Ponte Aérea trará encantarias dos Pankararu para o Carnaval Virtual 2023

Logo oficial do enredo

Pavilhão oficial da agremiação

Atual vice-campeã do Grupo Especial do Carnaval Virtual, o GRCESV Ponte Aérea apresentou o enredo que levará na busca pelo seu 4º título de campeã em 2023.

De autoria de Lucas Guerra e Murilo Polato, a escola de Xancerê/SC irá cantar os rituais do povo indígena Pankararu através do enredo “Encantarias de Um Povo Vermelho”.

Confira abaixo a sinopse do enredo divulgada pela agremiação:

“Encantarias de Um Povo Vermelho”

SINOPSE

Rancho: O flechar do curumim e o chamado de Pontiá

O canto do araçari percorre os raios do entardecer que iluminam as brincadeiras dos curumins na aldeia Pankararu, em Brejo dos Padres – Pernambuco. A noite vai e todos se recolhem, na soturna madrugada os encantos pairam sobre os sonhos do povo de pele vermelha. Na cabeça de um curumim a névoa dos espíritos toma conta de sua mente. Entre as brumas de medo e agonia, ele sente a ponta da flecha no peito e seu corpo é tomado pelo sono profundo. O dia raiou e o curumim no canto “amado” fez com que surgisse entre seus familiares a suspeita de que uma perigosa noite tenha ocorrido. Ele se levanta e cai, sem forças, ao chão. Chega pai, chega mãe. Chega mais velho, chega rezadeira. A mesa será aberta na força dos Encantados, da Jurema e da Santa Cruz. Vela acesa no poró, campiô ao céu. O chacoalhar do maracá chama o panteão Pankararu. A velha rezadeira sente a correnteza em seus pés, chega a certeza que a “doença” do curumim veio de cima. A encantada das águas visitou seu sono e o flechou. O bater das folhas, no cair da tarde, é interrompido pelo cantar de um velho praiá. Dentro do poró ele entoa junto ao maracá:

“Pontiê rêaa, pontiêi pontiou rêaná reiôvê
Pontiê rêaa, pontiêi pontiou rêaná reiôvê
Pontiê rêaa, pontiêi pontiou rêaná reiôvê”

Um forte vento sopra ao final do toante e a rezadeira entende a mensagem. É Pontiá, encantado da terra, que veio interceder pelo curumim. Ao “Rancho” ele deve ser prometido e ao Encantado entregue para que seja um novo praiá Pankararu de Pontiá.

Fumaça de campiô: A Santa Cruz, a Jurema e os Encantados

O encantado é quem pede, e um novo praiá nasceu. É hora de celebrar a cura do menino que passou pelo “rancho”. Ajucá na aldeia e rezas no poró. Enquanto as danças no terreiro levantam poeira, os chefes-praiás se reúnem para adentrar o mundo místico Pankararu e apresentar o curumim aos encantos espirituais. O campiô é preenchido com o fumo enrolado e seco, a fumaça se espalha e entranha nas palhas secas, chamando as energias dos seus ancestrais para que celebrem e tragam a sua força para a aldeia. Em nome de Deus, da Jurema e dos Encantados, o ajucá é servido nas cuias de cabaça. Sem rezas e somente ao som dos maracás, os chefes-praiás ingerem a bebida de folhas sagradas e chegam a dimensão dos espíritos. Das águas, da terra e das matas; a cruz sagrada carrega a devoção e a memória da chegada do estrangeiro aos antepassados. Seu símbolo foi transposto e levado ao brejo. Há de se louvar sua presença. Há de se ter penitência a Santa Cruz. É chegada a hora de unir a energia da aldeia com a força da Jurema, – crença em mistérios e segredos guardados em folhas – onde os encantamentos e os encantados lá estão. O transe desperta o imaginário do curumim e conecta os segredos do poró aos segredos do mundo de mistérios e magias Pankararu.

