Desbravando terras e mares a Imperatriz Itaocarense vem buscar seu título inédito no Grupo Especial

O GRESV Imperatriz itaocarense apresenta seu enredo para a disputa do Grupo Especial do Carnaval Virtual com o enredo: “Por mares de águas e areias” de autoria do carnavalesco da agremiação Walter Gualberto Martins.

 

FICHA TÉCNICA:

Presidente: Moisés Silva
Presidente de Honra: Thiago Lepletier
Diretor de Carnaval: Manoel Moraes da Silva Júnior
Diretor Artístico: Victor Raphael
Diretor de Bateria: Alex Basílio
Rainha de Bateria: Jéssica Oliveira
Intérprete: Igor Sorriso
Carnavalescos: Walter Gualberto Martins

 

APRESENTAÇÃO

A tradição africana dos povos antigos coloca a palavra em sua forma oral como mais importante que aquela documentada através da escrita. Assim, sabe-se que para muitas etnias uma das funções dos griôs era o de transmissor da história de seu povo para as novas gerações. Tal costume é utilizado como justificativa por parte de historiadores para o fato da história oficial eurocentrista, que há séculos remonta a evolução da humanidade, sempre colocar os povos africanos a margem do protagonismo dos principais acontecimentos do passado.

Entretanto, historiadores contemporâneos, através de estudos, por vezes baseados em histórias que sobreviveram graças às narrativas de muitos griôs, tem despertado o interesse na reescrita de nossa história, visando, sobretudo corrigir a omissão de fatos que mudariam por completo tudo que até aqui aprendemos nos livros didáticos.

Entre os fatos a serem analisados está o protagonismo de Colombo a desembarcar na América. Para alguns historiadores povos africanos teriam conquistado o oceano antes da empreitada espanhola de 1492. Não só teriam chegado aqui primeiro como teriam influenciado o navegador genovês, a serviço da coroa espanhola e, o próprio governo português em suas análises de rotas durante as grandes navegações.

Uma das teorias coloca o Império do Mali, como protagonista da expansão marítima a oeste da costa africana. Este império, na época de seu apogeu, vivenciou e produziu conhecimentos avançados, a frente dos que eram desenvolvidos nos reinos europeus que se encontravam mergulhados na Idade das Trevas.

Através do enredo “Por mares de águas e areias” o GRES Imperatriz Itaocarense vem apresentar a história de dois irmãos, reis mandingos, que sonhavam ir além dos limites de dois grandes mares: o Atlântico e o Saara. Um de águas e outro de areias.

O mais velho avança a oeste de seu reino em busca de novas terras e o mais novo segue a leste, rumo à cidade sagrada do Islamismo. Duas histórias distintas que se entrelaçam mais que por simples laços consanguíneos de seus protagonistas e fazem com que se perdurem até os dias atuais, quando tem-se a chance de através de estudos torná-las oficialmente como verdadeiras.

“Se o Leão não contar a própria história, o caçador o fará.”
Provérbio Africano

 

SINOPSE

Lentamente a negra escuridão do horizonte vai dando lugar ao roseado da manhã… O astro maior, em chamas, em breve estará no alto, escaldante como sempre, aquecendo os pequenos grãos que em quantidades imensuráveis formam esse metamórfico chão de areias claras que dançam e se movimentam ao soprar da ventania, formando um imenso mar de dunas. Este é o Saara, magnífico, impetuoso e cruel…

O ano é 1324 e a calmaria reinante no deserto é quebrada por acordes longínquos… O céu se torna laranja conforme o tempo avança, a música fica mais ávida e avista-se uma grande caravana. Ela vem contornando as grandes montanhas assim como as cerastes serpenteiam as areias em horas mais amenas. Camelos, cavalos e pessoas em grande número formam um cortejo colorido e brilhante que avança em direção ao Egito, mais precisamente Cairo. Não são os costumeiros mercadores do deserto. São peregrinos mandingos que, saindo do rico e até então, pouco conhecido Império do Mali, na costa oeste africana, marcham desejosos de alcançarem a cidade sagrada de Meca, a fim de que possam cumprir o Hajj – quinto pilar do Islamismo, religião oficial da região.

À frente, vem o Imperador Mansa Musa, seguido de sua comitiva de 60 mil pessoas entre escravos, soldados, músicos, estudiosos e civis. Oitenta camelos caminham lentamente portando, cada um, entre 50 e 300 quilos de ouro em pó. Uma imponente comitiva nunca vista por estas bandas, que por um instante pareceu miragem, mas com o tempo se mostrou real…

Antes de chegarem à entrada da cidade, já são aguardados por soldados mamelucos que os recebem e os levam até o sultão Al-Nadir. Musa usufruindo de suas riquezas e generosidade presenteia o governante cairota que lhe concede estadia em um de seus castelos.

