Folguedo Caipira apresenta enredo para o Carnaval Virtual 2022

Logo oficial do enredo

Buscando o título de campeã do Grupo de Acesso I do Carnaval Virtual, a SCESV Folguedo Caipira divulgou o enredo que levará para a passarela virtual em 2022.

Pavilhão oficial da agremiação.

A laranja e amarelo de Jaboticabal/SP irá apresentar o enredo “O Som da Libertação”, de autoria de sua carnavalesca Alê MSF e do presidente Vinícius Lopes.

Confira abaixo a justificativa e a sinopse do enredo:

O SOM DA LIBERTAÇÃO

JUSTIFICATIVA DO ENREDO:

Saravá filhos de fé!                 

 A Sociedade Cultural Escola de Samba Virtual Folguedo Caipira apresenta para o Carnaval de 2022 o enredo:  “O SOM DA LIBERTAÇÃO “. O nosso pavilhão quer manter o ideal de valorizar a cultura nacional, e para conseguir tal objetivo, o touro negro irá abrir os portões das senzalas e edificar ocas para transformar a avenida em um imenso terreiro de umbanda.

A partir dos ritmos musicais que usam como base o atabaque, mostraremos a chegada, nascimento e a consolidação da umbanda em solo tupinambá.

Como essa linha divisória das religiões é tênue usaremos o atabaque e os demais instrumentos de percussão como condutores dessa história de luta e superação, a fim de promover o respeito entre as crenças e revelar um Brasil plural e miscigenado.

É com muita alegria e humildade que convidamos a todos para essa sessão de fé, resistência, cultura e história.

Para escutar esse som sagrado que vem da curimba:

PONTO DE DEFUMAÇÃO.

Com licença pai ogum
Filho quer se defumar
A umbanda tem fundamento
É preciso preparar
Com incenso e bejoin
Alecrim e alfazema
Defuma filhos de fé
Com as folhas da jurema…” 

SINOPSE:

HINO OFICIAL DA UMBANDA.

LETRA/MÚSICA: J.M. ALVES.

Refletiu a Luz Divina
Com todo seu esplendor
É do reino de Oxalá
Onde há paz e amor
Luz que refletiu na terra
Luz que refletiu no mar
Luz que veio de Aruanda
Para todo iluminar
A Umbanda é paz e amor
É um mundo cheio de luz
É a força que nos dá vida
E a grandeza nos conduz
Avante filhos de fé
Como a nossa lei não há
Levando ao mundo inteiro
A bandeira de Oxalá! 

ATO 1: ADOREI AS ALMAS.

Meu nome é Luzia Pinta, escrava retirada das entranhas de minha terra natal, Angola. Trazida ainda criança assim como muitos em navios, fui batizada em terras baianas por onde vivi até meus vinte anos. Nesse período vi crescer os verdejantes canaviais que eram verdadeiros cemitérios para minha gente, assim sendo, posso dizer que da morte de meus irmãos de cor nascia o progresso do império colonial.                                      

Aos trinta anos com sacrifício e suor consegui minha alforria na cidade mineira de Sabará em plena época das minerações dos brilhantes diamantes e do cobiçado ouro.

Iniciei meu” calundu “, isto é, uma espécie de cerimônia aberta aos negros, indígenas, brancos e a quem mais se interessar e envolta à mágica sonoridade dos atabaques criados a partir das memórias de antigos Griôs das senzalas. Tocávamos e dançávamos para purificar, curar, adivinhar e orientar os participantes em relação aos transes de nossos ancestrais.                                  

Mas sofri por sonhar com um mundo justo para meus conterrâneos. Caí em desgraça ao ser presa, torturada e morta pela inquisição da Santa Igreja em Lisboa.                      

Outros morreram antes de mim e posteriormente também, ao som dos lamentos nos tumbeiros, nas mais vastas plantações, todavia tantos corpos e almas resistiram para formar os quilombos de onde nossa cultura e fé jamais padeciam.                                      

As cantigas, orações e ladainhas foram as responsáveis pela aproximação da nossa origem e do cheiro do couro de animais saiam o toque de nossa liberdade mesmo que somente espiritual. “… os escravos eram proibidos de praticar sua cultura, qualquer tipo de luta ou dança; a capoeira, uma forma de luta de resistência do negro passou a ser mascarada pela dança, principalmente no quilombo e nas senzalas e se transformou em um importante instrumento de resistência dos escravos brasileiros…”(Scheifer-2012 -página 123)

PONTO DE PRETO VELHO.

