Folguedo Caipira se prepara para estrear no Carnaval Virtual

Logo oficial da agremiação.

Diretamente de Jaboticabal, interior de São Paulo, foi fundada no final de 2020 a escola de samba virtual Folguedo Caipira. A agremiação apresentará o enredo: Eros, em seu corpo a nossa alma.

Logo oficial completo da agremiação.

Confira abaixo a justificativa e a sinopse do enredo:

JUSTIFICATIVA: A Sociedade Cultural Escola de Samba Folguedo Caipira nasceu da paixão dos seus componentes pelo carnaval, seja ele real ou virtual. É com orgulho e felicidade, que no carnaval virtual de 2021, apresentaremos o enredo ” Eros, em seu corpo a nossa alma “. 

A escola dos enamorados irá realizar uma grande celebração a trajetória meteórica de uma das artistas mais ilustres que já tivemos, pois com sua arte conseguiu transpor barreiras que foram muito mais além do que as dos palcos de dança. 

Venceu preconceitos ao enaltecer aquilo que o Brasil tem de mais valiosos, a nossa cultura, diversidade e a história. A bailarina que não apenas dançou, mas criou um estilo tipicamente brasileiro, uma verdadeira miscelânea de emoções onde negros, índios, brancos e mestiços se unem para confirmar nos tablados mundiais a nossa identidade cultural. 

Esquecida nos porões da memória nacional, mas lembrada pelo touro negro caipira, esta mulher que nos libertou com seus movimentos sinuosos, ancestrais e atemporais, a bailarina Eros Volúsia.

 ” …o ballet puro já não existe mais, os bailarinos clássicos utilizam de todos as criações modernas, desde o materialismo das acrobacias, até a espiritualidade do expressionismo. A minha dança é um misto de clássico, moderno e folclórico como é a dança atualmente…Eros Volúsia.

SINOPSE: ” … E nos batuques, na interpretação dos passos de mímicas do antigo maxixe ou do atual frevo, nas movimentações mímicas das macumbas de Pernambucanos que a artista se torna positivamente de maior interesse e de verdadeiro espírito criador. Ora a vemos evocando o antigo lundu uma graça mestiça que lembra delicadamente os desenhos de “Rugendas e Debret ” ora nos “terreiros de umbanda ” aí chamados do pai de santo, o espirito de Xangô, deus do raio e do fogo, desce sobre ela, e Eros dança com verdadeiro esplendor muscular, em ponchos e meneios de um frenesi endemoniado. Ora se converte na dança do passo dos maracatus, carregando a calunga a boneca imperatriz, e o ritmo lento se move com volúpias de êxtase, interrompidos por quedas bruscas de braços, numa primariedade grave que se desdobra em beleza, aos nossos olhos expressões que nos atiram para as formas larvares iniciais da vida.Mario de Andrade.

SETORES DO DESFILE:

Ato 1: MEMÓRIAS.

1̊ de junho de 1914 essa é a data de meu nascimento, a partir deste dia mesmo que inconsciente eu teria que fazer uma escolha e decidi representar o Brasil. 

Sou a filha mais nova do casamento de meu pai Rodolfo Machado e de minha mãe Gilka Machado. Papai era um jornalista e um poeta modesto, já mamãe era uma talentosa poetiza e como diziam os jornais da época “imoral”, também tinha meu irmão Helios, deu para perceber a predileção a nomes gregos, por esse motivo aboli a letra “H” e passei a assinar “Eros Volúsia”, igual ao deus do amor, mamãe foi muito perspicaz ao colocar “Volúsia”, porque é uma cidade americana produtora de mel, nada mais clichê, o doce sabor do amor. 

Depois do falecimento do meu pai as coisas ficaram mais difíceis, nós saímos de São Cristóvão, onde aos 4 anos fugia para ir observar as pessoas em rodopios alucinantes no terreiro de Pai “João da luz”, o qual me dizia que eu era uma enviada de Iemanjá, o engraçado é que anos mais tarde, em minhas andanças pela Bahia e Recife, eu encontraria outro João, dessa vez “Joãozinho da Gomeia ” que me disse a mesma afirmação. 

Fomos morar no centro do Rio de Janeiro mais precisamente na rua São José na qual com muito custo mamãe comprou um sobrado e o transformou em pensão junto de minha avó, a atriz de rádio Tereza Cristina Muniz. 

Mamãe sem dúvida foi a maior incentivadora da minha carreira, inspirada nela e em suas poesias criei os bailados “Ânsia Azul” e “Agonia da saudade ” e em especial “Oração” no qual me vestia de freira e revivia o sonho de Santa Terezinha com movimentos e atitudes no estilo sacro, além de uma chuva de pétalas de rosas caindo sobre o cenário, vovó gostava muito, pois era devota da santa de mesmo nome que o dela. 

