Yabás serão louvadas pela Coruja Negra em 2022

Pavilhão oficial da agremiação.

Escola de Praia Grande, litoral paulistano, a recém ascendida ao Grupo de Acesso 1, Coruja Negra trará para a passarela virtual em 2022 o enredo Yabás, mães, mulheres: A majestade feminina de autoria de Thiago Braga.

Confira a sinopse da agremiação:

O Espírito sobre a carne.

Um dia, quando o mundo era jovem e não conhecia o bem ou o mal, o Orum abriu-se em contemplação. De lá vinham, como que já senhoras daquele ventre novo do Aye. Vieram como numa revoada, todas as duzentas e uma, cada qual com seu poderoso pássaro. Senhoras do eié, donas do eié, mulheres-eleié. Porque as Iá Mi foram as primeiras mães, raízes primordiais, segredos do mal e do bem. Tão poderoso e destruidor quanto o axé é construtor e positivo, foram os seus feitiços. Vida e morte, impiedosas e anciãs. Quando desceram, voaram pelas árvores. Sete foram suas moradas, sete árvores tocadas pelo seu poder. A cada moradia, um novo poder elas descobriram. E enquanto puderam, exerceram o seu poder de modo terrível e primevo. Então Exu auxiliou Orunmilá, e este descobriu os seus segredos. E o mundo se equilibrou. Mas ainda hoje, ainda há a memória dos seus poderes, que foram forçadas a compartilhar. Ainda hoje permanece a memória do amor de Odu por Orunmilá, e os motivos pelo qual concedeu-lhe o seu pano de Egum, cedendo-lhe o domínio e parte do seu poder. Porque ela sabia que na Terra, as mulheres tinham poder demais. Todos viriam ao mundo através delas, e o segredo da gestação nunca lhes seria roubado, mesmo que ela reconhecesse a astúcia e a inteligência de Orunmilá.

“As Iá Mi Oxorongá são nossas mães primeiras, raízes primordiais da estirpe humana, são feiticeiras.
São velhas mães-feiticeiras as nossas mães ancestrais. As Iá Mi são o princípio de tudo, do bem e do mal.
São vida e morte ao mesmo tempo, são feiticeiras. São as temidas ajés (…)”

Também entre os demais orixás, há latente o grande poder feminino. É tão grande é a sua força, que pelas mãos da velha Nanã surge o homem, moldado por Oxalá de sua lama. Apenas Nanã Buruquê soube cavar no fundo o lago pela argila, porque apenas ela sabe os segredos da criação e da destruição do corpo. Para ela retornaremos, mitigados de nós mesmos para desaguar na nova existência. Ela, que é a anciã feiticeira e conhecedora das poções mágicas, é capaz de fazer dormir Oxalufã. Ela, que rivalizou com Ogum e aboliu o metal, soberana que não pede licença a ninguém. Ela, que põe medo nos homens e premia as mulheres. Senhora Buruquê, que mata sem faca. Mãe de Iansã, Omolu e Oxumaré.

“Eram de Ogum os instrumentos de ferro e aço. Por isso era tão considerado entre os orixás, pois dele todas as outras divindades dependiam. Sem a licença de Ogum, não havia sacrifício; sem sacrifício não havia orixá.[…]
Contrariada com essa precedência dada a Ogum, Nanã disse que não precisava de Ogum para nada, pois se julgava mais importante do que ele.
“Quero ver como vais comer,
sem faca para matar os animais”, disse Ogum.
Ela aceitou o desafio e nunca mais usou a faca. (…)”

Nascida da primeira torrente de águas, que tocou a criação a partir das forças de Olodumare-Olofim, Iemanjá é a senhora de todas as fendas ocas dos mares e dos oceanos. Ao lado do Deus Maior, domou com ele o fogo no fundo da Terra, apaziguando o poder de Aganju, mestre dos vulcões. Iemanjá esculpiu com Ocô o aye, trazendo árvores, florestas e bosques, que deixou aos cuidados de Ossaim. Ela moldou os pântanos com água turva, fazendo nascer a peste que entregou a Omulu, seu filho adotivo. E presenteou o que viria a ser com rios, cascatas e lagoas, para sua filha Oxum, dona das águas doces. Mãe dos orixás, a todos convoca para comungarem de seu amor. Todos desejam fazê-la companhia, esta mãe protetora que é a senhora de todas as cabeças. Em seu palácio de estrelas-do-mar, pérolas e conchas, aguarda que todos lhe prestem o devido respeito. Iemanjá é o poder da maré, a força de uma tormenta, mas também o afago e a tranquilidade do mar sem ondas. Só ela pode castigar seus filhos, e a ela todos devem obediência.

