Dragões Lendários homenageará Tia Ciata em 2021

Logo oficial da agremiação.

A preto, amarelo e branco de São Gonçalo em 2021 apresentará o enredo Ciata – A mãe negra do samba de pesquisa de Isac Ferreira e Marlene Martimiano e texto de Isac Ferreira. O enredo faz uma justa homenagem a Hilária Batista de Almeida, mais conhecida como Tia Ciata, a mãe de santo que teve bastante participação no florescer do samba carioca.

Confira abaixo o texto da sinopse:

Logo oficial completo da agremiação.

De vez em quando, os astros se alinham, as forças divinas se unem e resolvem enviar ao nosso mundo alguns seres humanos com uma missão especial, a de tocar individualmente o sentimento de sua comunidade e transformar suas realidades.
E assim foi o que ocorreu em Santo Amaro da Purificação, na sagrada Bahia, terra de tantos mistérios e magia, no ano de 1854. Foi nesse ano, em data incerta, que veio ao mundo uma pequena menina, filha de Oxum e herdeira da tradição e do poder dos orixás. Seu nome era Hilária Batista de Almeida, mas seria conhecida por todos como Tia Ciata.
A herança dos ancestrais sempre foi muito forte em Ciata, nascida num momento importante da história dos negros no Brasil, após à Revolta dos Malês e em meio às diversas situações que estavam levando ao fim oficial da escravidão em nosso país. A Bahia tem importância fundamental nisso pois lá, na negra Salvador, capital do estado, escravizados vindos dos mais diferentes cantos da África. Bantos, Minas, Sudaneses, Angolanos, Haussás entre tantos outros conviviam e tentavam manter suas tradições vivas nas difíceis condições que lhes são impostas no Brasil.
A mudança da capital para o Rio de Janeiro e o aumento da produção de café no Sudeste, fez com que muitos forros e nascidos livres migrassem para estes centros. No Rio de Janeiro, se concentrariam na região portuária, na Pedra do Sal e naquela que ficaria conhecida como a Pequena África. Os negros vindos da Bahia se hospedavam nas casas daqueles que chegaram antes à capital, no centro e em regiões vizinhas, mas a pressão da elite branca da cidade foi os segregando para regiões mais periféricas, muitas vezes os forçando a viver em condições deploráveis nos cortiços, enquanto as elites se esbaldavam nos palacetes do centro.
Ciata, ao chegar da Bahia em 1876, encontra um Rio assim, dividido e segregado, mas, com o passar do tempo ela seria uma daquelas que iria mostrar o valor e a importância do povo negro para a cultura deste país. Ela tinha sido feita no santo aos 16 anos de idade, como filha de Oxum no terreiro de Bambochê e ajudado na criação da Irmandade da Boa Morte, que existe até os dias de hoje. Os orixás à levam até o terreiro de João Alabá, famoso pai de santo estabelecido na cidade, onde se torna mãe pequena da casa, onde vai ganhando fama e respeito.
Ali, com suas irmãs de Santo, como Bebiana, Perciliana, Carmen, Mônica, Amélia e tantas outras mães de Santo da região, formam uma rede de apoio e influência sobre a população pobre do Rio, extrapolando as fronteiras da Pequena África, já que todos buscavam aconselhamento com as Tias Baianas nos seus momentos de necessidade.
Solteira e com uma filha do primeiro relacionamento para criar, Ciata passa a fazer e vender doces toda paramentada em suas roupas de baiana (e mãe de santo) primeiro na Rua Sete de Setembro e depois na Carioca, com grande sucesso. Seu espírito empreendedor e sua habilidade a faz começar um novo negócio. Ela começou a confeccionar roupas e calçados típicos para alugar para outras baianas tocarem seus negócios. Seu capricho era tanto que uma das histórias para o surgimento de seu apelido é que este vem de uma corruptela de asseada.
Ciata se casa novamente no Rio, com João Batista da Silva, também baiano e bem situado na vida que trabalhou em postos importantes como no Jornal do Commercio e na Alfândega. Com ele teve uma relação estável e duradoura que gerou 14 filhos. O casamento com João ajudou a firmar a influência de Ciata na comunidade negra do Rio, na recém instalada República.
