“Macumba” é o enredo do GRESV Independentes, conheça a sinopse.

O GRESV Independentes trará para o Carnaval Virtual o enredo “Macumba”, de autoria de André Dubóis, Giovani Leal e Pablo Mendonça. A escola renovou com os profissionais que fizeram o Carnaval de 2017 e aproveitou a ocasião para divulgar seu novo pavilhão.
FICHA TÉCNICA:
Presidente : Giovani Leal
Vice Presidente: André Dubóis
Criação da escola: Equipe de criação- André Dubóis, Giovani Leal e Pablo Mendonça
Diretor de Carnaval: Pablo Mendonça
Intérprete: Marcelle Motta

 

ENREDO:

Macumba

Enredo de: André Dubóis, Giovani Leal e Pablo Mendonça

Introdução e Justificativa

As palavras têm mais significados que aparentam ter. Quase sempre achamos que seus significados e sentidos estão prontos. Podemos carregar as palavras de preconceitos. E esses preconceitos nos impossibilitam de ver os vários sentidos e significados que essas palavras carregam.

A palavra macumba causa calafrios nas pessoas. À ela são atribuídos valores muito negativos. Macumba é associada ao diabo, ao feitiço do mal, ao próprio mal. Quem faz seu uso, o faz buscando o mal do outro. Busca enfeitiçar o outro. Macumba está associada visualmente aos despachos e sacrifícios das encruzilhadas dessa terra.

A Independentes em 2019 busca resignificar essa palavra tão carregada de negatividade. Apresentamos um glossário das macumbas made in Brazil.

Por que preencher de sentidos negativos essa palavra? Porque vivemos num país colonizado pelo homem branco. E tudo que era e é diferente de sua maneira de conceber o mundo é visto como inferior, subalterno, mítico, diante da sua superioridade ou da sua religião, ou ainda da sua ciência! Todo produto cultural dos dominados foi diabolizado ou infantilizado, posicionado como inferior. Assim foi feito com as religiões e representações simbólicas dos negros, índios e imigrantes de várias partes do Brasil.

Nós viemos apresentar outros primas dessas narrativas massacradas pelos dominantes. Um Brasil rico, enmacumbado e na nossa narrativa, nossas macumbas são bacanas e a cara desse Brasil,com S. Brasil singular e que tem nas suas macumbas uma marca sua.

Apresentamos um enredo repleto de fé, esperança, axé, de religamento do mundo dos vivos com o mundo espiritual. Nosso enredo é sobretudo uma narrativa de cura! Curar os outros e a nós mesmos, possibilitando um encontro de tantas histórias dignas, justas e sadias.

Os negros fincaram no Brasil, mesmo impedidos e massacrados, suas crenças, seu modo de ver, agir e sentir no mundo. Refundaram no Brasil uma África de afetos ancestrais. Semearam nessas terras seus deuses, espíritos e orixás. Por aqui surgiram , resignificadas, religiões e cosmogonias oriundas de África. O contato com a nova terra provocou mudanças nessas visões de mundo, mas provocaram novas religiões e cosmogonias únicas. A exemplo disso temos o Candomblé e a Umbanda. O primeiro é trazido do continente mãe de forma estilhaçada, mas gerou no Brasil um lindo mosaico chamado Candomblé. A segunda é uma religião tipicamente brasileira, oriunda do Kardecismo, ou seja nascida nos centros. Os detratores sempre diabolizam essas religiões da diáspora negra, mas elas continuam firmes em suas caminhadas. Retrataremos aqui algumas narrativas míticas do Candomblé para exaltarmos essa religião nossa. Citamos duas figuras extremamente negativadas na nossa homenagem a umbanda:  seu Zé Pilintra e a Pomba Gira. Trabalharemos nuances complexas dessas duas importantíssimas entidades da religião da cura, a umbanda.

Do Pará, da Ilha do Marajó, a Independentes exalta os caruanas, seres míticos e energéticos das águas, que entram em contato com os vivos para aliviarem suas dores. O ritual da pajelança cabocla é trazido por nós, Independentes, solicitando aos encantados, boas energias para nossa entrada na passarela do carnaval virtual.

