Compositor abre o jogo sobre prós e contras dos ‘sambas de escritório’ e ‘encomendados’

Claudio Russo e Sidney Rezende. Foto: SRzd

Claudio Russo e Sidney Rezende. Foto: SRzd

O que o próximo Carnaval da Renascer de Jacarepaguá, Inocentes de Belford Roxo e Paraíso do Tuiuti têm em comum? Claudio Russo. Ele é um dos compositores dos sambas-enredos que as escolas encomendaram e levarão para a Marquês de Sapucaí. O número pode aumentar, caso sua parceria ganhe em outras duas agremiações em que tem sua obra concorrendo: Beija-Flor e Unidos de Padre Miguel. Em entrevista ao jornalista Sidney Rezende, diretor do SRzd, Russo falou sobre as eliminatórias e os polêmicos sambas “encomendados” e de “escritório”.

Um samba por encomenda tem a possibilidade de ser de melhor qualidade, porque a gente vai levar para o presidente, para o carnavalesco. Qualquer observação, eles vão fazer.

“Cada situação tem uma característica. A Renascer, quando começou a fazer samba por encomenda, foi porque perdeu 45% do terreno da sua quadra para as obras do BRT. A Tuiuti, esse ano, é algo específico. O presidente queria um grande samba para o enredo que fala sobre os 130 anos da abolição”, explicou. Para Russo, a chance de ter melhor qualidade na obra encomendada é maior. “Eu não sou a favor totalmente da encomenda, mas, em algumas situações específicas, é necessário. Cabe ao presidente e sua diretoria ver qual é a situação que ele precisa daquilo. Um samba por encomenda tem a possibilidade de ser de melhor qualidade, porque a gente vai levar para o presidente, para o carnavalesco. Qualquer observação, eles vão fazer. A gente refaz o samba e ele só vai estar pronto na hora que eles derem o ok. Então, a tendência de ser um samba de qualidade é muito maior”, opinou.

Segundo Russo, há um alto custo na disputa de samba-enredo, e o chamado “samba de escritório” acaba sendo uma solução. “Hoje o compositor gasta com a gravação. Uma boa gravação dá no mínimo R$ 5 mil. Agora, tem essa modinha do vídeo. Então, um bom clipe começa com mil reais no mínimo. Tem que levar o cantor do Grupo Especial, que é caro, tem ingresso na quadra, torcida, ônibus, cerveja para a torcida, bandeirinha, fogos. Isso tudo é muito caro. O samba de escritório é quando quatro, cinco, seis compositores se reúnem para tentar custear aquilo. Hoje, dois compositores não têm condições de custear. É muito cara a disputa. Até acho que se a disputa fosse mais barata, não existiria escritório nenhum. E já que estão juntos, cinco, seis, sete compositores, então fazem samba para mais de uma escola”.

Os compositores humildes são mais prejudicados? São.

Para ele, é preciso chegar a um equilíbrio entre os compositores e as escolas em relação às disputas. “Acho que prejudica o compositor mais humilde. Caberia as escolas e os compositores tentarem um caminho mais barato da coisa. O compositor também tem culpa nisso, porque gosta de gastar. Principalmente quando tem um amigo com mais dinheiro na parceria. Então, faz camisa, faz churrasco. Eu acho que tem que se chegar a um denominador comum e as escolas e os compositores se unirem. Um exemplo: estamos passando por uma situação na cidade com a violência. Sair à noite, varar a madrugada no samba é complicado. Como é que vai voltar para casa? As escolas poderiam, sábado e domingo, fazer festivais de chopp, como tinham antigamente, começando às 14h, portões abertos, e faz a apresentação dos sambas nesses dias. Ia acabar mais cedo. Com o portão aberto, ia baratear a disputa, e os compositores se apresentariam ali. Mas aí a escola poderia dizer que estaria perdendo receita. Hoje em dia, a escola abrir a quadra também é muito caro. Então, acho que deveria ter um denominador comum, uma conversa mais ampla para se chegar a uma situação melhor para todos. Os compositores humildes são mais prejudicados? São. E hoje eles estão também se unindo a outros compositores para tentar fazer grupos que tenham condições de custear essa disputa”.

Eu acho que as eliminatórias precisavam ser repensadas. Eu não sou o ‘câncer do samba’. Eu vivo isso 12 meses no ano, 24 horas por dia.

