Sem papas na língua! Laíla propõe mudanças em samba, desfile e regulamento do Carnaval

Laíla. Foto: SRzd

Laíla. Foto: SRzd

Figura emblemática do Carnaval, Laíla tem mais de 50 anos de serviços prestados à folia carioca e desde 1976 é diretor de Carnaval e Harmonia da Beija-Flor de Nilópolis. Com toda sabedoria e uma mente jovem, Laíla recebeu o SRzd no barracão da escola para uma conversa franca e direta. Sem papas na língua, falou dos desfiles e propôs mudanças, segundo ele, em benefício do samba. O material é tão completo, explosivo, que dividimos em duas grandes reportagens. Esta é a primeira delas.

“Eu não tenho medo de nada”, afirmou o diretor, que é favorável a uma reestruturação do modelo de apresentação em geral, que passa por samba, bateria, harmonia, alegorias, fantasias e julgamento. “Eu peguei todas as modificações do Carnaval… com o João (Joãosinho Trinta) eu estava, com o (Fernando) Pamplona eu estava, com o Arlindo (Rodrigues) eu estava. Lógico que eu sou a favor de mudar (o regulamento) sim. Eu tenho tentado essa mudança há um tempo”.

SAMBA-ENREDO: “Estamos em busca de sambas maravilhosos, os sambas estão bitolados e presos”.

Uma das principais reivindicações do diretor foi em relação ao processo de composição do samba-enredo. Segundo Laíla, o modelo atual engessa o compositor e a obra, que ficam limitados à sinopse e não tem poder de pesquisa. O diretor relembrou como se dava a feitura do samba no início da carreira e defende a volta da forma antiga de se compor. Esta é uma das suas principais lutas na Beija-Flor para o Carnaval 2018.

Hoje o povo reclama: ‘Ah, os sambas estão muitos iguais!’. É porque os caras estão presos na sinopse.

“Comecei com 13 anos. Na época, muitos sambas, que se tornaram tradicionais, eram feitos da maneira como o compositor pensava. Tinha liberdade de pesquisar, não tinha sinopse, não tinha nada. Tínhamos grandes compositores, como Silas de Oliveira, porque os temas eram livres, não tinha essa ideia de engessar a capacidade do autor. Aí hoje o povo reclama: ‘Ah, os sambas estão muitos iguais!’. É porque os caras estão presos na sinopse”.

Apesar disso, Laíla exaltou a safra de sambas para o Carnaval 2018. Afirmou que o público se surpreenderá na Avenida. Mas, reafirmou a importância de se mudar o sistema: “Eu já venho há algum tempo mudando esse sistema. Os sambas, que eu produzo há 54 anos, quando chegam nas minhas mãos, sinto as conduções iguais”.

Eu falei que ia fazer o desenvolvimento do desfile em cima da história desenvolvida pelos compositores. É um novo caminho. Eles não podem ficar presos somente a um texto.

Laíla credita o sucesso do samba-enredo da Beija-Flor para o Carnaval 2018 à liberdade dada aos compositores a partir do novo modelo de composição. Di Menor BF, Kiraizinho, Diego Oliveira, Bakaninha Beija Flor, JJ Santos, Julio Assis e Diogo Rosa assinam a obra que ilustra o enredo “Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu”. Com o objetivo de encontrar novos caminhos, Laíla tornou a competição para a escolha do novo samba da Beija-Flor aberta a todo compositor brasileiro que quisesse se inscrever.

“Ano passado, nós demos a liberdade de pesquisar a história antes e tivemos um belo samba. Esse ano, eu tomei a ideia, junto com a comissão, de sair do engessamento que os compositores estavam tendo. Eu falei que ia fazer o desenvolvimento do desfile em cima da história desenvolvida pelos compositores. É um novo caminho. Eles não podem ficar presos somente a um texto. Esse é o motivo do sucesso do nosso samba”.

Laíla. Foto: SRzd
Laíla. Foto: SRzd

BATERIA: “Hoje é muito difícil você distinguir uma escola de samba pelo toque da bateria”.

Como um bom entendedor de samba e harmonia, o diretor também não fica de fora da bateria: “Lá na Beija-Flor, eu discuto tudo com meus diretores”, afirmou Laíla, que criticou o toque e a falta de identidade no ritmo das escolas.

A batida de caixa é uma mistura de Vila Isabel, Salgueiro e Estácio, com exceção de algumas como a Mocidade e a Mangueira, que tem batida tradicional.

“Hoje, as batidas estão iguais, a afinação é igual. Você não afina mediante a melodia do samba. A batida de caixa é uma mistura de Vila Isabel, Salgueiro e Estácio, com exceção de algumas como a Mocidade e a Mangueira, que tem batida tradicional. Ano passado, depois de muita porrada, o Ciça resgatou a antiga batida da Ilha”.

Outro questionamento feito pelo diretor foi em relação a quantidade de box de bateria. Segundo Laíla, há a necessidade de um terceiro.

“Eu propus na Liga que se fizesse mais um box de bateria, sabe por que? Você sai da curva e entra naquele buraco que é insuportável. Aí você sai pra encostar lá no fim do desfile, que é ruim também. A grande realidade é que eles nos botam num curral e a gente que se vire. Se tivesse um box de bateria no meio, você teria a possibilidade de audição sem ser exclusivamente do início ou do final”.