Da Ilha de Florianópolis, a Ilha da Magia, ou Ilha da Bruxaria, reverenciamos seres voadores! Seres que defendem à ilha da depredação ambiental e encantam os homens com seus poderes sobrenaturais. Essas mulheres aladas em vassouras lembram suas existências aos vivos, estabelecendo pactos de confiança mútua, para que a harmonia desse e de outros mundos não fique comprometida.

O Brasil foi visto pelo espiritismo como a pátria do futuro celestial. Chico Xavier falou esse futuro na Obra “Brasil coração do mundo, pátria do evangelho”. Nosso país seria o coração do mundo, sua parte sentimental, uma terra de acolhidas e não de afastamentos ou intolerância. De fato é muito interessante terem surgido nessas terras religiões tão diferentes e fecundas, mesmo com o poder oficial tentando dominá-las. Nós da Independentes acreditamos que o Brasil é essa Utopia tropical. Uma “utopia” repleta de tolerância, exemplo de amor ao próximo e congraçamento dos povos.

Pedimos licença aos espíritos encarregados de abrir nossos caminhos. Pedimos axé aos orixás. Um passe aos espíritos de luz que trabalham nos centros do Brasil. Solicitamos aos caruanas energia para nos alimentarmos na fé e cura para nossas dores viventes. É com muito respeito que a Independentes traz ao carnaval virtual suas macumbas. Uma enciclopédia cheia de cores, delícias, ginga, musicalidade, sentidos, semânticas, para que façamos da nossa passarela um  grande terreiro sambístico! Evoé!

 

M de Macumba:

As religiões africanas e autóctones do Brasil têm algo em comum: a comunicação entre os mundos dos vivos e o mundo espiritual(que pode ser dos mortos)se dá através da música e do canto. No dialeto quimbundo, “mukumbu” – uma das primeiras palavras que designam “macumba”- significa ‘som’. Esse som é emitido por um instrumento musical de mesmo nome. Ele é uma espécie de reco-reco acionado com duas varetas(uma fazendo o grave e a outra, o agudo). Nesse sentido quem produz o “mukumbu” é macumbeiro. Esse instrumento não aciona apenas os sons, ele produz ligações entre esse mundo aqui e o mundo espiritual. O som e a música têm importância vital para os rituais de possessão e de transmutação, comuns nas religiões africanas, afrobrasileiras e ameríndias. A própria palavra religião- macro tema do desfile da Independentes 2019- têm na sua semântica primitiva o significado de “ligar”, “unir”, religar o homem ao Sagrado/Deus.

Nas infinitas formas gramaticais do continente mãe- a África- ,a palavra ‘macumba’ ganha alguns outros significados. No Dicionário Etmológico da Língua Portuguesa o termo é referido como um rito, significando “cadeado” ou “fechadura”; atrelado as cerimônias secretas de fechamento dos corpos. Nei Lopes, no seu clássico “Dicionário banto do Brasil“, sugere-nos que o termo vem do dialeto quicongo ,kumba que vem de ‘feiticeiro’, utilizando-se o prefixo “ma”, forma o plural e temos: feiticeiros.

De instrumento musical à cerimônias religiosas, nessa guerra do tempo e dos agentes que querem capturar e atribuir significados a ‘ macumba’, temos uma certeza: é uma marca, um símbolo, uma apropriação “nossa”. A macumba e suas formas de conceber o mundo é brasileiríssima! Foi nessa terra, em quinhentos e tantos anos de encontros e desencontros que a palavra virou “coisa nossa”.

Para além da etimologia da palavra, “macumba” também é um conjunto de rituais religiosos resultado de conflituosos e intensos encontros em ‘terras brasilis’.   Por aqui fincaram suas crenças, danças e instrumentos musicais os bantos do centro d´Africa, os calundus, as pajelanças dos autóctones, encantarias, cabocladas, cultos aos orixás, cristianismos populares*, espiritismos, bruxas voadoras de indígenas da Ilha de magias, ou Ilha da Magia, fazendo do Brasil esse grande centro, esse imenso terreiro, donde as religiões falam de vida e exaltam a continuidade da mesma, negando à morte sua centralidade, como na religião oficial cristã.

