Mercedes Baptista, a deusa negra da dança, é o enredo da Águia Real

Logo oficial da agremiação.

A bicampeã do Carnaval Virtual, a Sociedade Águia Real, apresentará em 2021 o enredo Deusa negra da dança em homenagem a Mercedes Baptista, a primeira bailarina negra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. O enredo é de autoria de Adalmir Menezes, presidente da agremiação, em conjunto com Fagner Pessôa, irmão do carnavalesco da agremiação, Fábio Pessôa. A tricolor da baixada fluminense disputará o título de campeã do Grupo Especial em 2021.

Confira abaixo a apresentação e a sinopse da agremiação:

Apresentação:

Abram-se às cortinas no palco iluminado onde a poesia dos corpos em movimentos expressivos baila com força e delicadeza nos passos e compassos. Deslizam em solo sagrado na força da ancestralidade e negritude de raiz, de valorização e talento explosivo de dom abençoado pelos deuses; estrela brilhante, iluminando os caminhos da trajetória memorável da grandiosa artista, mulher e negra na representatividade, resistência. Atitude e persistência do apogeu lúdico na imensidão do dom divino da majestosa em plenitude no talento de olhar certeiro da cultura de uma raça na perpetuação da alma que bota o negro como protagonista.

A “Deusa Águia Real” abre suas asas e se intercala com a “Deusa Negra Mulher” do ballet de pés descalços, e no reflexo da força, tem a delicadeza que plana nos palcos e o olhar da experiência vivida em movimento constante. A energia vibratória positiva desta entidade, mulher e guardiã de sabedoria infinita se veste em fantasia no teatro da ilusão carnavalesca para homenagear esta deusa incandescente chamada: “Mercedes Baptista”

Uma artista dona do seu tempo, pioneira e transgressora, a primeira bailarina negra a integrar o aclamado corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro inaugurando um novo capítulo da dança. Uma dança negra genuinamente brasileira, expressão esta que bebeu da formação clássica, nas preposições da dança moderna, no legado da teatralidade folclórica e na movimentação afro, no panteão divino dos orixás cultuados no Brasil, ancestralidade, a inspiração da negritude onde o dançar é se ligar a algo maior, é comunicar e viver na sua forma mais pura e atemporal.

Negra mulher, mulher negra, nossa escola te saúda com orgulho do que você representa, e traz para a passarela virtual o encanto divinal de seu centenário. A Sociedade Águia Real , honrosamente, apresenta:

“Deusa negra da dança”

Logo oficial completo da agremiação.

SINOPSE:

“Ao rufo do tambor, e dos zabumbas,
Ao som de mil aplausos retumbantes,
Entre os netos da Ginga, os meus parentes […]”
(Gama, 2000, p. 12)

Abertura – “A Mulher Guerreira com a Força da Negritude Ancestral”

Abram-se as cortinas, o espetáculo vai começar!

No palco da passarela da ilusão, a Águia Real faz seu voo majestoso que plana sobre o céu infinito nos ventos de transformação e plenitude, soberana com força e dom de beleza divinal. Desta fonte de energia que vibra em intensidade trazendo a ancestralidade do povo de pele preta, a poesia visual faz a junção poderosa com o samba para falar do que a mulher negra guerreira significa e a expressão do seu valioso talento pioneiro, que, é simbolicamente de vasto significado marcante.

A negritude e resistência de nossa eterna “Mercedes Baptista” com força e delicadeza da precisão de sua dança que desliza nos palcos em um movimento de leveza para “coroar” em representatividade a força de tantas guerreiras negras. Abrindo caminhos nesta passarela mística que é nosso palco sagrado, apresentamos com magia envolvente em forma de arte a história desta “deusa negra da dança”, neste ato de resistência, o negro e sua cultura são protagonistas. A energia pulsante dos tambores e tamborins embala o encontro perfeito de nossa escola com esta grandiosa e iluminada mulher, uma divindade da cultura e expressão de uma raça de extremo valor.

Ato 01 – “Meu Palco é o Ritmo do Tambor a Ecoar em Meu Corpo”

O som do tambor facilita a conexão de qualquer pessoa com o seu mundo interior e com todos os ritmos de seu corpo, produzindo um estado de relaxamento e ampliação de consciência, proporcionando assim, uma conexão e harmonização com a origem de tudo. As batidas do tambor são como as batidas do coração da mãe África que nos conecta com nossas raízes transformando a soberana águia em um ser ancestral no simbolismo de sintetizar a luta, força, alma e beleza que a mulher negra representa em harmonia e equilíbrio físico, mental e espiritual, um elo em comunhão e sintonia. A ancestralidade da negritude de origem penetra em poesia na alma e na mente, veias e coração, em um transe que embala e movimenta o corpo, a música e a dança, que sempre foram os principais geradores dessa comunicação com os deuses.