Por lá, os malineses permanecem por três meses, tempo suficiente para que o imperador contasse muitas histórias de seu reino e compartilhasse seu áureo tesouro com o comércio e a população fazendo através de sua caridade. Al-Nadir, curioso por conhecer o rico Império do Mali, ouve cada uma das entusiasmadas histórias sobre o reino que se alicerça na exploração dos seus metais, no comércio de peles, plumas, marfim e algodão e na difusão de conhecimento através de suas escolas e bibliotecas, tesouro tão rico quanto o dourado que os visitantes ostentam em suas roupas e ornamentos.

Como um verdadeiro griô, Mansa Musa ecoa pelas salas do castelo e ruas do Cairo palavras de louvação e orgulho de sua dinastia, de sua gente, de sua terra…

A respeito de sua origem, o imperador conta que ele e seu irmão mais velho, Abubakari, eram guerreiros como o ancestral fundador do império – o grande rei Sundiata Keita – Rei Leão, e que nunca deixaram de ser sonhadores, porém opostos em suas ambições. Quando criança sonhava um dia alcançar o outro lado do mar de areias do deserto, e chegar à Meca, em louvação a Alah, aspirando uma vida além das estrelas, enquanto que o irmão Abubakari, se encantava com os mistérios das águas barrentas do rio Níger e verdes do grande mar das trevas, que levava ao fim do mundo, o oceano Atlântico. Abubakari, alimentado por histórias do conquistador Alexandre, o Grande, e de teorias de que o oceano não era o fim do mundo, cresceu convicto de que entraria para a história como o grande desbravador do mar de águas salgadas, tornando-se maior que o próprio imperador macedônio… Seu sonho era a possibilidade de se viver além do Atlântico.

Certa vez, já reinando, o predecessor de Musa, coroado como Abubakari II, teve acesso ao conhecimento trazido pelos árabes muçulmanos de que a Terra era como uma imensa cabaça que permitia a um viajante partir em direção a oeste e, contornando-a, regressaria ao ponto de partida… Para muitos era uma teoria tola que não se fundamentava no que se conhecia até então, mas para alguns estudiosos do reino e para o próprio imperador, havia verdade e mais que isso, era o que faltava para a concretização do sonho imperial.

Abubakari então resolve trazer conhecedores de várias áreas até o litoral para que pudessem construir uma frota poderosa capaz de vencer os obstáculos do grande mar e do medo do desconhecido. Ao Império do Mali chegaram navegadores do oriente e do Mediterrâneo, construtores do lago Chade, conhecedores das embarcações egípcias, entendedores das bússolas e dos mapas celestiais que orientavam as caravanas pelo deserto e matemáticos capazes de traçar as rotas e planos de viagem, além de artesãos, joalheiros, tecelões, mágicos, adivinhos e tantos outros.

Nas planícies litorâneas da Senegâmbia (atual Gâmbia), o que se viu nos meses subsequentes foi o surgimento de uma frota heterogênea com barcos a vela, a remo, mistos, em diferentes formas e tecnologias que pudessem avançar em detrimento dos que, por alguma desventura, pelo caminho ficassem. Para cada barco o rei ordenou que se preparasse outro carregado de água e suprimentos para a tripulação e ordenou, no dia da partida, que só voltassem caso tivessem encontrado a outra margem do oceano ou se a comida acabasse.

Al Nadir se encantava com cada frase dita pelo seu régio hóspede e não só ele, mas todos os egípcios que pela boca de um e de outro conheciam a história que era assim propagada por todo o território e terras além de seus domínios.

Foram dias e mais de angústia e ansiedade que atormentaram o rei, sem que se tivesse uma notícia sobre seus desbravadores. Cada noite era um sonho diferente. Cada dia eram horas intermináveis de assuntos reais que não despertavam nenhum interesse no governante, até que, certa manhã, Abubakari consulta o seu historiador e feiticeiro a respeito de um sonho que teve no qual via uma grande quantidade de melros sobrevoando harmoniosamente a sua cabeça, até que um dos pássaros, o que se encontrava na parte de trás do bando, despenca como uma cabaça sobre ele, partindo-se e liberando espuma e água salgada.