Os praticantes das macumbas são chamados de macumbeiros,  mandigueiros, catingueiros, curimbeiro, bocas malditas, feiticeiro, adivinho, augure, bruxo, adivinhador, mágico, vidente, encantador, pajé, sedutor, poeta, quiromante, dentre outros.

Quem nos dá uma excelente definição de macumbeiro é Antonio Simas(2017):

Macumbeiro: definição de caráter brincante e político que subverte sentidos preconceituosos atribuídos de todos os lados ao termo repudiado e admite as impurezas, contradições e rasuras como fundantes de uma maneira encantada de encarar e ler o mundo no alargamento das gramáticas. O macumbeiro reconhece a plenitude da beleza, da sofisticação e da alteridade entre as gentes. A expressão ‘macumba’ vem muito provavelmente do quicongo kumba, ‘feiticeiro’. Kumba também designa os encantadores das palavras, poetas. Macumba seria, então, a terra dos poetas do feitiço; os encantadores de corpos e palavras que podem fustigar e atazanar a razão intransigente e propor maneiras plurais de reexistência e ‘descacetamento’ urgente pela radicalidade do encanto, em meio às doenças geradas pela retidão castradora do mundo como experiência singular de morte.

C de Candomblé

Religião derivada do animismo africano, chega ao Brasil trazida pelos negros escravizados. Há uma diferença da maneira como se organiza no Brasil para como se estrutura em África. Em África, cada etnia, cada tribo, cada grupo geográfico, cada nação cultuava um orixá. O orixá é um Deus e tem atributos da natureza e da região na qual é adorado. No Brasil, nas senzalas, os negros organizavam seus cultos a partir de uma figura importante: o zelador de santo. Ele é o responsável pela manutenção da fé e das tradições. Pela especificidade da vida em situação de escravidão, no Brasil, o candomblé se estrutura em forma de panteão- havendo uma hierarquia entre os relatos, mitos e os próprios orixás. Essa forma de panteão deve-se também a confluência para com o catolicismo através do sincretismo. Como a religião católica fora oficial no Brasil por quase 400 anos, os negros usavam os santos católicos como representações de seus orixás. A natureza tem, portanto, uma alma e essa alma é partilhada através das narrativas dos deuses, os orixás. Nas crenças anímicas não há separação entre os mundos espiritual e físico/ material, assim sendo os orixás interferem na vida dos homens e os homens, com oferendas, cantos e rituais na vida dos orixás. A Independentes usa uma narrativa mitológica na abertura de seu desfile: a história de Oxum salvando o Aiyê, o mundo dos homens.

“ Obatalá, o magnífico que possui o mundo e é o dono de seu controle”

Quando os orixás partiram para terra, receberam as seguintes instruções de Olodumaré, o Ser Supremo:

Quando vocês se fixarem na terra, nunca se esqueçam de seus deveres para com os seres humanos. Todas as vezes que eles estiverem suplicando por ajuda, observem com atenção o que estão pedindo. Vocês serão os protetores da raça humana. (48: 2014)

Obatalá modelou os homens através da mistura de barro e água das fontes. Obatalá trabalhou sem descanso, ficou esgotado, se embebedou com vinho de palma, o emu. Terminado seu trabalho, o Homem, Olodumaré foi chamado para dar-lhe vida. Através de suas narinas o Ser supremo introduziu-lhes o emií, transformando os seres de barro em serres de sangue, nervos e carne.

Oxum-abutre trouxe a chuva de volta

E com ela a fertilidade do solo e os alimentos

E graças a Oxum a humanidade não pereceu.