Esta fama de mãe de Santo das boas fez Ciata cair nas graças do presidente Wenceslau Brás, que sofria há anos de uma ferida que não se curava na perna, mesmo valendo-se dos melhores médicos do país. Um conhecido de Ciata disse ao presidente que ele conhecia quem poderia fechar aquela ferida. Depois de ser convencida a tratar o presidente, orientada pelos Orixás, as ervas de Ciata curam a ferida em três dias. Wenceslau, agradecido, pergunta à Ciata o que ela deseja e ela diz que para ela nada, mas que queria uma melhor colocação para o marido, que passa a trabalhar no gabinete do chefe da polícia.
Nesta época, as manifestações da cultura negra, suas festas e reuniões eram vigiadas e até coibidas com violência pela polícia. Mas isto não acontecia quando a festa era na casa de Ciata, pelo respeito adquirido pela cura do presidente e do trabalho do marido. Assim, no casarão onde moravam na Praça XI, na rua Visconde de Itaúna 117, sempre havia muita comida, dança e música, onde os negros se sentiam livres para criar e se expressar. Ali se ouvia muito choro, batuque e se firmavam as primeiras raízes do samba, que nascia da fusão daqueles ritmos negros, dançado no miudinho, onde Ciata mostrava também sua ginga.
Até na tradicional festa da Penha, que se estendia pelo mês de outubro, Ciata e seu grupo se faziam presentes e se tornavam importantes. Montavam barracas de quitutes que encantavam os frequentadores que comiam ao som das rodas de samba que se formavam ao redor das barracas, frequentadas pela mais fina flor da malandragem carioca. Era na Festa da Penha que os músicos e suas composições ficavam conhecidos.
A família de Ciata já era grande por si só e crescia cada vez mais com os músicos, poetas e malandros da época frequentando sua casa por dias. Sinhô, Donga, João da Baiana (os últimos filhos de irmãs de santo de Ciata), Pixinguinha e tantos outros, cresceram frequentando estas festas. Se popularizavam, lançavam suas músicas e se tornavam cada vez mais conhecidos, levando o samba para o grande público.
Assim se estabelecia a música vinda dos negros, e quando chegava o carnaval, os ranchos e blocos de sujos por eles criados dividiam as atenções nas ruas com as grandes sociedades. Seu ritmo marcado pelo batuque acompanhado pelos instrumentos de corda encantava as pessoas, que acabavam por acompanha-los em seus desfiles. A família de Ciata desfilava no Rancho Rosa Branca e no Macaco é Outro, sendo sua casa um dos pontos principais do trajeto dos desfiles das agremiações carnavalescas, como também o era a casa de Tia Bebiana, outra das grandes tias baianas.
Isto demonstra o grande respeito e afeto que as agremiações carnavalescas por Ciata e sua história, afinal, sua casa era a capital da Pequena África, ali perto da Praça XI, onde os bambas do samba se reuniam e mantinham viva suas raízes negras, com seus ranchos, muitos agora patrocinados pelos comerciantes da área dando forma à cultura negra carioca como a conhecemos hoje. Mesmo excluídos das decisões oficiais do governo da república, os negros, os baianos e todos aqueles à margem da sociedade encontram ali uma forma de se organizar e sobreviver.
Quiseram os orixás que Ciata deixasse este mundo em 1924, mas seu legado para a cultura brasileira já estava completamente firmado e enraizado. Naquela Praça XI os bambas e baianas ainda se reuniam para cantar e festejar. Foi nesse mesmo lugar que as escolas de samba, as legítimas descendentes dos ranchos, desfilaram até 1942, quando a Praça já estava sendo demolida para a construção da avenida Presidente Vargas. O samba não poderia ficar longe dali, e depois de um tempo na avenida Rio Branco ele retorna à Praça XI, então Presidente Vargas, e acha sua morada definitiva na Marquês de Sapucaí.
Assim, Ciata jamais poderia ser esquecida, seja no Rio de Janeiro, seja no Brasil como um todo, e sua história de perseverança e cuidado com seu povo é contada não só no mundo do samba, onde ela acaba por desfilar, pelo menos em homenagem, em todos os anos com suas irmãs de santo na ala das baianas, mas também nos inúmeros documentários que buscam resgatar a história desta negra baiana que em 2014 teve o nome aprovado para integrar o rol dos heróis da pátria. Nada mais justo, uma homenagem para aquela que surgiu no seio daqueles que foram e são discriminados e relegados à segundo plano e hoje é homenageada por todos aqueles que amam o samba e agora se veste de amarelo e preto para brilhar, mais uma vez, no maior espetáculo da tela como homenageada da Dragões Lendários.

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