Beija-Flor 2018: com crítica social, escola faz desfile teatralizado

Desfile Beija Flor 2018. Foto: Juliana Dias/SRzd

Desfile Beija Flor 2018. Foto: Juliana Dias/SRzd

Com passagem repleta de críticas sociais, a Beija-Flor encerrou os desfiles de 2018 do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Sexta e última escola a passar pela Avenida Marquês de Sapucaí, a agremiação levou o enredo “Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu”. Diferente dos últimos anos, a Beija-Flor não veio com a opulência — que virou sua marca principal — para se adequar ao enredo peculiar. Um dos principais destaques positivos da agremiação foram as mensagens impactantes nos carros alegóricos. As alas teatralizadas também se destacaram.

Rachel Valença, comentarista do SRzd, questionou o enredo e a plástica da escola. “A Beija-Flor que se viu na Avenida em 2018 nada tem a ver com sua imagem anterior. Onde está a escola animada e disciplinada, rica e luxuosa, que ao longo dos anos conquistou tantos torcedores? O que mais fez falta ao desfile foi enredo. Não havia começo, meio e fim. De geleira a punk nordestino, um desfile de carros sem beleza e sem acabamento. Peço perdão aos torcedores, mas nem os componentes pareciam convencidos do novo discurso da escola. De fato, não é com um teatrinho de escola primária que se muda a sociedade. Sinto muito”, desabafou.

Em conversa com o SRzd, Laíla não falou se a agremiação estava na Avenida para ganhar, porém ressaltou o grande protesto planejado pela escola.”A única coisa que queremos é fazer um grande ato cívico aqui na Marquês de Sapucaí. Não fizemos citação a ninguém. É uma maneira brincalhona e inteligente de protestar contra as mazelas existente no país e no Rio de Janeiro”. Campeã de 2015, a Beija-Flor carrega um total de 13 títulos no Grupo Especial do Rio. Em 2017, a escola de Nilópolis ficou classificada em sexto lugar.

Enredo

O enredo “Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu” abordou o abandono da sociedade brasileira ao longo de sua história. A agremiação montou seu enredo em cima do famoso livro de ficção “O Moderno Prometeu”, conhecido também apenas como “Frankenstein”. O romance de terror gótico conta a história do cientista Victor Frankenstein que criou um ser a partir de pedaços de outras pessoas. Por causa de sua aparência fora dos padrões, o criador rejeita sua criatura instantaneamente.

O desfile foi iniciado com uma referência ao mito grego de Prometeu e ao livro “O Moderno Prometeu”. Apesar de ser rejeitado por Victor Frankenstein, a criatura chora com a morte de seu criador. A cena do livro que aborda esta situação foi reproduzida no primeiro setor da Escola. Já no segundo setor, a Beija-Flor questiona quem são os verdadeiros monstros: a criatura horrorosa ou o criador que a abandona. Desta forma, a agremiação evidencia quem abandou o Brasil. Alguns dos “abandonadores” abordados foram piratas, que saquearam o país no início de sua história; Portugal, por cobrar impostos durante o Ciclo do Ouro; e os políticos, que são vistos como vampiros sanguessugas pelo povo brasileiro.

Após abordar quem “usurpou” o Brasil, a escola trouxe os “monstros abandonados”; ou seja, as pessoas que estão à margem da sociedade. Ao longo das alas estavam retirantes nordestinos, que migraram para outras regiões em busca de uma condição de vida melhor; pedintes, que precisam implorar por dinheiro diariamente para sobreviver; crianças em situação de pobreza, que perdem sua infância para vender balas na rua; artistas populares, que têm suas artes desvalorizadas; e o povo brasileiro, que é “feito de palhaço”.

Com os abandonadores e os abandonados na Avenida, o quarto setor levou os “motivos” para o abandono. A escola abordou alguns tipos de preconceitos que afastam as pessoas e provocam falta de respeito. Homofobia, racismo, xenofobia e machismo foram alguns tipos de intolerâncias que foram destacadas pela agremiação. O quinto e último setor trouxe a redenção. A importância do Carnaval para a sociedade foi retratada no último carro alegórico. A Beija-Flor faz uma homenagem a sua própria história e ao seu trabalho social na comunidade de Nilópolis.

Desfile Beija Flor 2018. Foto: Juliana Dias/SRzd

Comissão de frente

Lobos com os corpos deteriorados tomaram conta da Avenida para anunciar o desfile da Beija-Flor. A comissão de frente da escola fez uma apresentação que misturava conceitos do mito grego de Prometeu e o último capítulo do livro “O Moderno Prometeu”, mais conhecido apenas pelo título alternativo “Frankenstein”. Em frente aos grupos de jurados, enquanto os lobos em alusão a Frankenstein faziam a coreografia, o trenó onde estava Prometeu abria e o titã grego realizava uma performance acrobática. Em cima do trenó, um urubu aparecia. A comissão de frente foi coreografada por Marcelo Misailidis, que comanda o setor desde 2015.

Desfile Beija Flor 2018. Foto: Juliana Dias/SRzd

Casal de mestre-sala e porta-bandeira

Um dos mais tradicionais casais de mestre-sala e porta-bandeira do Carnaval do Rio passou pela Avenida nesta segunda. Claudinho e Selminha sorriso, apesar de estarem no posto desde 1996, afirmaram que este desfile é especial na carreira dos dois. “Nós temos essa parceria há mais de 25 anos; e quase 23 na Beija-Flor. Mas a emoção de hoje é diferente porque este samba representa cada um dos brasileiros que sonham com um Brasil melhor”, afirmou Selminha. A fantasia do casal, que representava cristais de gelo, era bem exuberante e predominantemente nas cores branco e prata.

