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Entre o popular e o erudito, por Vera Aragão – Capítulo 2

Capítulo 2 – Como surgiram o ballet e o Carnaval

+ Capítulo 1 – Inventando a tradição?

O ballet surgiu na Itália, na Idade Média, das grandes procissões do Teatro Popular Religioso e de uma dança grupal chamada “mourisca”. Como “mourisco” significava um mouro convertido ao catolicismo, a encenação apresentava dois grupos de homens enfileirados em lados opostos, com roupas ornadas com guizos, alguns pintados de preto e que, armados de paus, simulavam a luta de espadas entre mouros e cristãos. Entre os séculos XIV e XV constata-se uma releitura dessas procissões, adotadas pela casta emergente que, para legitimar sua hegemonia, reproduzia os “triunfos” da Roma Antiga, desfiles que simbolizavam o retorno triunfal dos campos de batalha.

Roma antiga. Foto: Reprodução

Estas manifestações de rua eram o ballo (grande baile), onde os participantes percorriam as ruas da cidade conduzindo alegorias sobre rodas, o que não tardou a ser levado às mansões da aristocracia e, tendo seu espaço limitado, adquiriu o nome de balletto, o pequeno baile.

Interessante notar que alguns historiadores apontam as danças mouriscas que aqui chegaram, como base de várias danças populares brasileiras, manifestações do nosso mais autêntico folclore, como a “Chegança”, a “Cavalhada” e outras – das quais nos ocuparemos em outro momento.

Curiosamente, também o carnaval inicia sua história com os “triunfos”.

Tudo começou em 604, quando o papa Gregório I determinou que, em certo período do ano, os fiéis deveriam deixar de lado a vida cotidiana para tratarem do espírito, jejuando por quarenta dias, em remissão às privações passadas pelo Cristo no deserto. Só em 1091 foi marcada a data para o início desse período, cujo primeiro dos quarenta dias foi a Quarta-feira de Cinzas, assim chamada pelo costume dos fiéis assinalarem, com cinzas, uma cruz na testa em sinal de penitência. Com o passar do tempo, todos aproveitavam os dias anteriores ao jejum para dedicarem-se às festas e à comida farta – principalmente à carne, alimento muito consumido no frio europeu. Assim, os dias de fartura antes da quarentena, começaram a ser chamados, em italiano, de carne vale (“carnevale”, “adeus à carne”) .

Em pouco tempo a cultura renascentista percebeu que essa festa era um bom momento para aproximar a aristocracia do povo e, na Toscana, o carnaval transformou-se no principal evento anterior à Quaresma, onde “acabou se aprimorando um tipo de festejo peculiar chamado ‘triunfo’ […] inspirado nos desfiles triunfais dos imperadores romanos” e assim, partilhando a mesma origem do ballet, ambos afastados da espontaneidade popular. O ballet, surgido das manifestações de rua, viu seus gestos serem disciplinados, adequados à rigidez dos modos aristocráticos, para quem meneios dos quadris, entre outros, não eram bem vistos. Por sua vez, o carnaval tornou-se “mais próximo de uma representação teatral do que de algo que possa ser chamado verdadeiramente de festa carnavalesca”, cada vez mais ritualizado e afastado da origem popular .

No século XIX, no Brasil, o Entrudo – herança recebida dos portugueses, brincadeira que incluía jogar líquidos nas pessoas que andavam nas ruas – simulava também, em seus folguedos, uma espécie de cavalhada entre mouros e cristãos , novamente remetendo à mourisca, às procissões do Teatro Medieval Religioso, à origem do ballet.

Pensando no carnaval carioca de hoje e pensando nos “triunfos” que originaram ballet e carnaval, veremos traços idênticos nas Escolas de Samba: carros alegóricos, a simbologia das representações, dramatizações acompanhadas de música e percussão, a sucessão de grupos – as alas – cada qual apresentando uma dança diferente. Observa-se igualmente a reversão nas representações, a sátira ao sério ou sagrado, a exploração da visão exagerada, a imposição do profano e a coisificação do corpo – principalmente o corpo feminino. Finalmente, o casal de mestre-sala e porta-bandeira que, vestidos à maneira da corte, executam uma dança codificada, visivelmente influenciada pelo minueto e a contradança que a originou – de que falaremos mais adiante.

Sobre Vera Aragão

Vera Aragão. Foto: Arquivo pessoal

Doutora em Memória Social – UNIRIO; Pedagoga – UniverCidade; Bailarina e Professora de Ballet pela Escola de Danças Clássicas do Teatro Municipal do Rio de Janeiro com Especialização em Pedagogia Aplicada à Dança; Ex-bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Troféu “Personalidades do Rio”- Prefeitura do Rio, Co-autora dos livros “Programa de Ensino de Ballet” (2006) e “Anna Pavlova” (2015); Julgadora dos quesitos: MESTRE-SALA e PORTA- BANDEIRA: LIESA RJ – 1995, 1998, 2000, 2001, 2002; Guaratinguetá/ SP – 2011, 2012; Vitória/ES – 2015; Uruguaiana/ RS – 2013, 2016, 2017, 2019; LIERJ/ Riotur – 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019; COMISSÃO DE FRENTE: Três Rios/ RJ – 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016; EVOLUÇÃO: LIESA RJ, grupos A e B – 1996, 1997.

Eliane Santos de Souza

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