A depreciação do Carnaval e o choro de barriga cheia de quem deveria apoiar

Desfile Grande Rio 2020. Foto: Henrique Matos

Por Rodrigo Trindade

As escolas de samba do Rio de Janeiro já estão acostumadas a enfrentar intempéries como, por exemplo, a verba curta ou insuficiente para desenvolver seus desfiles, entre outros problemas pontuais, mas sempre resolvidos com muita criatividade. Materiais caros e mão de obra à mesma altura, além da necessidade de fazer o espetáculo crescer em tamanho e qualidade, oneram o custo final. Cada escola costuma buscar apoio ou patrocínio à sua moda. Quem consegue mais apoios, sai na frente. Quem tem patronos, desfila melhor. Mas nem todas têm tais benefícios.

Bolo redondo e cada um com sua parte na festa

Imagine um bolo redondo de chocolate, dividido em algumas fatias, estas vistas de cima. Metaforicamente, o bolo refere-se ao custo total das apresentações. Imagine, agora, que cada fatia represente a participação, em dinheiro, de alguma empresa ou instituição que investe nos desfiles das escolas de samba. Há, por exemplo, banco, empresa cervejeira e de refrigerante e a patrona mor, que é a emissora oficial que transmite a festa; além de outros participantes menores, que também valorizam a cultura e sabem de sua importância. Inclusive, saberão colher os bons frutos no momento certo.

Além de participações privadas, o poder público também tem sua responsabilidade no bolo, ciente de que a Cidade Maravilhosa é a anfitriã da maior festa ao ar livre do planeta. Os bons frutos impactam em todo o estado do Rio, direta ou indiretamente. A Prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, tinha uma participação valiosa “na primeira Era Eduardo Paes” (2009 a 2016). Cada agremiação do Grupo Especial contava com valores entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões de subvenção; na Série A, o valor era em torno de 500 mil. Variava de acordo com o ano. Se havia dinheiro para investir, o então (e hoje atual prefeito) sempre dava uma ajudinha a mais. Porém, não havia corte pela metade. O trocado era certo. Ainda assim, as agremiações sempre se viraram para fechar a conta: tira daqui, põe dali, junta de um e de outro e, como diz o velho e já batido ditado, “de grão em grão a galinha enche o papo”.

Vaca magra ou má vontade política?

Em 2019, a situação ficou muito feia, sobretudo, para as escolas da Série A. No Especial, houve corte de verba pela metade e cada uma teria recebido apenas R$ 500 mil; na Série A, R$ 250 mil. Por questões políticas, uma empresa de aplicativo de transporte resolveu sair da cota de patrocínio, o que representou um chute no estômago e o agravamento da crise. Quem conseguiu minimizar a situação foi o governador Wilson Witzel (hoje, pendurado em um processo de impeachment), que viabilizou através da Light, empresa de energia da capital, patrocínio que teria ajudado (bem em cima da hora) cada uma das escolas com pouco mais de R$ 1 milhão – ainda assim, apenas para o Grupo Especial.

O ano de 2020 foi ainda mais tenso. No Carnaval pré-Covid-19, agremiações da Série A e Grupo Especial foram agraciadas com uma espécie de “se virem nos 30”. Um dos motivos, todos nós sabemos: o samba sempre enfrenta tentativas para demonizá-lo.

Enquanto alguns demonizam a folia de Momo e dizem que a festa só serve para disseminar violência, dados revelam o quanto o Carnaval do Rio de Janeiro move a economia. Isso inclui, por exemplo, as apresentações na Marquês de Sapucaí e os eventos de rua. Em 2019, a Riotur divulgou que a receita gerada foi de R$ 3 bilhões e 780 milhões. Já em 2020, o impacto econômico foi de R$ 4 bilhões e tudo isso representa mais consumo, mais geração de renda, serviços e empregos em vários segmentos: da costura até a hotelaria. Sem contar os trabalhadores informais, do vendedor de latinha de refrigerante e salsicha de espeto ao catador de lixo reciclável. É óbvio que parte desse dinheiro retornará aos cofres públicos, principalmente em forma de impostos. Quer outro dado positivo? O número de visitantes também foi alto: 1 milhão e 620 mil turistas em 2019 e 2 milhões e 100 mil em 2020.

Época de colheita! De impostos, e ainda gerar renda e felicidade para as pessoas

É fato que, além de gerar emprego e renda e servir como movimento de resistência cultural, as escolas de samba divulgam suas cidades de origem ao mundo. O Carnaval, em sua totalidade, vai além: o que é investido volta em forma de impostos, entretenimento para deixar as pessoas mais felizes, trabalho e renda, e muito mais. É errôneo e retrógrado um governo contemporâneo pensar o contrário.

Outra: o trabalho de um ano inteiro de costureiros, aderecistas, escultores, desenhistas, engenheiros, bombeiros civis, eletricistas, pintores, porteiros, recepcionistas, maquiadores, vigias, faxineiros, cabeleireiros, carnavalescos, bailarinos, dançarinos, administradores, contadores, e de tantas outras profissões e agentes humanos envolvidos com o Carnaval deve ser respeitado. Inclui-se, aí, o profissional de imprensa que leva a informação em textos, fotos e vídeos mundo afora.

Luto pelos entes que se foram e esperança de imunização já!

Os desfiles de 2021 foram extintos pela pandemia. Hoje, famílias vivem em luto por perder entes queridos. Para agravar, pouco se sabe sobre o planejamento de vacinação e sobre a possibilidade de todos serem imunizados até julho. A liga responsável pela gestão do espetáculo na Marquês de Sapucaí chegou a desenhar uma proposta: 11 e 12 de julho o Grupo Especial desfilaria, mas apenas se houvesse a liberação das autoridades públicas e de saúde.

Com desfile ou sem desfile, o que não pode ser esquecido é o seguinte: escolas de samba vão muito além de um movimento de resistência cultural. Carnaval também é época de colheita, com geração de serviço, emprego e renda. E que a ignorância se combate com informação. Viva!

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