Russo, no entanto, recebe críticas de alguns torcedores e pessoas do mundo do samba. Certa vez, um leitor do SRzd comentou que o compositor era o “câncer do samba”. “Eu não sou o ‘câncer do samba’. Eu consegui falar com essa pessoa pelo Facebook. Ele tem a opinião formada dele. Ele disse que quando ele falou ‘O Claudio Russo é o câncer do samba’, ele quis dizer em geral, que todo compositor que trabalha em várias escolas, que faz vários sambas. E ele quis atacar a mim, porque ele achava que eu sou um ícone disso. Eu só queria explicar que eu estou nesse mundo de samba-enredo desde 1989. Em meados de 89, eu entrei e comecei a concorrer para o ano seguinte, que seria 90. Eu ganhei muito samba. Eu devo ter perdido dez vezes mais. Então, o Claudio Russo hoje, de 2000 para cá, se for pegar os 20 melhores sambas, devem ter dois, três do Claudio Russo. Então, o Claudio Russo não é o ‘câncer do samba’. Claudio Russo é um cara que sofreu muito, um cara que perdeu muito e por ser esforçado e gostar do que faz, ele se adequou ao sistema. O sistema tem falhas. Eu acho que as eliminatórias precisavam ser repensadas. Agora, eu não sou o ‘câncer do samba’. Eu vivo isso 12 meses no ano, 24 horas por dia. Eu tenho feito obras que são elogiadas. Como eu posso ser o ‘câncer do samba’? Mas eu acho que o companheiro entendeu um pouco. Ele tem opinião formada e não vai ceder, mas é ruim ver isso na internet, que se espalha. Eu tenho uma filha de 7 anos, um filho de 13. Já pensou eles lerem? Que o pai deles é o ‘câncer do samba’? Aí, meu filho vai falar assim: ‘Pô pai, e esses prêmios que você recebeu, esses sambas que você conseguiu ganhar e a escola foi campeã na Avenida, isso é ser o ‘câncer do samba?’. Eu estou lutando, me adequando para tentar continuar concorrendo. As eliminatórias não são perfeitas, porque têm muito gasto, muito estendidas, mas eu me adequei ao sistema”.

Processo criativo

Na entrevista, Claudio Russo contou como ele e seus parceiros trabalham e chegam a um samba. “Quando lança o enredo, tem alguns que não despertam aquela empolgação no começo. E tem enredo que, cinco minutos após o lançamento, você já começa a criar. Quando eu comecei, há mais de 20 anos, eu era letrista. Não fazia melodia. Fazia minhas letras porque na adolescência, começo da idade adulta, li muito. Então, tinha facilidade de fazer boas letras. Só depois que eu comecei a fazer melodia. Mas todo esse processo criativo depende muito do enredo. Às vezes é um bom enredo, mas não toca no meu coração, então, fica mais demorado. Às vezes, um amigo teve uma ideia fantástica que eu não tive. Mas também tem enredo que a gente consegue fazer um samba em 40 minutos”, contou.

Enredos que toquem o coração, que falem mais sobre a luta dos afrodescendentes, a luta do negro no Brasil, a vinda deles da África para cá, o quanto sofreram, isso toca muito a mim.

O compositor revelou ainda um tema que tem facilidade. “Não são todos, mas enredos que toquem o coração, que falem mais sobre a luta dos afrodescendentes, a luta do negro no Brasil, a vinda deles da África para cá, o quanto sofreram, isso toca muito a mim. Eu sou filho de uma negra, por incrível que pareça, minha esposa é negra. Então, isso toca muito no meu coração. Quando o enredo é sobre esse motivo, eu tenho mais facilidade para criar”.

Claudio Russo. Foto: Reprodução/Facebook
Claudio Russo. Foto: Reprodução/Facebook

Russo contou também como é feito o samba com seus parceiros. “Lançou a sinopse. Em uma semana, dez dias, nos reunimos na casa de um. Cada um leva o que fez. Tem uns em que o enredo não tocou e não fez nada. Mas tem o cara que fez o samba todo. E você pode perguntar ‘E qual a parte que vai ficar de cada um?’. A música leva a isso. Às vezes têm três refrões sensacionais. Quando chega um amigo e canta, falamos ‘É esse. É esse que toca o coração, é esse que vai pegar a quadra, é esse que a gente vê a escola na Avenida’. Dificilmente tem um entrevero. Às vezes tem uma vaidadezinha, porque todo mundo quer ver a sua obra, a sua parte que fez, mas na maioria das vezes a gente chega a um denominador comum. Até porque é um grupo de pessoas que já se conhecem”.

Com mais de 20 anos trabalhando no samba, Russo revela uma de suas composições mais marcantes. “A Beija-Flor passava um momento difícil. Ela vinha para o bicampeonato, ela tinha sido campeã já com um samba meu, em 2007, e, em 2008 o enredo era sobre a cidade de Macapá. E quando o nosso samba começou na Avenida e tocava o refrão, foi de uma garra tão grande da comunidade de Nilópolis que em cinco minutos de desfile, eu falei: ‘É campeão’. E o refrão era: ‘O meu valor me faz brilhar; Iluminar o meu estado de amor; Comunidade impõe respeito; Bate no peito, eu sou Beija-Flor’. Esse refrão é o que me pega até hoje, o que eu posso falar: ‘Esse deu muito certo na Avenida'”.

Na entrevista, Russo cantou o refrão, mas confessa que ainda tem limitações. “Eu não sei cantar bem. Foi um esforço muito grande cantar aqui para vocês. E eu também não sou músico. Então, tenho dificuldades ainda. Tenho limitações. Por isso, que eu comecei com a letra. Hoje em dia, eu estou aprendendo a tocar cavaquinho, mas na parte musical, eu sou ainda limitado. Tem que ter um amigo do cavaquinho para me dizer qual o tom que está. Eu acho que é sempre aprendendo que a gente melhora e evolui”.

E não é só na música que Russo procura se aperfeiçoar. “Eu tinha dificuldade para me expressar. Eu fiz um curso de oratória. Não posso ficar nessa lerdeza. Então, eu fiz um curso de oratória, que tinha pegadas de teatro, tinham exercícios em grupo, e me deu uma liberdade. Hoje em dia, se eu tiver que falar para mil pessoas, eu falo com tranquilidade”.

Assista à entrevista:

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