Em busca do título do Grupo Especial, Primeira Estação do Samba levará à passarela virtual enredo afro

Logo oficial da agremiação.

A verde e rosa do carnaval virtual, a Primeira Estação do Samba, levará à passarela virtual um enredo afro-brasileiro. A agremiação entra na disputa pelo título inédito de campeã do Grupo Especial do Carnaval Virtual. O enredo é intitulado Agô Iê! Do Odú, a lição, e tem como autores Lucas Guerra e Thiago de Xangô.

Confira a sinopse:

Agô Iê!

Eu vejo rios secando e peixes morrendo, pela tv as notícias de desmatamento e destruição surgem a todo instante. É fogo no mato, é queimada na floresta, é bicho sem casa. É guerra entre nações, genocídio, invasão, exploração. Da janela de casa vejo o homem matando o seu chão, lixo, fumaça e poluição. Até onde isso irá chegar? Até quando o desrespeito à vida irá continuar? Esses não são os ensinamentos deixados pelos nossos ancestrais, algo está errado. Será que ainda temos tempo de (re)aprender? 

Logo oficial da agremiação.

As lágrimas descem diante do caos e da destruição, lanço os búzios ao senhor do destino em busca de uma resposta e a gargalhada anuncia a chegada daquele que traduz as palavras de Ifá. Laroyê, mensageiro! Me ajude a entender e a resposta encontrar, o que fizemos de errado? Exú diz que nada é por acaso, e o acaso sempre casa com o passado: “Hoje vocês colhem o que plantaram, demos tudo para que vocês pudessem evoluir e cuidar da Terra, cuidar do outro. O homem foi consumido pela soberba, derruba o toco, mata o bicho, mata o próximo, seca a água, queima o chão. A ganância falou mais alto, não olharam para o lado, não pensaram no futuro. Acabaram com tudo aquilo que deixamos; os alertas foram dados e ignorados, meus irmãos estão se defendendo disso, mas vou te contar uma coisa, como és um Babalorixá entenderá o recado”. 

No eterno aprendizado Exú começa a falar e ordena que eu preste a atenção: “Você vai aprender uma lição, guarde as palavras e apenas ouça. Quando no Orun nada existia, o supremo Olorum criou o universo e tudo que aqui está. O sol que aquece a terra, a lua que banha os corpos, as estrelas que guiam e contam as histórias do tempo. Do seu sopro fez habitar sua criação mais bonita sabendo que o homem acabaria com ela pois são falhos e imperfeitos. Olorum então criou o senhor do destino, aquele que sempre está presente, sábio conhecedor da vida e da morte, para que quando o homem não encontrar saída, ele mostrar o caminho certo. Para a missão de guiar o homem, criou 16 príncipes e os nomeou de Odús, para lhe auxiliar na condução da jornada. Aos Odús foi dada a missão de sair pelo universo aprendendo de tudo um pouco e estes, deveriam espalhar essas informações por todos os cantos, fazendo com que os mesmos se tornassem atentos e vigilantes a tudo. Os príncipes se tornaram 16 divindades na ajuda ao grande senhor do destino. Essas divindades sabem responder suas perguntas, elas te conhecem mais do que você mesmo, e é através do tabuleiro que você derramou suas lágrimas que elas falam.” 