(Prandi, A mitologia dos Orixás, p. 343)

 

Uma das histórias mais bonitas que nos foram trazidas pela força das vozes dos negros aqui chegados d`África remete-nos a abdicação de Oxum de seus atributos mais conhecidos: a beleza, a vaidade e todas as efemeridades atreladas a Ela(Oxum).

Rezam as vozes que no início dos tempos do mundo, os orixás se rebelaram contra Olodumare-Senhor Supremo. Eles alegavam que o Olodumare vivia muito distante. Uma distância espiritual,afetiva e geográfica para com os próprios orixás e os homens. Decidiram não mais prestarem obediência ao Senhor Supremo e também destroná-lo, distribuindo entre eles o poder do axé. Olorum irado tomou medidas drásticas: retirou a chuva da terra e a prendeu no céu. O Ayiê foi tomado por uma terrível seca. Com a seca veio a fome e com a fome a morte. O ronco das barrigas e a palidez das faces começaram a falar mais alto que o orgulho dos rebeldes e seus planos de levante. Os orixás passaram dias em reuniões e resolveram, por unanimidade, ir a Olodumare implorar perdão para que a vida na Terra voltasse ao normal. Eles tinham, no entanto, um imenso problema: como chegar à inalcançável e distante morada do Senhor Supremo?Enviaram pássaros mensageiros, mas todos pereciam exaustos, sem sequer chegarem perto da casa de Olorun. A seca e a fome devastavam a Terra e seus habitantes. Foi quando Oxum resolveu intervir. A vaidosa  Oxum transformou-se num belíssimo pavão o que causou gargalhada no concílio de Orixas. Um tremor de gargalhadas sacudiu a Terra: “Vais acabar se machucando , gracinha!”. E lá se foi Oxum-pavão seguindo em direção ao Sol, voando as alturas do Orum em busca do Palácio do Senhor. Mesmo tão exausta Oxum estava determinada em sua missão. O sol foi enegrecendo suas lindas penas de pavão. As penas da cabeça ficaram ressequidas, o pavão tinha queimaduras em todo o corpo. Quase morta, Oxum,a ave em estado miserável, chegou à porta do palácio de Olodumare. O Senhor Supremo se compadeceu da pobre ave e a alimentou e deu água. Olorun perguntou a ave feia, sem nenhuma beleza, o porquê de tal jornada. A ave, agora transfigurada num feio abutre, explicou ao senhor o que estava ocorrendo no Aiê. Descreveu homens morrendo de inanição, a falta da água e o total caos da Terra.

Agora damos voz às próprias vozes de África:

Olodumare, penalizado com a pobre ave, deu-lhe a chuva

Para que ela devolvesse à Terra.

E nomeou o abutre mensageiro seu,

Pois só ele vence a inalcançável distância em que está Olodumare.

O abutre então voltou à Terra trazendo a chuva.

U de Umbanda

A palavra “umbanda” significa cura. No quimbundo, um dos significados da palavra é “medicina”. Nosso enredo presta homenagem a duas entidades da umbanda que normalmente são marginalizadas ou diabolizadas: seu Zé Pilintra e a Pombagira ( Gigana ). São duas figuras que causam medo, mas que são entidades ricas em nuances e marcadas pela proteção aos homens e por serem cicerones dos seres viventes. Estudiosos dizem que a umbanda surgiu do kardecismo. De preconceitos dos próprios kardecistas contra entidades de origem indígena , africanos e crianças. Os kardecistas classificavam esses espíritos como “pouco evoluídos” ou “atrasados”, daí a determinação de fundar uma religião em torno dessas entidades discriminadas. Os personagens/espíritos da Umbanda foram pessoas. Viveram uma encarnação no Brasil.