“Bahia oh África vem cá vem nos ajudar.
Bahia oh África vem cá vem nos ajudar
Força baiana, força africana vem cá nos ajudar …”  

ATO 2:  OKÊ CABOCLO

No ano de 1981 nascia meu aparelho Zelio Fernandino de Moraes. Com a suspeita de distúrbios mentais ou possessões aos dezessete anos prestes a ingressar nas forças armadas, meu cavalo foi levado a federação espírita de Niterói onde se usava a doutrina de Kardec para propalar o espiritismo.                               

Mas como um lugar considerado para elevar a alma não permitiu que espíritos de luz tenham voz? Foi o que aconteceu comigo! Em gerações anteriores fui padre jesuíta e vi de perto o terror da invasão ao solo brasileiro e retornei como filho deste solo agora personificado na figura do caboclo sete encruzilhadas.                        

No dia 15 de novembro fui expulso por ser considerado um espírito atrasado, então no dia posterior ja onde seria a futura tenda espírita Nossa Senhora da Piedade, proclamei através de brados indígenas que ali todo caboclo, preto velho, boiadeiro e exus pudessem ter voz para falar sob o olhar da caridade eterna.                                        

Mas a inquisição agora tinha outro nome é ela se chamava ” preconceito religioso “. A igreja católica, evangélica e assim como os kardecistas tentavam deslegitimar algo que era único, a nossa “umbanda”, um rito totalmente brasileiro e metafísico que quase por osmose absorvia outras doutrinas espirituais tais como: o candomblé de Angola, quimbandas, xamanismos, ciganos e entre outros.                               

Porém os jornais como o “Estado de São Paulo ” e o movimento político a nível federal de 1950 a 1964, eram implacáveis em demonizar nosso movimento e tentaram branquear nossa ancestralidade.

Apesar dos tempos sombrios da ditadura civil-militar, começou uma expansão umbandista, tanto é, que 94% dos terreiros de umbanda foram registrados em cartórios. A partir do fim da década de 60 e durante a década de 70, com a colaboração de políticos e intelectuais, passaram a ser incluídas nos calendários nacionais e regionais, festas como o cortejo á Iemanjá, legitimando a crença como brasileira.

“Há uns quarenta anos mais ou menos aproveitando a enorme aceitação dos fenômenos espirituais por parte dos brasileiros, entidades que presidiram o destino espiritual da raça resolveram levar avante a árdua tarefa de lhes dar uma religião que fosse genuinamente brasileira. Porque, filho de três raças – a branca, a negra e a Índia não era justo que coubesse ao brasileiro como importada, fosse ela qual fosse, e que não revivesse os anseios das três raças a que pertence. A religião que lhes estava destinada deveria ser uma religião eclética…” (Azevedo,1960 página 63).

PONTO DE CABOCLO.

” Ó juremê, Ó jurema
Sua folha caiu serena Ó jurema dentro desse gongá
Sua folha caiu serena Ó jurema dentro desse gongá
Para chamar todos os caboclos Ó jurema para sarava “ 

ATO 3 – TOCADORES DE FÉ

Wuidá era um dos maiores portos de embarque de escravos no continente africano. Aos menos afortunados só restavam dar voltas em torno da “ÁRVORE DO ESQUECIMENTO” para que quando chegasse ao novo mundo não tivessem as lembranças de seu passado.

Porém o som transcende a barreira do sofrimento e junto dele as recordações de uma vida de liberdade. Nenhum atabaque havia chegado ao Brasil, pelo menos não de forma concreta, ele veio em meio às lembranças persistentes do terror da escravidão.

Logo oficial do enredo

Orquestra percussiva a favor da religião, assim era denominado o grupo de pessoas que tocavam para suas divindades oriundas de vários lugares do território africano. A sinfonia de xerê, arô, adja, agogô e cadocorô estava pronta para resistir em nome de uma nação e no Brasil serviu para recordar, celebrar e expandir o domínio cultural afro.

A maior função do Alagbe, é tocar para entoar forças divinas que não somente aparecem a fim de incorporar, mas também fazem pensar, crescer, lutar e sobreviver conforme a ancestralidade.