Em ” A última folha de outono” dançava sobre páginas musicais, todavia, infelizmente, não tenho mais esses e outros figurinos, porque durante a 2ª Grande Guerra o navio que os trazia foi bombardeado e afundou com todas essas lindas memórias, talvez João da Luz estivesse certo, eu era uma enviada de Iemanjá e a senhora do mar me levou tudo aquilo que eu tinha de mais bonito.         

HELIOS E EROS – GILKA MACHADO.

“ Filhos meus — duas forças bem pequenas

que amo, e das quaes sustar quizera o adejo;

pequenas sempre fora meu desejo

tel-as, aconchegadas e serenas.

Filhos meus — delles vem, delles, apenas,

a humilhação servil em que me vejo;

mas, si o penar a um filho é bemfazejo,

para uma alma de mãe que valem penas?

Eu, que feliz, toda enthusiasmo, d’antes,

via os seres tornarem-se possantes,

vejo-os crescerem com pezar, com zelos.

Vejo-os crescerem, ensaiarem threnos,

e, no emtanto, quizera-os tão pequenos

que pudesse nas mãos sempre trazel-os”.

In Estados de Alma (1917).              

Ato 2: EU ANTROPOFÁGICA.

Desde pequena eu sinto ter sido preparada para ser artista, desde o nome recebido, até as referências absorvidas durante a minha infância e início da adolescência. 

Com a pensão a todo vapor, mamãe passou a fazer saraus a fim de entreter os clientes e para acolher os amigos. As reuniões de mamãe eram bem frequentadas, vinham escritores como Olavo Bilac, Coelho Neto, o jovem Nelson Rodrigues, que certa vez chegou a pedir minha mão em casamento, e o pintor Portinari.

 A música era de bom gosto, já recebemos Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha, Alberto Nepomuceno e outros. Eu gostava desses encontros, porque com tantos intelectuais tive a oportunidade de apresentar meus pequenos números de dança. 

Passei boa parte da minha vida na maternal pensão e acompanhei a chegada do Estado Novo, a ascensão da era varguista, a Semana de Arte de 22, a obra de Gilberto Freire “Casa Grande e Senzala” e o manifesto antropofágico de Oswald de Andrade que diz “… devemos nos alimentar de tudo que o estrangeiro traz ao Brasil, sugar-lhe as ideias originais e uni-las as brasileiras, realizando assim uma produção artística cultural rica, criativa, única e própria …”  

Se a proposta era “devorar” a técnica e a cultura mundial, porque não começar a explorar o produto nacional talvez seja por isso que “sertaneja, Yara, Iracema e frevo …” foram bem recebidos tão bem pelo público, justamente por mostrar o melhor da brasilidade. 

Lembro que nessa brincadeira modernista de conhecer a nossa cultura fui acompanhada de mamãe e de alguns outros artistas em pleno carnaval de 1933 ao morro do Salgueiro ver o legítimo “samba da gente ingênua do morro” como foi noticiado no jornal ” o Globo”, chegando lá nos deparamos com duas mulatas sambando e contorcendo o corpo com os olhos úmidos e bocas entreabertas aspirando o ar molhado do orvalho. 

“… O meio humilde em que vivi entre capoeiragens cotidianas no morro da Mangueira e os batucajés nostálgicos de Cascadura quando criança já me envolviam nesses ritmos …”. Eros Volúsia.

Ato 3: BRAZIL STOP DANCER.

Estudei e me formei na Escola de Bailado do Teatro Municipal no Rio de Janeiro, nada mais clássico, porém sentia que poderia e deveria voar mais alto e sonhar além dos belos tutus sempre presentes em minha vida. 

Foi em 1929 no teatro Apollo, “somente um deus grego mesmo para me batizar nos palcos, que eu apresentei“, a “Montaria ” de Jacinto Guerreiro, mas foi nas celebrações da” Festa da Primavera “, que consegui arrancar da plateia um sentimento inusitado, o silêncio. Longos segundos me corroeram de angústia, mas foram findados pelos aplausos do presidente Washington Luís levando todas as outras pessoas a fazerem o mesmo, afinal quem seria contra o bom gosto do Paulista de Macaé? Nesse momento virei símbolo patriótico. 

Quando Vargas entrou no poder, percebi a oportunidade de tentar fincar nos palcos a veia artística brasileira, pois a maravilhosa Darcy Vargas era uma grande incentivadora da cultura nacional e frequentou o sobrado de mamãe para participar dos saraus.

 Apresentei ” A morte do cisne” na “Exposição dos cincos” em um momento que o governo injetava nos cassinos e teatros cariocas dinheiro através de leis de incentivo à cultura. 

Em 1931 no teatro Cassino foi a vez de enaltecer o Nordeste com o espetáculo ” A voz do violão ” e ” Disco no sertão “, era maravilhoso mostrar as peculiaridades de um imenso Brasil. 