Perguntei a Exú o que a história por ele contada tinha de relação com a minha indagação sobre os erros do homem e então o mensageiro ri e aponta para o tabuleiro a minha frente com os búzios caídos: “Ainda não acabei a lição, tenha calma. Olhe a posição dos búzios, és babalorixá e sabe que Odús regem os Orixás. Xangô está falando nos búzios, e será através do senhor da justiça que o príncipe da riqueza e prosperidade, Obará, lhe ensinará a lição dessa história.” Exú então seguiu a contar que Odú Obará era um dos 16 príncipes criados pelo senhor do destino e era o mais simples e humilde de todos, diferente de seus irmãos, que esbanjavam riquezas e fortunas em seus castelos. Obará vivia em uma cabana de palha em meio a floresta e junto com sua esposa levavam a vida dia após dia, sempre com a missão de ajudar a guiar os homens. Todos os anos um grande babalaô chamava os 16 Odús para um jantar onde ouviam dele conselhos, orientações sobre as missões e recebiam valiosos agrados. Certa vez, ao receberem o convite para o jantar, os Odús decidiram não avisar Obará sobre o convite e partiram sem sua presença para a casa do sacerdote. As 15 divindades tinham vergonha de seu irmão e ao chegarem na casa do babalaô ele percebeu que algo estava diferente, faltava algo. A noite seguiu, mas o babalaô percebeu o que os Odús tinham feito e, pela primeira vez, não respondeu ou os aconselhou sobre as missões, só queria terminar logo o jantar para que pudesse dar uma lição aos Odús que lá estavam. Ao se despedir, no lugar de algo valioso, o babalaô distribuiu aos 15 príncipes abóboras como lembrança da noite o que os deixou revoltados com o presente, mas foram embora sem demonstrar ao babalaô seu descontentamento com os irrelevantes agrados. O caminho de volta era longe e a noite já estava a findar, então, decidiram pedir abrigo na cabana de seu irmão Obará; o Odú ficou muito feliz em ver seus irmãos em sua casa que, apesar de muito humilde, era tudo o que ele poderia oferecer de bom coração aos seus irmãos. Obará pediu que sua esposa preparasse um jantar para todos que ali estavam, era um dia de muita alegria para ele, que foi alertado pela companheira que ao preparar o jantar para seus irmãos iria faltar sustento aos dois no próximo dia. Obará pediu novamente que ela preparasse a comida e falou que o amanhã seria outro dia, ele levaria comida para a mesa como sempre fez mesmo nas dificuldades, e assim sua esposa fez o jantar e todos aproveitaram a bela comida ofertada por eles. Juntamente com a luz do dia e depois de alimentados e descansados, os Odús seguiram a jornada de volta aos seus castelos, deixando como lembrança à Obará as abóboras que o babalaô os ofertou como agrado pela visita. Orgulhoso e contente da noite com os irmãos, Obará seguiu sua rotina com a esposa, na hora do almoço perguntou o que teria de comer e, ao que sua esposa lhe responde que apenas as abóboras os tinham restado, Obará não teve dúvidas: “Se é o que temos, é o que iremos comer”.

Ao cortá-las, o Odú e sua amada tiveram uma grande surpresa que mudaria suas vidas. Dentro de todas as abóboras, ofertadas pelo babalaô aos seus irmãos, havia pulseiras, brincos, anéis e muitas joias, moedas de ouro e pedras preciosas. Riqueza dentro daquilo que os outros Odús desprezaram. Obará, aquele que era o mais simples, o homem que vivia de maneira humilde e singela com sua esposa, se tornou o mais próspero de todos os Odús. Seus irmãos também poderiam prosperar, mas deixaram-se levar pela ganância e cobiça que os consumiam; a vergonha que tinham de seu irmão e a soberba por se acharem superiores ao presente ofertado, foi exposta com o feito do babalaô. Obará era sim aquele de casa, roupas e costumes mais simples, vivia isolado na mata com sua esposa, mas esbanjava aquilo que seus irmãos não tinham. A humildade do Odú o fez conquistar a prosperidade ofertada pelo babalaô, a lição passada as outras divindades, e a todos da região, era simples e objetiva: a humildade. Por saber ouvir o que os outros tinham a dizer, por ajudar sempre que batiam em sua porta, mesmo que essa ajuda fosse lhe faltar o que tinha, Obará sempre seguiu seus passos tolerando e respeitando a vida, o homem e a natureza. Transformou-se no Odú das riquezas e prosperidade, conquistou ainda mais o respeito da região e jamais mudou a sua essência de viver.

Obará e sua lição me fizeram perceber o quanto o homem errou. Ao tentar falar, Exú não me permite e continua a ensinar: “A lição do Odú você já entendeu, Xangô lhe mostrou e agora eu vou lhe falar mais uma. Olorum deixou para o homem algo mais valioso que a riqueza de Obará, ele presenteou esse planeta com os Orixás, regentes de todas as forças da natureza. Cada um deles deu aos homens o que tinha de melhor, e a humanidade desperdiçou. Oxalá deu a vida e vocês insistem em matar uns aos outros, Nanã moldou seus corpos com o barro sagrado e hoje sujam o solo da velha anciã, eu dei a vocês a força, a astucia e ainda assim se deixam levar por essa cobiça desenfreada. Xangô ensinou que a igualde anda lado a lado com a justiça, e vocês fazem desse lugar cada vez mais injusto. Poluíram as águas de Oxum e Iemanjá, estão derrubando e queimando as matas de Oxóssi, as folhas de Ossain viraram pó; da forja de Ogum fizeram armas, não para se defender, e sim para destruir, matar e acabar com tudo que existe. Iansã fez de sua saia o vento para que vocês pudessem sentir o ar e agora ele está cada vez mais intragável. Não tem mais bicho, não tem mais alimento, não tem mais respeito pela vida, não tem mais a pureza que os Ibejís deixaram aqui. Os segredos que Ewá deixou foram revelados, a sagrada cura do velho Omolú está sendo esquecida todos os dias por cada um de vocês, o arco-íris de Oxumarê está sendo coberto de cinzas, o mundo está mais escuro. Nós demos tudo que precisavam e todos os ensinamentos e presentes foram desprezados e destruídos por cada um de vocês. Sugaram o que deixamos no Aiyê e estão colhendo o que plantaram. Nós, os Orixás enviados por Olorum, estamos nos defendendo do que vocês fizeram com os elementos sagrados, do que fizeram com a vida. Estamos mostrando que nada é maior que a força da natureza.”