Maracá ecoa: Passos da noite no rastro do bicho e a queima sagrada

Ordenados por São Sé, o deus criador, os espíritos de Pindaé descem na noite em que o terreiro da aldeia é tomado pelo bater dos pés sob a luz do luar. A mata contorce e os gritos ecoam pela caatinga pernambucana, são os bichos da Mãe Terra que estão chegando para afastar os espíritos maléficos da aldeia. Os Pankararu se enfeitam com urucum e tauá, vão ao centro do terreiro com seu maracá. Começa o toante e a poeira do chão vai até as estrelas. Os espíritos de Pindaé são evocados pela imitação de seus sons emitidos pelo novo praiá de Pontiá. Chegam os pássaros, as serpentes e as carcaças. Os candangos, os morcegos e os tatus. A flauta seca avisa que o terreiro está pronto para a purificação. No primeiro raio de sol as mulheres da aldeia preparam os cestos com a planta sagrada para a dança no terreiro. As folhas de cansanção serão entregues aos guerreiros. Só há colheita se o corpo e o espírito se purificarem. Em uma dança de força, os Pankararus, em páreas, dançam e batem as folhas nas costas dos outros. A queima da pele é expurgação. A sensação rememora o fogo que limpa o espírito e purifica o lugar. Arde a pele ao tocar a folha. Arde a alma para se renovar. O último chacoalhar do maracá encerra o rito. A queima da cansanção está feita, os Pankararu, agora purificados, vão aos pés de imbú prontos para receber a nova colheita.

Imbú: Corrida, caça, cipó

O amadurecer do Imbú anuncia que a colheita chegou. É tempo da corrida do fruto na aldeia Pankararu. Os guerreiros se preparam para os rituais que a envolvem. Todo povo se move para a celebração. Começam a surgir as flechas para a disputa pelo fruto do imbuzeiro. A guerra de flechas, em busca da mira certeira, marca o início da corrida. Feito pássaros em caça, a cada lança que rasga o céu Pankararu, a esperança da fartura que virá no percorrer do ar. Em um pano encarnado, o fruto é envolto e purificado para ser apresentado até o mais velho da aldeia, que ensina ao curumim os preceitos que ordenam a preparação do segundo ato: a puxada do cipó. O terreiro se enche de olhares curiosos para observar. Um cipó feito de carnaúba é exposto ao chão. A puxada do cipó vai começar. Praiás e guerreiros se dividem em cada extremidade e disputam o fruto amarrado ao centro. A puxada do cipó trará a resposta do segredo encantado do imbú aos Pankararu se a próxima colheita será de fartura ou se um período difícil está por vir. Se calhar ao leste, junto ao nascer do Sol, a certeza de bonança na colheita ao povo de pele vermelha; caso a oeste, ao Sol poente, o prenúncio de maus tempos e pouca chuva na aldeia Pankararu. Após praiás e guerreiros se posicionarem, os gritos e os maracás anunciam o início da puxada. O imbú maduro é conquistado pelos guerreiros do leste, e o segredo encantado é revelado com o anúncio de uma colheita de fartura em Brejo dos Padres. O bater dos pés no terreiro inicia o encerramento da corrida do Imbú. O praiá de Pontiá adentra o terreiro de celebra o toré junto aos seus, dançando em honra e agradecimento à Mãe Pindaé. A colheita é celebrada com o cozimento do fruto e a distribuição do alimento aos praiás, guerreiros e curumins. A chegada da grande força está por vir.

