Todo Carnaval Virtual tem seu fim…

Núcleo de Estudos de Carnavais e Festas – NEsCaFe no Carnaval Virtual

As apresentações na Passarela Virtual foram encerradas com o segundo dia de desfiles do Grupo Especial. As dez escolas que desfilaram mantiveram o alto nível do espetáculo da noite anterior.

Em uma noite bastante equilibrada, brilhou com intensidade a Estrela Guia em sua estreia na elite do samba virtual. Uma Apoteose de luxo também foi um dos destaques da noite. A Águia Real voou alto na homenagem a Mercedes Baptista. Veja a seguir como foram os desfiles.

ESTRELA GUIA

Abrindo os desfiles da segunda noite, a  escola de Santos não sentiu o peso da estreia no Grupo Especial. A Estrela Guia apresentou o enredo “Besta é tu”, desfilando o mundo da imaginação de uma maneira ímpar. Iniciou seu desfile com um colorido impactante. A comissão de frente animadíssima dava o tom do que estava por vir. A descrição do enredo foi muito bem referenciada em todo desfile, pontuando o ótimo trabalho de pesquisa que viajou desde o medievalismo até a contracultura contemporânea brasileira. A opção estética das fantasias agradou aos olhos, todas muito bem detalhadas. A originalidade das formas escolhidas para as alegorias e os adereços foi outro ponto alto do desfile. Destaque também para o ótimo trabalho de pesquisas imagéticas sem cair na reprodução fiel ou cópia: o carnavalesco apresentou referências artísticas diversas em um conjunto visual original e autêntico. A apresentação foi impecável em todos os quesitos e encerrou-se convidando todos a serem livres. A Estrela Guia mostrou que veio para ficar e disputar o título!

Última alegoria da Estrela Guia.

APOTEOSE

A amarelo e verde entrou na Passarela Virtual forte e imponente. O enredo “Apoteose vestida para brilhar” baseava-se no livro “Vestidos para brilhar: uma epopéia dos grandes destaques do carnaval carioca”, de João Gustavo Melo. A escola emocionou com uma linda homenagem já no início do desfile a todos os profissionais que fazem acontecer o sonho da fantasia carnavalesca. O luxo e o esplendor das fantasias dos destaques eram visíveis em todo o desfile. Nomes de importantes destaques do carnaval foram lembrados pela agremiação. A paleta de cores foi bem escolhida e ficou claro o tom que o desfile queria passar para o espectador. A escola cantou sonhos e fantasias com muitos brilhos, cristais, plumas e faisões. Em final apoteótico, os destaques de luxo do carnaval foram elevados à categoria de deuses: uma bela e merecida homenagem!

Carro Abre-Alas da Apoteose.

PRIMEIRA ESTAÇÃO

Terceira escola a desfilar, a verde e rosa carioca iniciou sua apresentação com beleza e força, desfilando as tradições das religiões de matrizes africanas.  O samba da escola nos transportava para a dimensão do enredo “Agô Iê! Do Odú, a lição”, chegando com ªhumildadeª. A escola utilizou uma paleta de cores rebaixadas com tons terrosos em sua abertura, passando no segundo setor para uma paleta mais quente que remetia às africanidades. O amarelo deu luz à composição, como nos exemplos do tripé “A lição através do Justiceiro” e da ala das passistas. Com um conjunto coeso, a Primeira Estação do Samba trouxe os mitos e a cosmologia dos Orixás com destaque para Odú Obará. A escola pisou forte na Passarela Virtual e esbanjou a força do Axé. 

Ala das Baianas da Primeira Estação.