Daí em diante minha estreita relação com o governo me propiciou a participar, organizar e criar espetáculos de cunho extremamente nacionalistas como em 1938, quando no aniversário de 50 anos da abolição, pude me apresentar no Teatro Nacional. 

Evidentemente que nem tudo foram flores, tive críticas, duras críticas ao meu estilo de dança e bailarinas concorrentes, uma delas foi Madeleyne Rosay, com o lançamento de “Tico-tico no fubá” disputamos o cargo de “a mais brasileira das bailarinas”, mas óbvio que nem eu e ela fomos vitoriosas, visto que, as minhas famosas balançadas de mãos acabaram sendo imortalizadas por Carmem Miranda.

“Nessa amabilíssima pátria parece que tudo tende a acabar em samba ou maxixe! …e porque ellas fossem selvagens ou demasiadamente primitivas, estylisou-as, deu-lhes forma choreographicas, sem lhes tirar, contudo, o sabor original, exótico ou mesmo excêntrico. O seu maior merecimento foi crear com esses elementos esparsos e antagônicos um florilégio de dansas nacionais onde apenas existia uma preguiça langorosa e uma embriaguez de passos.”  Jornal O Correio da Manhã.

Ato 4: GRAND FINALE.

A primeira sul-americana a ser capa da revista “Life”, mas já havia sido capa de outras, inclusive da famosa ” Cruzeiro”, na qual me nomeou de “Salomé Contemporânea”.

 Entretanto, foi a “Life” que me abriu espaço para participar de filmes como “Rio Rita”. Rita era o nome da namorada de Zé carioca, papagaio criado por Walt Disney, ela teve seus traços inspirados em minha pessoa, portanto posso dizer que fui uma princesa da Disney.  Participei de outros filmes como “Samba da vida”,” Favela dos meus sonhos”, “Romance proibido ” e “Caminho do céu”.

Todo esse esforço ajudou em minha carreira internacional, por exemplo, certa vez fui convidada pelo Ministério de Relações Exteriores a ir às comemorações de aniversário do presidente dos EUA, Roosevelt, na Casa Branca como forma de aproximar os vínculos entre Brasil e EUA. Em Paris fui à Conferência de Dança dos ” Archives Internacionales de la Dance ” e aos festivais de “folk- dance”. 

Foi uma vida intensa, meteórica e feliz, de muito trabalho desde a época de professora no extinto “SNT- Serviço Nacional de Teatro “, passando pelas homenagens da ” Associação dos críticos teatrais “, onde ganhei uma medalha de honra ao mérito, até chegar no “Centro de Documentação e Pesquisa de Dança ” que leva meu nome no Departamento de Artes Cênicas da UNB. 

Lutei pelas danças desse Brasil mestiço e hoje fico maravilhada por ver não somente o clássico, mas também inúmeros ritmos musicais de diferentes vertentes se consolidaram como elementos nacionais.

“…graças ao patriotismo, danca brasileira, até então ignorada, até bem pouco considerada algo inferior, já conquistou o seu lugar nos palcos nacionais e internacionais… “ Oficio do (Mesp) Ministério da Educação e Saúde Pública.

Carta à bailarina morena.

(Texto adaptado do original de Salvyano Cavalcanti de Paiva)

Eros

Encontrei, finalmente, o poema em teu corpo

Acobreado

Lânguido

Selvagem

Eu vejo epopeias negras

Eu ouço Castro Alves

Tinir de ferros… Estalar de açoite

Eu sinto o nativo do Brasil,

O ameríndio

Nos rodopios luxúricos

No maracá

O teu corpo é o mar

Em que me afogo voluntariamente

Para depois me perder inteiramente

E buscar abrigo no porto vermelho dos teus lábios

Eros Volúsia

Grega de nome e de arte

Brasileira, americana

Indígena e africana

Grega, plena de poesia

É dona Lua, é a Estrela do mar

Sereia… Eros Volúsia… Mulher.

Autores do enredo: Alê MSF, Emanuel D’ Arays e Vinícius Lopes.

Texto e Pesquisa: Alê MSF e Emanuel D’ Arays.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 Modernidade e nacionalismo nas danças solo: o bailado de Eros Volúsia e a performance de Luís de Abreu.

 Noites na macumba: as religiões afro brasileiras e o bailado de Eros.

 Imagem, memoria e sensibilidade. O corpo brasileiro na dança de Eros e nos desenhos de Rugendas e Debret.

 Busca da identidade nacional: bailarinos dançam maracatus, samba, macumba e frevo nos palcos do RJ (1930-1945).

Volusia: eu e a dança.

Mulheres tecendo o tempo: experiência, experimentos femininos no medievo e na contemporaneidade.

Eros Volúsia: performance poéticas criativas e afirmação identitária.

 Poema dançado: Gilka Machado e Eros Volúsia.

 Cristais partidos, 1918.

A república no Brasil: trajetórias de vida entre a democracia e a ditadura.

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