Logo oficial do enredo

Resistência Pankararu: Ordenança de Mestre no terreiro

O último passo dos festejos da colheita é a chegada do líder espiritual Pankararu. As folhas sopram e trazem o respeitoso silêncio que toma conta da aldeia. O cortejo dos praiás até o poró seguem os passos um dos outros até o chacoalhar dos maracás anunciam que a força maior está presente. É o Mestre-Guia, o protetor e guardião da aldeia, que está no terreiro para celebrar a colheita junto ao seu povo. Ajucá e toré para o líder de todos os praiás, toantes e pés de dança em honra a energia que resguarda dos curumins aos mais velhos. A vinda do Mestre-Guia teve mais um motivo nesta ocasião. A ordenança de Pontiá veio a ser confirmada pelas mãos da força suprema. O curumim que passou pelo rancho recebeu a missão de preservar as memórias e rituais Pankararu, protegendo o solo em que seus ancestrais pisaram para que o futuro de seu povo exista. Um novo tempo há de começar. A consagração do guerreiro é feita na entrada do poró, toda aldeia entoa gritos de luta e vitória. Os Pankararu agora possuem um jovem lutador de sua terra, um líder guardião das suas memórias e de seus ancestrais. O curumim pedido por Pontiá é o protetor da sabedoria de seu povo, e a ela jura lealdade. Sua missão é propagar os conhecimentos sagrados de seu povo e os firmamentos de uma cultura resistente e encarnada. Ao som da flauta seca o Mestre-Guia aponta para o leste, cujo olhar de todo povo se focaliza. Surge um clarão entre as serras: a morada dos Encantados renasce na cachoeira de Itaparica, aos cuidados do herdeiro de Pontiá. Antes de partir, o Mestre-Guia pega a mão do curumim e deixa ao seu povo a mensagem de maior importância para os Pankararu: “Em comunhão pratiquemos o bem-viver ao povo. Àqueles que preservam e mantêm a energia dos encantados. Saudemos ao sol, à terra, ao alimento, à saúde e à vida. As energias que compõem nosso território, espírito e corpo. Que a força dos Encantados nos sustente daqui até a eternidade. Celebrem a conquista do curumim de Pontiá, vivam a sabedoria que emana do sagrado chão. Cada vez em que o maracá ecoar por essas terras lembrem que a passagem aqui é a vereda para o mundo maior. Que cada Pankararu mantenha acesa a chama da esperança dentro de si. Nossa pele é resistência, e vermelha, a nossa cor.”

GLOSSÁRIO

Praiá: Escolhido pelo Encantado para ser o seu representante na aldeia; aquele que usa a sagrada vestimenta de palha

Poró: A casa sagrada dos Pankararu; morada das vestimentas dos praiás; altar dos encantados

Encantado: Espírito dos ancestrais Pankararu; entidade protetora para o bem e para o mal

Campiô: Cachimbo reto feito de madeira utilizado pelos Pankararu nos rituais

Ajucá: Bebida sagrada feita de folhas; beberagem de transcendência e acesso ao mundo místico da Jurema

Maracá: Chocalho feito de cabaças

São Sé: Deus criador segundo a crença Pankararu

Pindaé: Terra

Imbú: Fruto da região; Umbú

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Caio Richard de Araújo Macedo. O corpo encantado na performance cerimonial Pankararu. Universidade de São Paulo: Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas: Dissertação de Mestrado. São Paulo, 2020.

ARRUTI, José Maurício Andion. O reencantamento do mundo: trama histórica e arranjos territoriais Pankararu. Rio de Janeiro, RJ, UFRJ, Museu Nacional, 1996.

ATHIAS, Renato; PANKARARU, Sarapó. As forças encantadas: dança, festa e ritual entre os Pankararu. GIS-Gesto, Imagem e Som-Revista de Antropologia, v. 2, n. 1, 2017.

BATALHA, Valmir dos Santos et al. Os rituais Pankararu: memória e resistência. 2017.

CARVALHO, Andressa Thaiany; MASSON, Maria Lúcia Vaz. O uso da voz nos rituais indígenas Pankararu. Distúrbios da Comunicação, v. 34, n. 1, 2022.

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GOLDSCHMIDT, Andreanome. Ritual Toré dos Pankararu em Juazeiro do Norte. In: GOLDSCHMIDT, Andrea. Ritual Toré dos Pankararu em Juazeiro do Norte. São Paulo – SP, 15 nov. 2017. Disponível em: https://www.festasbrasileiras.com.br/post/2017/12/13/ritual-pankararu-do-tor%C3%A9- em-juazeiro-donorte#:~:text=Assim%20como%20os%20demais%20romeiros,com%20eles%20durant e%20a%20festa. Acesso em: 30 mar. 2023.

LOVO, Arianne Rayis et al. Entre cruzes e flechadas: processos de adoecimento e cura a partir das rezadeiras pankararu. 2019.

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