Carnavalescos da Grande Rio explicam enredo sobre Exu e dão dicas do desenvolvimento

Leonardo Bora e Gabriel Haddad são os carnavalescos da Grande Rio. Foto: Mario Grave

Leonardo Bora e Gabriel Haddad são os carnavalescos da Grande Rio. Foto: Mario Grave

Atual vice-campeã do Carnaval carioca, a Acadêmicos do Grande Rio escolheu Exu como protagonista do seu desfile para o próximo Carnaval. Intitulado ‘Fala, Majeté! Sete chaves de Exu’, o tema levará à Sapucaí histórias e manifestações culturais ligadas à simbologia dessa entidade tão presente no universo das escolas de samba. Assinado pelos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora, o enredo é a segunda proposta autoral que a dupla emplaca na Grande Rio.

“Exu apareceu de maneira pontual nos últimos três enredos que eu e Leonardo levamos para a Marquês de Sapucaí, então é algo que está no nosso imaginário artístico. Eu sempre tive o desejo de desenvolver um enredo dedicado a Exu, até mesmo pela ligação com o meu avô materno, que tinha um terreiro. Ao longo do processo de feitura do Carnaval do ano passado, começamos a esboçar as ideias que nos levaram a essa nova narrativa. Nós gostamos da experimentação, dos contrastes, de transformar algo que estava parado, os tecidos mais velhos do almoxarifado, na decoração do carro abre-alas. Eu acho que essa visão inquieta diz muito do dinamismo de Exu, que gosta de jogos, brincadeiras, desafios, não se prende a receitas prontas do que dizem que é bom ou belo. Gosta é de provocar e de gerar debate”, explicou Haddad.

Bora, que também entende que o enredo sintetiza a forma de pensar e fazer Carnaval da dupla, acredita que o tema seja uma continuação dos últimos desfiles assinados pelos carnavalescos.

“Quando lançamos o “Igbá Cubango”, dissemos que ele havia sido gestado pelo Bispo do Rosário: uma coisa estava dentro da outra. De certa forma, o “Fala, Majeté!” estava dentro do “Tata Londirá”: lemos, debatemos e aprendemos tanto a respeito de Exu, durante o processo de confecção do último desfile, que não foi uma surpresa quando percebemos que um novo enredo já estava em formação. Reunimos muito material e muitas, muitas histórias. Havia o interesse e a curiosidade, faltava um sinal, um início. A escritora Conceição Evaristo nos visitou, na primeira semana de janeiro, e passamos um bom tempo debatendo a simbologia da capa de Exu produzida pelo Bispo do Rosário. Os apontamentos dela nos mostraram um caminho maior, extremamente rico, e decidimos nos aventurar por ele. O resultado é um enredo que trata de coisas muito próximas da gente, a rua, a feira, o carnaval, o lixo, um enredo que não apresenta uma visão fechada, quadrada”, afirmou Bora.

Desfile da Grande Rio de 2020. Escola foi vice-campeã. Foto: Riotur

Sobre o desenvolvimento do enredo, a dupla revelou que o tema será dividido em sete partes e celebrará a energia que circula nas feiras, nos mercados, na malandragem das noites, nos bares e cabarés, nas ruas, nas folias populares e no Carnaval dos corpos indóceis. A música, a literatura e as artes visuais que reinterpretam e ajudam a pensar Exu no cenário contemporâneo, e a suposta ‘loucura’ capaz de transformar o lixo também estarão no enredo.

“Há uma linha muito forte de Exus ligados ao lixo. É nesse momento que a figura de Estamira ganha destaque, nos levando a um lugar de Caxias que por muito tempo foi invisibilizado, que é o lixão de Gramacho. Estamira conversava com Exu por meio de um telefone. Isso é muito impressionante. As falas dela são contundentes e urgentes, e é de onde tiramos o título, uma expressão misteriosa, repleta de significados”, esclareceu Haddad.

“Nós mostraremos os fundamentos africanos de Exu e olharemos para a relação de Exu com o mito de Zumbi, essa ideia de corpo coletivo, ponto que nos faz dialogar com textos de Conceição Evaristo e Alberto Mussa. É um enredo que exalta as brasilidades festivas e que pede para que ouçamos algumas vozes que historicamente foram impedidas de falar. Nesse contexto incerto, não sabemos como será o próximo Carnaval, mas desejamos que ele seja profundamente transformador. É por isso que invocamos essa energia. Lançar este enredo, no nosso entendimento, é uma mensagem jogada no infinito”, disse Bora.

‘Por que não fazer um enredo todo dedicado a Exu?’

Pelo terceiro ano consecutivo, os carnavalescos dividem a pesquisa do enredo com o historiador e antropólogo Vinícius Natal. Ele destacou a importância dessa proposta para se pensar o contexto contemporâneo

“É preciso enfatizar que mais do que o orixá do candomblé e as entidades que já vimos em outros desfiles, e que obviamente vão aparecer no nosso enredo, estamos falando de uma energia, de uma outra forma de pensamento. Não é por acaso que Exu tem aparecido tanto na arte urbana, nos museus, na música, na literatura, nas bandeiras que tanta gente está levantando. É uma resposta aos tempos do hoje e uma proposta também. No último Carnaval, inúmeras escolas citaram Exu, inclusive a Grande Rio. O escritor e historiador Luiz Antonio Simas até fez a provocação: por que tantas escolas citam Exu, mas nenhuma faz um enredo todo dedicado a pensar Exu? Havia essa lacuna. Nós decidimos entrar nessa encruzilhada, que fala de ancestralidade e é, ao mesmo tempo, muito contemporânea.”

Vinicius Natal, Leonardo Bora e Gabriel Haddad. Foto: Divulgação

O pesquisador ainda contou que a a espinha dorsal do enredo nasceu numa encruzilhada, quando ele e os carnavalescos estava, comemorando o vice-campeonato da escola, tomando cerveja na rua.

“Se precisamos pensar em novas formas de vida social, nesse contexto difícil, precisamos nos abrir ao diálogo, permitindo que pessoas como Estamira ou Stela do Patrocínio, que já partiram, continuem falando e sendo ouvidas. Por isso o nosso título traz essa exclamação: queremos que os Exus falem, para que aprendamos com eles. Há uma razão para isso, que não é a razão colonial, branca, eurocêntrica. É a “Pedagogia das Encruzilhadas” de que fala Luiz Rufino, por exemplo. Ocupamos um lugar privilegiado enquanto narradores e precisamos, mais do que nunca, usar esse espaço para combater o racismo epistêmico e o racismo religioso. Nada foi mais demonizado que Exu, por isso vamos raspar o fundo. A gente quer cada vez mais Exu nas escolas e nas escolas de samba”, finalizou Natal.

Logo do Carnaval infinito

Sobre o cartaz do enredo, que foi confeccionado pelo designer Antônio Gonzaga (o mesmo responsável pelas artes dos dois últimos carnavais da dupla), Gabriel Haddad disse que a arte conseguiu resumir a visão dele e de Leonardo Bora.

“É uma mistura de muro, lambe, papelão e carta de baralho. É uma obra para ser girada, ou seja, que desafia a nossa visão, que convida ao movimento e ao jogo. Também não quisemos apresentar Exu com apenas um gênero. É uma dança de ser e não ser, uma provocação. E há o símbolo do infinito, que também expressa a nossa posição diante do próximo Carnaval.”

Logotipo do enredo da Grande Rio para o Carnaval 2020. Foto: Divulgação










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