentaristas de Carnaval.

Quais coreógrafos se destacam nos dias de hoje?

Há muitos bons profissionais no mercado, como Rodrigo e Priscilla, Jorge Teixeira e Saulo Finelon, Hélio e Beth Bejani, Alex Noreal, Patrick Carvalho, Junior Scapin… sem falar nos inesquecíveis Fabio de Mello e Carlinhos de Jesus.

Como você se sente sendo o Marcelo Misailidis?

Não sou chegado a falsa modéstia, pois sei que trabalho duro e vou ate as últimas consequências. Não sou mais qualificado do que ninguém, mas me dedico ao máximo para não decepcionar as pessoas que aguardam os meus trabalhos, procuro ser fiel ao que penso, sempre investi e tirei do meu bolso para dar suporte e viabilizar minhas pesquisas. Não me constranjo em varrer o chão se necessário, ser motorista, até maquiador. Nada é indigno quando se luta por um ideal. Sou um centralizador em relação ao meu trabalho, mas adoro a colaboração de pessoas inteligentes e comprometidas. Tenho a consciência que o trabalho no fim não é meu e sim dos componentes que buscam as notas na Avenida, transformam a fantasia em realidade visceral, com uma doação de corpo e alma incrível e emocionante.

Marcelo Misailidis no desfile da Beija-Flor de 2020. Foto: SRzd

 

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