Agô Iê!

As lágrimas voltam a escorrer e a resposta que eu tanto queria me foi dada, clamei à Exú e todos os Orixás por perdão. Percebi ali, como todos nós somos pequenos e não pensamos em nossas atitudes. Pedi para que mostrassem o que eu, babalorixá, homem imperfeito e cheio de erros poderia fazer para tentar consertar alguma coisa. O mensageiro escuta todo o meu lamento e por um instante aparenta ouvir alguém de longe, eis então que ele diz que o supremo criador escutou meu choro: “Olorum viu o seu clamor, sentiu que você realmente entendeu tudo o que foi dito e está disposto a tentar mudar as coisas. Você é apenas um grão de areia nessa imensidão, mas receberá uma missão gigante, a sua fé guiará seus passos. Suas lágrimas mostram o amor que tens pelos presentes de Olorum, o respeito por nós, os Orixás, e a sua compaixão pelo próximo ao assumir a responsabilidade de também ter destruído. Teu perdão foi aceito, agora tens que cumprir o seu papel de babalorixá. Você é o mensageiro de todos nós para os seus filhos, para as pessoas que te cercam, Olorum pede que você leve essa lição de humildade por onde for, mostre aos homens que tudo só depende de cada um de vocês. Repasse os ensinamentos de simplicidade, de respeito e valorização daquilo que foi deixado na terra para a humanidade. O homem precisa de harmonia entre a vida e a natureza, a compreensão virá quando enxergarem que nossa força está na árvore frondosa de pé, no rio limpo a correr, no ecoar do cantar dos pássaros. A ligação entre Orum e Aiyê, homem e Orixá, está na onda que quebra na praia e leva tudo de ruim para as profundezas, está no ar puro soprando, na semente que cai sobre a terra e dá início a uma nova vida. O futuro está nas mãos de cada um, a regeneração pode acontecer, basta que vocês encontrem o caminho certo. Sua missão é levar para a humanidade os ensinamentos de Obará, aquele que prosperou sem ambição de prosperar e dividiu o que tinha com seus irmãos, sua missão é ser o porta-voz de um novo tempo de humildade e igualdade nessa terra.”

Olorum me deu a missão e seguirei firme na reconstrução daquilo que destruímos, em nome do axé levarei ao mundo a maior lição que já aprendi. Em casa, na rua, no ilê, na passarela virtual, o grito de alerta ecoará. Respeitem a sagrada terra, ouçam o clamor dos Orixás! Dos búzios vieram as repostas que tanto busquei, é hora de mudar a história e escrever novos capítulos. A vida renascerá nas lições repassadas, a humildade é a chave da mudança para um novo amanhã de justiça, preservação e valorização da terra. Salve Obará!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
NOGUEIRA, Sidnei B. “INTOLERÂNCIA RELIGIOSA”. 1. ed. atual. São Paulo – SP: Jandaíra, Jun 2020. 160 p. v. 1. ISBN 6587113052.
PRANDI, Reginaldo. MITOLOGIA DOS ORIXÁS”. 1. ed. atual. São Paulo – SP: Companhia das Letras, Dez 2000. 624 p. v. 1. ISBN 8535900640.
DE XANGÔ, Thiago. “PELAS MÃOS DO MENSAGEIRO DO AXÉ, A LIÇÃO DE ODÚ OBARÁ: A HUMILDADE”. São Paulo – SP, v. 1, n. 1, ed. 1, 2011.
TARDELLI, Brenno. “O RACISMO RELIGIOSO SE AGRAVOU MUITO NO BRASIL NOS ÚLTIMOS ANOS” – Carta Capital – Mai/2020. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/justica/o-racismo-religioso-se-agravou-muito-no-brasil-nos-ultimos-anos/>. Acesso em: 20/11/2020.
A LENDA DA RIQUEZA DE OBARÁ – Juntos no Candomblé. Disponível em: <http://www.juntosnocandomble.com.br/2012/06/lenda-da-riqueza-de-obara.html>. Acesso em: 19/11/2020.
LETA, Rennan. “INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: O RACISMO CULTURAL QUE VEM DESDE A COLONIZAÇÃO” – Voz das Comunidades – Mar/2020. Disponível em: <https://www.vozdascomunidades.com.br/colunas/opiniao/intolerancia-religiosa-o-racismo-cultural-desde-a-colonizacao/>. Acesso em: 20/11/2020.

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