IMPERATRIZ ITAOCARENSE

A Imperatriz Itaocarense começou seu baile na passarela virtual com muita Baderna. Homenageou a bailarina Maria Baderna e a sua época, relembrando sua passagem pelo Brasil. Enredo de fácil leitura, com uma pesquisa muito embasada, com samba-enredo bastante empolgante. As escolhas estéticas foram muito bem definidas enchendo os olhos do espectador de beleza. A agremiação apresentou figurinos de muito bom gosto e bem desenhados; desfilou cheia de efeitos de movimento e luz em suas alegorias. O desfile abordou a cultura popular brasileira à época da artista e, como diz a sinopse, “Se lutar pela cultura popular é ser baderneiro, a Imperatriz quer mais é que o país seja um Brasil de Baderna!”. A escola finalizou misturando o erudito e o popular de forma espetacular, convidando a todos para uma grande baderna.

Carro 2 da Imperatriz Itaocarense.

IMPÉRIO DO PROGRESSO

Desfilando o enredo “Quimeras de um Quixote à brasileira”, o Império do Progresso trouxe um desfile inspirado na obra e na vida da médica psiquiatra Nise da Silveira. Mergulhando nos devaneios e no inconsciente, a escola se perguntou “Quais mundos fantásticos podem existir escondidos na mente humana?”, como dizia a sinopse. Com um belo conjunto alegórico, a campeã do Acesso em 2020 desfilou disposta a provar que seu lugar é o Grupo Especial. O alegre samba retratou, com perfeição, um tema tão complexo como a psique. Loucura versus criação trouxeram fantasias e alegorias em cores e símbolos associados aos estudos junguianos. Representou, com maestria, a mente humana em sua criatividade artística infinita. Afetividade se uniu ao trabalho das oficinas de Arte com pacientes da Dra. Nise. A agremiação trouxe este aconchego com muito carinho. “Se expressar não é loucura”, como afirmou a escola ao pisar na avenida virtual, trazendo baianas que são:  “Rainhas da loucura”. 

Alegoria 4 da Império do Progresso.

ÁGUIA REAL

A Águia Real trouxe para a Passarela Virtual uma belíssima homenagem à primeira bailarina negra do Teatro Municipal, Mercedes Baptista. A escola entrou forte “iluminando os caminhos da trajetória memorável da grandiosa artista, mulher e negra na representatividade, resistência”. A escola de Nova Iguaçu buscou a felicidade total já nos primeiros acordes do samba, empolgando a arquibancada. O bailado do corpo preto surgiu na avenida, representados pelos compassos do tambor. A Comissão de Frente já nos mostrou a força do enredo em uma coreografia imponente. Surgiram alas coreografadas trazendo  a mesma dramaticidade da Cultura preta africana na dança, como apresentados na belíssima da ala 2 “Através do tambor o corpo de move”. As alegorias impressionaram pelos fantásticos efeitos de movimentos. A escolha cromática foi bastante feliz do começo ao final do desfile. O conjunto de fantasias retratou com competência a trajetória da homenageada. Desfile opulento que colocou a escola definitivamente entre as melhores da noite.  

Primeiro Casal de Mestre Sala e Porta Bandeira da Águia Real.

IMPERIAIS DO SAMBA

Reeditando o enredo “Corpo Negro”, a Imperiais do Samba cantou e desfilou a negritude com uma apresentação necessária e importante. Como diz a sinopse, “Juntos desfilamos mais uma vez nossas cores, pois em nossa pele repousa nossa razão maior de ser o que somos: vencedores!”. A escola fez o Cortejo de Exú em sua comissão de frente para abrir o desfile, com as cores e traços  das matrizes culturais afro-brasileiras, com a forte presença dessa paleta africana para dar visibilidade ao “Corpo Negro”. A Imperiais apresentou elementos, signos e significados dos orixás para falar desse corpo negro dentro da história e suas ressignificações; com abundância de riquezas, o que tornou o desfile extremamente luxuoso.

Ala 11 da Imperiais do Samba.