É a força que ecoa em ritmo vibrante no toque do tambor associado ao êxtase provocado pelo som ancestral. Os tambores são o início de tudo, sempre representam papel muito importante na cultura africana. Quando o som do tambor se junta ao ritmo de dança do corpo, simbolicamente se intensificam fazendo o espetáculo de comunicação expressiva da negritude africana acontecer. Existe um ditado que diz: “Quando os tambores são tocados, eles não mentem”. Através do tambor o corpo se move…

Ato 02 – “O Alvorecer de Um Cisne Negro nos Palcos do Municipal”

A política cultural de Gustavo Capanema em pleno Estado Novo de Getúlio Vargas era valorizar a arte brasileira, a dança ainda era um sonho distante, praticamente uma arte voltada para a elite e o país se transformava com a criação de órgãos públicos direcionados a priorizar o desenvolvimento da cultura nacional.

O serviço nacional do teatro surge para abrigar as artes cênicas e a escola de dança dirigida pela fantástica “Eros Volúsia”, estudiosa de nosso folclore e que criava coreografias inspiradas em nossas lendas, histórias e crenças, foi uma revolução do nosso ballet erudito brasileiro, pois, foi nesta escola de dança que Mercedes deu seus primeiros passos de ballet e descobriu o valor da nossa cultura popular. Mercedes entra em 1948 para o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sendo a primeira bailarina negra a ingressar no grupo, apesar do enorme talento, comprovados na boa avaliação que teve no concurso, era sufocada pela intolerância e  preconceito que oprimia o “cisne negro” de alçar grandes oportunidades. Mercedes quase não era escalada para participar dos elencos dos espetáculos, e ali ela se formou e percebeu que aquele espaço era pequeno para o tamanho de sua arte e competência, e então, abriu suas asas talentosas para brilhar em novos horizontes onde seria valorizada por seu talento, enaltecendo sua raça, brilhando pelos palcos da vida.

Ato 03 – “O Voo de Liberdade no Teatro Experimental do Corpo Negro”

O “cisne negro” pousa no aconchego do verdadeiro ninho de acolhimento, ao mesmo tempo em que fazia parte do elenco do ballet do municipal, Mercedes é uma das bailarinas do teatro experimental do negro de Abdias do nascimento, a primeira companhia a desenvolver a inclusão do artista afro descendente no panorama teatral brasileiro. Na companhia de Abdias, que foi uma das mais fortes lideranças pela luta da valorização da cultura negra, Mercedes pode lutar para fazer da cultura afro e do negro os verdadeiros e merecidos protagonistas da sua dança.

No teatro experimental do negro, Mercedes conhece Haroldo Costa, Ruth de Souza e Santa Rosa, ela se junta ao grupo pela luta do reconhecimento, valorização e inclusão de atores e dançarinos negros no teatro brasileiro, na liberdade expressiva do encontro com suas origens dando espaço para a criatividade da cultura africana ser enaltecida com qualidade para o tamanho de sua representatividade e ser pioneira na forma de mostrar sua arte em essência.

Ato 04 – “Daqui pra Lá e de Lá pra Cá, o Ballet dos Pés Descalços”

Tempos depois, Mercedes ganhou uma bolsa de estudos e vai estudar dança nos Estados Unidos com Katherine Dunham, ícone da dança negra Americana. Ficou por lá um ano, e quando volta ao Brasil, monta um grupo de dança voltado para a cultura Afro brasileira chamado de “Ballet Folclórico Mercedes Baptista” também conhecido como “Ballet dos Pés Descalços”.

A partir daí começa uma pesquisa sobre movimentos e gestos do candomblé para montar um conceito em seus espetáculos, os xirês promovidos no terreiro de Joãozinho da Goméa foram muito importantes para o início do trabalho de Mercedes. Foi com ele que ela passou a conhecer o ritual afro-brasileiro, e então, puderam estruturar o tecer dessa dança e coreografias que vão compreender as técnicas de seu corpo, da identidade nacional, origem ancestral e da negritude.

Essas passagens seriam: o Xirê dos Orixás, a dança africana como um convite e inspiração para o nascimento da “Deusa Mercedes” que criou um novo conceito para a dança brasileira, um novo olhar para o ballet clássico e popular, pioneira na genialidade de usar a dança como expressão da luta e força gestuais do panteão dos deuses que dançam e encantam.