PARADINHA: “Por mim não teria nenhuma”.

Assunto que divide opiniões dentro do Carnaval, Laíla considera a obrigatoriedade de realização de bossas e convenções pelas baterias “a maior desgraça do regulamento”. Ele disse só permitir algumas na Beija-Flor porque os diretores “enchem o saco”, mas ressaltou que todas são harmônicas e dentro da melodia.

Se você vem dançando e saem essas paradinhas loucas fora do tempo pra caramba, como é que faz o cara que tá dançando?

“Se tornou uma disputa que eu trato de quebra de harmonia, quebra do canto. Você tem o pé de dança que você tem que cumprir, se você vem dançando e saem essas paradinhas loucas fora do tempo pra caramba, como é que faz o cara que tá dançando?”, indagou Laíla.

O diretor também levou em consideração a distância da Avenida: “A distância da Avenida é muito grande. A paradinha que é feita aqui razoavelmente certa chega 50 metros na frente de outra maneira”.

Laíla. Foto: SRzd
Laíla. Foto: SRzd

HARMONIA: “A harmonia da escola de samba hoje está achatada”.

Especialista no quesito, Laíla discorda da maneira como é julgada a harmonia num desfile de escola de samba e acredita ser muita responsabilidade jogar um quesito e o canto de 3 mil componentes em cima de um carro de som. Segundo ele, é preciso rever os critérios.

“Como é que pode? No regulamento diz que harmonia é a consonância entre o carro do som, a bateria e o canto da escola. Mas aí você vê… a própria Beija-Flor, às vezes, arrebenta de cantar e ganha a mesma nota de outras que cantaram menos? Como que faz? É um julgamento correto? Não é”.

ALEGORIAS: “O correto seriam três alegorias em um desfile”.

No que diz respeito aos carros alegóricos, Laíla é catedrático ao afirmar que é favorável à redução e tem o desejo de reduzir ainda mais. “Lá atrás, quando eram oito alegorias, eu queria cair para seis, mas o Sr. Anísio segurou. Hoje, a Beija-Flor vem com cinco. Mas o correto, pra mim, seriam três alegorias em um desfile de escola de samba”.

Além disso, Laíla relembrou a mudança em termos alegóricos feita pela Beija-Flor no campeonato de 1998, quando estreou a fórmula de comissão de Carnaval: “Em 1998, no ano do Patu-Anu, com a comissão, a gente mudou a cara do Carnaval, pelo menos em modelo alegórico”.

Laíla. Foto: SRzd
Laíla. Foto: SRzd

ALAS COMERCIAIS: “É muito difícil você ter ala comercial”.

O pessoal da ala comercial não comparece aos ensaios. Vem gente do Japão, compra fantasia, não canta e não faz coisa nenhuma.

Além da redução de alegorias, nos últimos anos também foi reduzido o número de desfilantes. Sobre o corte de possíveis alas da comunidade, Laíla disse privilegiar quem é da Beija-Flor e falou da dificuldade em ter alas comerciais e desfilantes de fora que não ensaiam e não sabem o samba.

“Hoje, pra você fazer um desfile de escola de samba, você precisa da comunidade. Através do trabalho da Beija-Flor de injetar na comunidade, as escolas estão fazendo isso também. Se não, adeus. Não tem como. O pessoal da ala comercial não comparece aos ensaios. Vem gente do Japão, compra fantasia, não canta e não faz coisa nenhuma”.

JULGAMENTO DO DESFILE: “Acho que deveria ter uma pontuação diferente pra cada quesito”.

Polêmico sempre que o assunto é o julgamento do Carnaval, Laíla não se esquivou das perguntas e defendeu uma reformulação nos critérios do júri. Segundo ele, a pontuação de cada quesito deveria ser revista.

Você gasta uma fortuna em alegorias e vale a mesma pontuação de duas pessoas ou 300 pessoas?

“Tem coisas que não são corretas dentro da maneira do julgamento. É bonito pra caramba mestre-sala e porta-bandeira e ganha 40 pontos. Mas 300 pessoas da bateria também ganham 40. Você gasta uma fortuna em alegorias e vale a mesma pontuação de duas pessoas ou 300 pessoas?”, indagou.

Além disso, o diretor reivindicou décimos perdidos em outros Carnavais. Segundo ele, as justificativas não apresentam fundamento. Perguntado sobre como mudar isso, Laíla afirmou ser responsabilidade da Liga junto aos cursos oferecidos aos jurados perto do Carnaval.

“Tem que dar abertura pra cabeça dos caras. Sabe o que já aconteceu? Eles tiraram ponto e justificaram sugerindo o que deveríamos ter feito. Isso tá errado. Eles têm que julgar o que passou lá. Ano passado, me tiraram um décimo de bateria porque o mestre não se apresentou para o júri. Isso não tá no regulamento! Outra vez falaram que a bateria estava maravilhosa, linda, perfeita, mas faltou algo. Que algo é esse? Como é que pode?”, esbravejou Laíla.

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