Os comentaristas do SRzd, Mestre Manoel Dionísio e Eliane Santos Souza discorreram sobre a experiência do renomado casal e, também, sobre a qualidade da apresentação. Dionísio destacou o tempo da parceria e afirmou que a Beija-flor ganha muito em ter o casal como parte da agremiação. Já Eliane focou nos passos apresentados na Avenida. “A graça, a leveza e a majestade do casal pôde ser observada durante a realização dos movimentos coordenados onde se destacaram o equilíbrio e a reciprocidade da dupla”, afirmou

Desfile Beija Flor 2018. Foto: Juliana Dias/SRzd

Bateria

A bateria do Mestre Rodney manteve seu estilo para o ano de 2018. O grande samba da escola foi conduzido pelos ritmistas com bossas características da escola e uma variação de surdos e peças leves. O comentarista Bruno Moraes elogiou a apresentação da escola, mas salientou para um desandamento no último grupo de jurados. “O belo desfile da Bateria da Beija-flor teve o seu grande destaque o andamento. Aquela batucada autêntica e swingada já é característica da bateria do mestre Rodney. Fez boas apresentações nas cabines 1, 2 e 3, porém, no módulo 4, a bateria não foi tão firme quanto nos demais. No geral foi um ótimo desfile dos ritmistas de Nilópolis”, destacou.

Desfile Beija Flor 2018. Foto: Juliana Dias/SRzd

Samba e carro de som

Intérprete da Beija-Flor desde 1976, Neguinho da Beija-Flor mais uma vez comandou o carro de som da agremiação. O cantor entoou o samba-enredo composto por Di Menor BF, Kiraizinho, Diego Oliveira, Bakaninha Beija Flor, JJ Santos, Julio Assis e Diogo Rosa. De acordo com Wanderley Monteiro, em termos de samba-enredo, a agremiação encerrou os desfiles do Grupo Especial em alto nível. “Os desfiles deste ano terminaram no mais alto nível, só pra falar de samba-enredo. Como não bastasse a mensagem, uma melodia arrebatadora. Nem precisava ser Beija-flor para ver o show que a comunidade deu. Nas arquibancadas bandeiras tremulavam. Neguinho, já na terça, fechou a segunda com chave de ouro”, afirmou. O especialista destacou o seguinte trecho da composição: “…teu livro eu não sei ler, Brasil /  Mas o samba faz essa dor no peito ir embora / Feito um arrastão de alegria e emoção / o pranto rola…”.

Fantasias, alegorias e adereços

Neste ano, a Beija-Flor abandonou o luxo que, com o passar dos anos, se tornou marca da agremiação. Para honrar o enredo que fala sobre mazelas da sociedade e o caos na humanidade, a escola de Nilópolis teve a coragem de apostar em um visual com menos “cara de escola de samba” e com uma pegada mais teatralizada. Os carros alegóricos foram os grandes destaques da agremiação neste ano. Em busca de causar uma boa impressão no público, a Beija-Flor desfilou com alegorias interativas e com imagens chocantes; como a representação de uma criança dentro de um caixão. Os carros alegóricos sofriam algumas modificações durante sua passagem pela Avenida e contavam com encenação dos componentes para passar sua história. A imagem antiga de opulência da Beija-Flor foi lembrada apenas no final do desfile, com uma alegoria cheia de plumas que e com bastante informação.

Harmonia e evolução

A Beija-Flor passou pela Avenida com 36 alas e cinco carros alegóricos. Com a maioria das alas coreografadas, a agremiação de Nilópolis fez um desfile bastante teatralizado. A escola desfilou com intenção de chamar a atenção e colocar seu enredo na boca do público. Membros da harmonia passaram o desfile animando os componentes e pedindo para eles cantarem o samba-enredo. Caso algum componente não cantasse, era repreendido no mesmo instante. A escola não deixou buracos aparentes entre os dois primeiros grupos de jurados. Apesar da grande quantidade de pessoas no chão da Sapucaí, a Beija-flor fluiu com tranquilidade e completou o desfile dentro do tempo determinado.

Desfile Beija Flor 2018. Foto: Juliana Dias/SRzd

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– Marcelo Misailidis fala sobre experiência de desfiles na Sapucaí

– Vídeo: Mestre diz que bateria da Beija-Flor ensaia sempre ’em prol do coletivo’

Veja fotos do desfile

Ficha técnica da escola

Local: Nilópolis
Fundação: 25 de dezembro de 1948
Cores: Azul e Branco
Presidente: Ricardo Abrão
Carnavalescos: Victor Santos, Bianca Behrends, Rodrigo Pacheco, Léo Mídia e Cid Carvalho
Diretor de Carnaval e harmonia: Laíla
Mestres de bateria: Rodney e Plínio
Rainha de bateria: Raíssa de Oliveira
Mestre-sala e porta-bandeira: Claudinho e Selminha Sorriso
Coreógrafos da comissão de frente: Marcelo Misailidis
Enredo de 2018: “Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu”
Número de alas: 36
Número de carros alegóricos: 05

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