Ato 05 – “A Academia Negra e os Deuses da Sua Arte-Folia”

Seu talento aterrissou na “Academia do Samba”, a “ópera popular a céu aberto” que é o desfile das escolas de samba, inovando, transformando e revolucionando a maneira de trazer coreografias, e mais uma vez, colocar o povo de pele preta e sua cultura em destaque. A deusa Mercedes se enlaça aos deuses da folia que são Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues na escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, na fase da agremiação que a negritude começava a ganhar protagonismo nos desfiles das escolas de samba.

Na formação do brilho e destaque que a valiosa história deste povo representa, enredos marcantes como “Zumbi dos Palmares”, “Chico Rei”, “Bahia de Todos os Deuses” e “Xica Da Silva”, glorificaram a grandiosidade do talento de Mercedes, a genialidade do dom divino que engrandece a maneira expressiva de montar coreografias que estremeceram a forma de apresentar as escolas, e assim, a negra mulher deixa marcado para a história suas ideias apoteóticas e únicas que só a mente brilhante dela era capaz de criar, uma artista muito além de seu tempo que no carnaval deixou seu nome, sua marca e personalidade estampando na constelação de estrelas que fazem desta arte do povo a essência cultural do país.

Dentre os diversos caminhos artísticos de Mercedes, é inesquecível a sua participação nos concursos de fantasias, luxo e originalidade no Theatro Municipal. Com seus pés descalços, a mulher de presença imponente, fazia suas coreografias no palco, entrava com ritmistas, seus atabaques e fazia um show, mesmo que suas fantasias não tivessem tanto brilho material, mas, eram repletas de raça, força e verdade da grandiosidade de seu dom e talento divinal e apoteótico.

O Carnaval foi um palco mágico, entre confetes e serpentinas, sambistas e fantasias. Por onde os caminhos da arte seguiam, Mercedes brilhava, fortalecida o seu legado derrubando convenções, e escrevia, uma nova maneira dos passos da dança fazerem do povo o seu par perfeito, neste encontro de “deuses-foliões”, seu nome ficou marcado e imortalizado.

Ato Final – “A Consagração da Deusa Negra da Dança”

Mercedes Baptista, depois de mexer com a estrutura do ballet clássico e derrubar convenções, se dedica ao ensino e foi ser professora de dança afro-brasileira na escola de dança Theatro Municipal do Rio de Janeiro, é também convidada por instituições americanas para dar cursos no “Connecticut College” no Harlen Dance Theather e no Clark Center NY, Mercedes é uma das figuras mais importantes da nossa cultura e usou seu talento para revelar uma dança única que até então era invisível e escondida pelo preconceito através da ginga que corre nas veias da negritude.

Neste momento de congraçamento entre o erudito e o popular, a Sociedade Águia Real, honrosamente faz do centenário desta mulher negra a consagração merecida ao seu corpo que descansou, mas, “libertou a alma para bailar com as estrelas”. Mercedes plantou sementes que floresceram e desabrocharam em várias áreas da arte, cultura e política, mulheres negras que perpetuam seu legado na luta de representatividade e valorização da pele tão escura como a cor da noite. Onde houver uma negra sendo protagonista em cima de um palco, seja atuando ou na dança, com toda certeza, ela se faz luz para iluminar a ribalta, pois todas são um pouco Mercedes, e Mercedes, é um pouco de todas elas.

Das flores recebidas em vida, em 2005 ocorre a exposição “Mercedes Baptista a criação da identidade negra da dança” em reconhecimento ao trabalho dedicado à cultura afro-brasileira, dois anos depois é lançado o livro “Mercedes Baptista: a criação da identidade negra da dança” publicado pela Fundação Cultural Palmares, em 2008 foi homenageada como enredo na escola de samba carioca Acadêmicos do Cubango e uma estátua também foi colocada no centro do Largo de São Francisco da Prainha, no bairro da Saúde, a poucos metros da Pedra do Sal e do Cais do Valongo.

Do alto de seu encantamento como divindade, lá na “pas de deux”, feito anjo negro, guarda a luta diária de cada expressão corporal que abraça o povo.

Em 2021, as sapatilhas com asas divinas tocarão o solo da passarela virtual para riscar em passos, compassos e poesias a sua arte divinal. E quando mais  uma vez as cortinas se prepararem para fechar, vai ecoar a aclamação:

Bravo! Bravíssimo!!
Oh! “Deusa Negra da Dança”!

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