Da formação musical dentro de um terreiro saíram músicos que disseminaram de forma sublime as raízes de uma ideologia. Nos anos 40 e 50 do século passado, ogãs e alagbes, formaram grupos denominados “jazzes”, parecidos com os grupos musicais desse ritmo que conhecemos atualmente.

Mesmo sendo forçados a incorporar melodias europeias, os tocadores nunca se afastaram de suas origens. Muitos desses músicos trabalhavam em barbearias nos meados de 1840, porém no século seguinte com a vinda da abolição, com a suposta formação de um estado laico e fortalecidos com os inúmeros congressos de música afro-brasileira organizados por Mãe menininha do Gantois, os sagrados músicos ajudaram a potencializar a importância da música negra, resultando no surgimento de grupos de afoxé como “korin nago”, a participação dos atabaqueiros no cinema, por exemplo no filme “Barravento ” de Glauber Rocha em 1962 e no campo da dança com o corpo de balé “Viva Bahia”, que apoiado pelo Ministério de Relações Internacionais levou a capoeira para o mundo.

Desta forma, não só com a ajuda de incentivadores como Emília Biancardi e Djalma Correia e entre outros, a cultura musical afro-brasileira perdeu o estigma de marginalizada.

“…na rua das grades de ferro nos entornos do mercado Santa Barbara…abrigava uma oficina de barbearia e também sediava uma banda de música em que os escravos tocavam desde pelo menos 1782, a banda tocava em festas populares católicas…com a morte de Manoel José em 1856 a banda passou a ser de seu filho …” (Castillo ,2017 páginas 21.

PONTO DE SAUDAÇÃO AOS OGÃS.

“Oh! Meu Ogã, de Lei – bis
A estrela que brilha lá no céu, senhor Ogã
É de Jesus de Nazaré
A estrela que brilha lá no céu, senhor Ogã
É de Jesus de Nazaré”.

Ogã-nilu!

ATO 4 – A MAGIA DO SOM

“A música brasileira é uma flor de três raças tristes”, como dizia o poeta Olavo Billac.

O branco europeu trouxe consigo o lirismo através dos ritmos clássicos e melodias sacras. Do negro escravizado veio os inúmeros instrumentos de percussão, o modo lascivo de dançar e as cores e bailados viscerais. O indígena trouxe a inspiração sonora dos maracás que fascinam até hoje o imaginário popular.

Essa miscelânea de melodias se espalhou pelo território nacional, o que resultou em cada parte do Brasil uma peculiaridade musical materializada em folias, folguedos, rodas de samba e danças.

 A sonoridade afro-brasileira nos envolve em seus toques e nos conduz por um breve e inesquecível momento, esquecer das dificuldades da vida e realiza a nossa conexão com o sagrado mesmo que de forma profana.

Essa é a verdadeira magia que os sons podem proporcionar, a liberdade de sempre para podermos sonhar!

Atabaque: substantivo masculino. Família dos tambores oblongos com pele retesada numa das extremidades. Uso no Brasil em festividades religiosas. Etnográficas; curimbó, tambaque, tambaque. Dicionário Aurélio.

O CANTO DAS TRÊS RAÇAS.

CLARA NUNES.

Ninguém ouviu
Um soluçar de dor
No canto do Brasil
Um lamento triste
Sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi para o cativeiro
E de lá cantou

Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
Onde se refugiou
Fora à luta dos Inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou
E de guerra em paz
De paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor

Ô, ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô, ô, ô, ô

E ecoa noite e dia
É ensurdecedor
Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador
Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas
Como um soluçar de dor

BIBLIOGRAFIA:

ABC dos Ogãs. Autor: Severino Sena.

Aruanda. Autor: Mário Barcelos

A umbanda como projeto de nomeação da realidade brasileira.

Do negro ao branco: breve história do nascimento da umbanda.

Enciclopédia Delta Larousse.

Entre linhas e falanges: a diversidade da umbanda na contemporaneidade.

Escravidão no período colonial: a vida dos negros nos engenhos de açúcar.

O alagbe: entre o mundo e o terreiro.

Umbanda uma religião que não nasceu: breves considerações sobre uma tendência dominante na interpretação do universo umbandista.

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