“ Zé Pilintra ou Seu Zé- viveu em Pernambuco, seu nome era José dos Anjos. Um negro forte, ágil e amoroso. Brigão! Manejava uma faca como ninguém! Desafiá-lo numa briga seria suicídio certo. Seus oponentes só o desafiavam em grupo, na covardia!A noite era sua vida! Manejava as cartas como poucos e conseguia os melhores números nos jogos de dados! Filho da sorte! Jogador honesto, detestava trapaceiros. Enganava enganadores e os chamava de otários! No jogo bebia cerveja, aguardente e outras bebidas! Sempre representou um perigo para as forças da ordem(policiais). Sua harmonia está na desordem. Protetor dos pobres e oprimidos! Desarmoniza o mundo dos brancos, da ordem, para promover a justiça! No catimbó do Recife seu Zé é chamado de mestre, “doutô”, termos que imprimem-lhe respeito! Na Jurema, a umbanda nordestina, seu Zé, usa bengala, que pode ser um cajado, fuma cachimbo e bebe cachaça. Dança côco, baião e xaxado, sempre acompanhado de lindas mulheres. Ajuda quem lhe roga! Ilumina as noites! É uma entidade de luz. Aparece em dois lugares: em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Preferem roupas de seda, pois ” a seda, a navalha não corta”. [imagem negativa, malandragem/vagabundagem- Era Vargas]. Jogam capoeira. Podem curar, desamarrar, proteger e abrir caminhos. Versão feminina: “Maria Navalha”. Dançam, bebem, sambam e fumam. Malandros não são exus. São espíritos em evolução (evolucionismo). Podem, nessa evolução, se transformar em exus. Normalmente suas imagens ficam nas entradas dos terreiros, pois toma conta das estradas e das portas. Adora encruzilhadas. Ele indica os caminhos. “

 

“ Pomba Gira ( Cigana ) – feminino visto como sensual na cultura ocidental( as bruxas)- ver a História do Medo no Ocidente. Espírito da luxúria que sempre foi vista como um aspecto negativo pelo cristianismo ocidental. Espírito que incorpora todos os prazeres deste mundo! Suas cores são o preto e o vermelho. Adora ser presenteada com champanhe, vinho, pinga, espelho, bijuterias e batons. Constrói um arquétipo forte e poderoso do universo feminino. Alguns especialistas dizem que essa força faz oposição a figura machista de Exu. A pomba gira é dona de seu corpo e de suas vontades. Insubmissa! “

E de Encantaria

Nas pajelanças da Ilha de Marajó, no Pará, o kumba é o(a) pajé. O (a) pajé é uma ave, transmuta-se num pássaro que ao tocar a terra e as águas e ao sobrevoar esses ambientes religa o mundo dos vivos com o mundo místico primordial. No ritual da pajelança ocorre o encontro entre o homem e as energias da natureza. O encontro se dá com a manifestação dos caruanas ou encantados, nossos companheiros do fundo do mar, na figura do(a) pajé. A pajelança é um culto à encantaria que herdamos dos índios.

Como em outras religiões “proibidas” retratadas aqui pela Independentes, o caruana, encantado, manifesta-se na pajelança, através de cânticos e pela dança- expressão corporal. Os caruanas descem no(a) pajé com vários objetivos: para dançar e cantar sua doutrina, beber algo; descem também para curar, dar conselhos e prever o futuro dos viventes.

Os caruanas são os senhores dos homens. Pra eles se existe tempo, esse tempo é o do eterno! Eles já foram humanos, foram encantados e tragados pelas águas quando vivos. Hoje são água. Água é o mundo! O mundo é água. Água é energia. No início somente existia água aqui(no mundo).

A pajelança se realiza em céu aberto e à beira d´água. Joga-se água salgada na cabeça do pajé e areia em seus pés. O pajé unta seu corpo com aguardente. Se purifica com o fogo. O pajé é amarrado com três cintas, o que lhe garante apoio e segura suas energias na terra. Ele assovia e esse som ensurdece Anhangá… De repente o mar se abre para o pajé e das profundezas das águas um enorme peixe todo prateado e com sete asas de espuma surge; os olhos do peixe são como o sol e ao tentar fixá-los o pajé perde a consciência. Seu ser adentra num redemoinho e o caruana age sobre ele.  Numa fogueira folhas de ervas aromáticas e resinas queimam. A fumaça é essencial para o ritual. O nevoeiro aromático propicia o equilíbrio do ambiente. O caruana já empossado no “pássaro”, fuma um cigarro de tabaco e de erva de tauari(planta amazônica). Aos caruanas são servidas duas bebidas: água do mar e folha verde(bebida feita com água potável e plantas maceradas). A partir daí os encantados se manifestam perante os presentes e vêem cumprir suas missões. 