ESTRELA DALVA

Com uma mais do que justa, bonita e importante homenagem, a Estrela Dalva trouxe o enredo “Zé Katimba – do jeito que o Rei mandou”. O desfile veio para “katimbar” na Passarela Virtual e emocionou cantando e sambando a vida do Rei, trouxe a história de vida desse sambista desde sua infância até sua trajetória no samba, perpassando pelo seu brilhantismo dentro da Imperatriz. Mais que necessário, a Estrela Dalva contribuiu para o carnaval com a representação de um dos importantes compositores de sambas de enredo desse país, considerado como contribuinte, significativo, para a versão moderna do gênero musical. A opulência da ala das baianas marcou presença ao passar pela avenida virtual.  O enredo é forte acerca da vida e obra desse compositor, contando com grandeza a trajetória de Zé Katimba na cultura popular, sobretudo, na festa de carnaval. 

Carro Abre-Alas da Estrela Dalva.

MORRO DO ESPLENDOR

Com uma  fascinante ode à vida de Bambola Star, a Morro do Esplendor trouxe o enredo “Dos Kaxinawá para il mondo: Bom Dia Brasil, Boa Tarde Itália. Grazie per tutti, Bambola Star”. Exaltando a homenageada, a escola destacou Bambola como “símbolo de quem enfrenta o mundo todos os dias, dando a cara a tapa somente por ser quem é, em busca de respeito, admiração, cidadania e igualdade”. A Morro do Esplendor trouxe essa figura badalada e irreverente, do universo LGBTQIA+, dona do bordão “bom dia Brasil, boa tarde Itália”, que passou a ter visibilidade no ano de 2018, tornou-se meme por ser caricata e pela vida luxuosa compartilhada nas redes sociais. O desfile começou com elementos dos povos indígenas Kaxinawá, com muito colorido e expressividade, que demarcam a infância de Bambola Star.  As cores e contrastes, sempre intensos, trouxeram a ostentação em todo o percurso na avenida, o que traduziu a descoberta da vida de uma mulher indígena trans. A escola construiu sua leitura de Bambola Star a partir da ostentação, muito bem demonstrada na Alegoria Auguri Bambola Star.  

Carro 4 da Morro da Esplendor.

MOCIDADE

Fechando com chave de ouro a última noite de desfiles do Grupo Especial, a Mocidade abarcou os mistérios e a imensidão do universo a partir do Povo Dogon. Com um belo desfile, como diz a sinopse, “O povo Dogon nos ensina sobre o mundo, as estrelas e a nossa própria existência”. A Mocidade, com brilhantismo, apresentou esse grupo étnico conhecido por suas tradições religiosas, danças com máscaras, esculturas de madeira e sua arquitetura. Assim, a escola fechou a noite de desfiles virtuais com uma belíssima apresentação, na qual se destacou a belíssima comissão de frente, em um figurino cujas saias e mangas sobrepostas, nas cores verdes e preto,  brilhavam e reluziam durante a coreografia. 

Ala 9 da Mocidade.

O Núcleo de Estudos de Carnavais e Festas – NEsCaFe/CNPq celebra a parceria com o Carnaval Virtual e o portal SRzd e agradece aos pesquisadores que se revezaram na cobertura das seis noites de desfiles: Alexandre Gonçalves, Carlos Carvalho, Clark Mangabeira, Du Carmo Vido, Leo Jesus, Leonardo Morais Lopes, Sílvia Maria Monteiro Trotta, Verônica Valle e Wádson Pereira Rocha. Brincamos de ser felizes e pintamos os nossos narizes. Até 2022!

Texto elaborado coletivamente pelos pesquisadores do Núcleo de Estudos de Carnavais e Festas – NEsCaFe (@necf.ufrj):

Clark Mangabeira – Pós-doutorando em Artes Visuais (PPGAV/EBA/UFRJ). Enredista da U. de Vila Isabel, U. de Padre Miguel e Mocidade Alegre. Antropólogo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso. Pesquisador do NesCaFe/CNPq.

Leonardo Morais Lopes – Mestrando Artes Visuais (PPGAV/EBA/UFRJ). Professor de Historia. Pesquisador e produtor de carnaval. Pesquisador do NesCaFe/CNPq.

Wádson Pereira Rocha – Doutorando em Artes Visuais (PPGAV/EBA/UFRJ). Artista visual/Pesquisador do NEsCaFe/CNPq e NUPPE/CNPq.

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