“Ao ver que somente Iemanjá trazia-lhe um presente, Olodumare declarou:
“Awoyó orí dorí re”.
“Cabeças trazes, cabeça serás”.
Desde então Iemanjá é a senhora de todas as cabeças.”

Lindas como o brilho do sol sobre as águas doces, o clamor de uma espada e um escudo ou a luz de um relâmpago que cruza os céus, são as três amadas esposas de Xangô. Cada uma dona de poderes inexoráveis, senhoras da criação e do poder. Oxum, a deusa das águas doces, do ouro, da vida e da fertilidade. Senhora dos segredos do ifá, dos feitiços de amor e da beleza, apaziguadora de Olorumarê, pavão e abutre. Iansã é dona dos raios, colecionadora dos domínios de seus amantes, que a adoram. Mulher-búfalo que furiosa é tempestade avassaladora. Aquela que desfaz no vento e cospe fogo, mulher-elefante implacável. Obá é a guerreira, mestra das estratégias de guerra e da espada. Capaz de vencer em combate muitos orixás homens. Rival de Oxum, com quem ainda disputa o amor de Xangô, é uma mãe protetora e aguerrida de seus filhos.

Pavilhão oficial da agremiação.

A Carne sobre o espírito.

Tudo quanto é dito dessas mães iabás e suas histórias, reflete em nosso mundo à luz do poder que carregam as iabás. Mães de santo, matronas da boa vontade, herdeiras dessas passagens fantásticas e cheias de mistério e poder. A Mãe que nos inicia para a vida espiritual. A mãe de quem rasgamos o ventre rumo ao mundo. A mãe que acolhe nos braços as crianças rejeitadas por outras. As avós que são mães de seus netos, tias que são mães de seus sobrinhos. O princípio feminino, imortal e imutável, que se adapta e resiste mesmo às formas de opressão. A diáspora africana, fincou no Brasil raízes deste sagrado feminino, que se perpetua nas ruelas e favelas de nosso país. De norte a sul. Mães que lutam pelo sustento de seus lares, sozinhas ou ao lado de um marido ou outra esposa. Mães negras, mães periféricas, mulheres que clamam por justiça pela morte de seus filhos, que erguem-se em uma resistência condoída. Mulheres que aplacam a dor, mulheres que se constróem em um mundo que as aprisiona em seu próprio corpo. Mulheres que são violentadas, pelos homens e pelas capas de revistas. Mulheres que falam. Cicatrizes que falam. Corpos, raízes, históricas vinhas, ramos de uma árvore antiga chamada poder. A Coruja Negra vem recuperá-lo, demonstrar que o poder que é só da mulher, mães ou não, guerreiras ou feiticeiras, nunca lhes foi totalmente roubado. Senhoras generais, senhoras articuladoras das grandes vitórias sobre o adversário. A mão que cura, que despacha o ebó, que segura um charuto e uma taça de vinho. Vozes que gargalham diante da injustiça e da miséria, e fazem até mesmo do cemitério, seu império e morada.

Ecos de uma memória de luta e persistência, o poder da mulher renasce em cada gira, vibra em cada corpo que ruge como um atabaque dos séculos. Vestidos que rodam, com suas saias de cores vibrantes ou negras. Promessas e sortilégios, que reverberam ainda a força dessas guias, a necessidade da sua proteção. Exu-Mulher, não é brincadeira não! Também não é bagunça! É a astúcia e o ensinamento, o conselho que nutre e a mão que corta – a navalhadas – o mal em nosso caminho!

Arreda homem, que aí vem mulher! Laroyê!

“Deu meia noite, a lua se escondeu Lá na encruzilhada
Dando a sua gargalhada
Pombagira apareceu” – 7 Marias, Rita Beneditto.

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