B de Bruxaria

Ilha de Florianópolis, também conhecida como Ilha de Santa Catarina, Ilha da Bruxaria, e Ilha da Magia. Florianópolis é uma das três ilhas capitais do Brasil- ao lado de Vitória no Espírito Santo e São Luís no Maranhão. Uma ilha cheia de lendas bruxólicas, mistérios e assombrações. Foram os colonizadores açorianos que no longínquo século XVI trouxeram essas histórias típicas da Idade Média para o Brasil.

Dizia-se que quando uma pessoa estava doente se tratava de bruxaria, estava portanto “embruxada”, cheia de magia, “enmacumbada”. Era necessário, portanto, fazer oferendas a esses seres femininos voadores. Mas como vimos mais a frente, na parte dessa sinopse sobre preconceito, a palavra “embruxada” trata-se também de um preconceito. Em muitas das lendas bruxólicas de Florianópolis, as bruxas residentes da Ilha lutam a favor do equilíbrio natural de seu arquipélago e também a favor dos habitantes locais. Nesse sentido, o homem estrangeiro, viera para desarmonizar as relações entre o mundo físico e o mundo mítico da região. Oferendas às bruxas nem sempre são “bruxarias” ou “macumbas demoníacas”. E até mesmo demônios e bruxas são seres diferentes. Eles totalmente conjurados ao mal, elas combatentes deles e curandeiras e protetoras dos insulanos.

  A lenda da praia de Itaguaçu nos faz notar essas nuances. As bruxas da região queriam fazer uma maravilhosa festa, inspiradas nas festas da alta sociedade humana. O local para a festa era a praia de Itaguaçu, o mais idílico paraíso terrestre. Foram convidados para essa festa outros seres extraordinários: lobisomens, vampiros, mulas sem cabeça, curupiras, caiporas e boitatás. Numa assembléia as bruxas decidiram deixar o diabo de fora da festa. Motivo? O coiso ruim cheirava a enxofre e tinha atitudes não muito legais: exigia que as bruxas beijassem seu rabo , como forma de humilhá-las.

A festa acontecia em bacante ritual. Uma orgia que tinha como intuito de fundir os mundos físico e mágico e reprodução da vida! As bruxas dançavam, riam, voavam em suas vassouras, projetando no céu lúdicas acrobacias… De repente, a ira do diabo marginalizado se manifestou! Entre raios, trovões e um apocalíptico temporal, o coiso interrompe a orgia e como castigo transforma todas as bruxas em pedras grandes. Itaguaçu significa literalmente: pedra grande. Na praia das pedras grandes até hoje estão lá nossas bruxas congeladas, inertes e belas, flutuando sobre o mar verde e azul da região. As formações desafiam geólogos e geógrafos, assim como as pedras de Stonehenge, no Reino Unido.

Num cenário de intensa magia, os habitantes de Florianópolis até hoje fazem oferendas às bruxas. Dizem que para que elas ajam no sentido de nos ajudar, é importante alimentá-las.

K de Kardecismo

 Seus praticantes não se definem como membros de uma religião e sim de uma doutrina. Essa doutrina tem como temática central a reencarnação. A doutrina compreende, seguindo uma lógica cristã, que vida e morte são um movimento cíclico no qual espíritos retornam à existência material, após a morte do antigo corpo. Os espíritos, de acordo com sua conduta durante a vida encarnada, podem evoluir ou regredir, segundo uma escola evolutiva.

A doutrina foi fundada por Allan Kardec na França, no século XIX. Hoje o Brasil é o país que tem o maior número de adeptos.  Chico Xavier foi um dos maiores representantes da religião. O livro ,”Brasil coração do mundo: pátria do evangelho”(1938), psicografado por Chico e assinado pelo espírito de Humberto de Campos, narra os principais fatos de nossa história, e revela uma “missão coletiva” para o país: evangelizar o mundo. O Brasil é o coração espiritual da humanidade e deve irradiar à mesma sentimentos de paz e fraternidade. Nosso país é um grande celeiro de diversidade religiosa e congraça diferentes crenças, num abraço de exemplo ao planeta Terra.

P de Preconceito

O cristianismo de “ordem oficial”, historicamente desqualifica como sobrenatural, menor, crendice, misticismo e finalmente “macumba”, tudo que foge a sua tutela/controle. As crenças, artes, o imaginário, rituais, mitos e religiões dos povos subjugados são classificados como coisas do “mal”, coisas do “diabo”(a grande representação do mal cristã).O catolicismo foi religião oficial do Brasil por quase quatro séculos. A religião oficializada agia de forma a dominar os povos vistos como inferiores. As crenças dos subjugados eram tidas como não credíveis.

Na cosmogonia de nossas macumbas – dos autóctones ameríndios, dos negros africanos ou dos imigrantes açorianos- a morte não é vista como oposição da vida. Morte e vida são parte da mesma espiritualidade, da mesma dimensão. Os povos que enraizaram nessas terras suas “macumbas” respeitam a noção de “ancestralidade”, e essa só morre quando há esquecimento. Para esses povos a questão da memória e práticas de seus rituais é fundamental. Morte e vida estão no mesmo mote da concepção de “supravivência”, por isso mesmo nessas religiões nós, os viventes, estamos em constantes contatos com espíritos que viveram em outras épocas, com seres sobranaturais, com energias cósmicas, com entidades superiores da criação(como os orixás, por exemplo). O que todas essas crenças têm em comum? Todas projetam harmonias entre o mundo dos vivos e dos não vivos ou sobrenaturais. Em todas elas há a crença na cura, na troca entre vivos e forças não vivas, a crença num equilíbrio entre essas dimensões que favorecem o mundo material.

A Independentes tem o intuito de nesse carnaval desmascarar/desmantelar os preconceitos sobre esses outros tipos de crenças. Acreditamos que essas crenças são saberes nossos(brasileiros), e como saberes nossos precisam voltar a nos encantar e ciceronear a difícil vida, num país que hierarquiza tudo- como melhor ou pior-, até a fé. Nosso enredo concebe um Brasil como um imenso e florescente terreiro, uma terra de macumbas. Macumbas com “s”, indicando o plural e multifacetado país onde belas cosmogonias resistiram nas memórias e práticas de gentes de peles, culturas e crenças tão diferentes, mas tão complementares. Nosso Brasil é terreiro, é macumba, é a mesa de um centro espírita, é pajelança, é o vodu maranhense, os rituais bruxólicos de Santa Catarina. É isso tudo e só se nega a ser tudo que cheira ao enxofre do preconceito! Sigamos!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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BENISTE, José. Mitos Yorubás. O outro lado do conhecimento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.

BENISTE, José. Aiyé: o encontro dos dois mundos: o sistema de relacionamento nagô-yorubá entre o céu e a Terra. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2014.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDFBA, 2008.

LIMA, Vivaldo da Costa. A família de Santo. Nos candomblés jejes-nagôs da Bahia. Salvador: Corrupto, 2003.

LIMA, Zeneida. O mundo místico dos caruanas e a revolta de sua ave. Belém: CEJUP, 1993.

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MEDEIROS,José. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2009.

MENEZES, Renata; TEIXEIRA, Faustino. Religiões em movimento. O censo de 2010. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

ROSENFELD, Anatol. Negro, macumba e futebol. São Paulo: Perspectiva, 2013.

SIMAS, Luiz Antonio. A ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula, 2018.

INFORMAÇÕES CONCURSO DE SAMBA

O concurso de sambas da Independentes já se encerrou as inscrições, em breve será anunciado na página da escola : https://www.facebook.com/GRESVIndependentes/

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