Terminada a explanação do sonho, encontra-se de um lado o rei angustiado por uma interpretação e, do outro, o adivinho, temeroso da reação monárquica diante do significado. Não havia meios de amenizar a angústia de seu rei e, o súdito proferiu o veredito garantindo que a harmonia do voo havia de trazer paz ao reino enquanto que a queda havia de trazer notícias desagradáveis.

Não tardou muito e a profecia se cumpriu através da entrada marcante de um de seus capitães em trajes maltrapilhos e olhar temeroso proferindo a notícia que não se desejava ouvir.

Al-Nadir e seus conselheiros com olhar assustado e curioso escutam Mansa contar que da boca do navegador saíram palavras que diziam que o grande mar se abriu em uma imensa corrente e, como uma grande mão, a impetuosa ira do Atlântico levou toda a frota.

O relato atormentou ainda mais o rei, que agora entendera o pássaro em queda em seu sonho. Todos os barcos foram sugados e estando mais afastado que os demais o capitão, porta voz da notícia, recuou e regressou sem que se tivesse alcançado o outro lado do mundo.

Diante do relato, os conselheiros do rei queriam e cobravam um posicionamento do governante e para surpresa de todos, Abubakari resolve dar prosseguimento as expedições, multiplicando por dez, o número de embarcações e, tornando-se agora, o grande capitão da nova investida.

Das duas mil embarcações, manda construir uma maior e mais suntuosa, com cobertura e trono, tudo decorado com brasão de pássaros. Para muitos, o rei havia enlouquecido, mas para outros a obstinação do imperador por realizar a grande proeza falava mais alto. Os pássaros do voo agora seriam os da boa nova.

Mansa Musa prossegue sua explanação dizendo que em 1311, estando na presença do irmão recebe a incumbência de governar as terras do império enquanto Abubakari estivesse navegando. Assim, já imperador, vê partir a segunda e agora maior expedição rumo às terras a oeste, do outro lado do Atlântico, que levava muitos homens, suprimentos, gado, ouro e mercadorias, mas, sobretudo, levava o grande rei aventureiro e que não mais voltaria ou mandaria notícias.

Com suas histórias Mansa Musa estava a fazer o papel do griô de seu irmão, difundindo a sua aventura para que pudesse ser pra sempre lembrado como o grande rei desbravador…

Passado o tempo de acolhida, os mandingas partem do Egito e seguem seu destino até Meca, fazendo de cada cidade que passam um entreposto de difusão de seus conhecimentos, riquezas e histórias. Oralmente o Império do Mali passa a ser conhecido despertando interesse de muitos povos, inclusive os europeus que estando na Idade das Trevas, com suas perseguições religiosas, pestes e estagnação do conhecimento, ambicionam conhecer, comercializar e explorar estas terras.

Mesmo com a desinformação do destino de Abubakari a ideia de uma terra esférica e sua aventura é propagada e anos mais tarde chegam até o jovem Cristóvão Colombo, através de seu irmão, um comerciante de joias que convivia com clientes africanos. Desta forma, acaba por influenciar o navegador genovês a seguir o sonho de se contornar a grande cabaça e, como se sabe, ao final, a história escrita oficial acaba por considerá-lo como o grande navegador pioneiro a pisar no novo mundo.

Ao vencer a fúria do mar de águas salgadas e oficializar a sua aventura, Colombo desperta e possibilita, de certa forma, a continuidade da epopeia mandinga, pois na América, encontra-se com nativos que afirmam comercializar com homens negros altos e no contato com indígenas presencia a utilização de lanças com pontas de ouro que ao serem analisadas na Europa, descobre-se tratar-se de metal de origem da costa oeste africana.

Abubakari e sua frota teriam chegado à outra margem do Atlântico e concretizado seu sonho. A história iniciada quase duzentos anos antes tem nestes episódios a possibilidade de ser finalmente reescrita colocando o povo mandinga como um dos primeiros a vencer a grande travessia do impetuoso mar de águas salgadas, evidenciando a importância da voz do griô, que tornou vivo o sonho de vida do rei por gerações a ponto de hoje se questionar as verdades que se escondem por detrás das histórias oficiais.

 

“Na África, cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima.”
Amadou Hampâté Bâ

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIAWARA, G. Abubakari II : Explorateur mandingue. Editions L’Harmattan. Editions L’Harmattan. França, 2010.

NASCIMENTO, E. F. Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. 1ª ed. São Paulo: Selo Negro, 2014.

NASCIMENTO, E. L. Sankofa: resgate da cultura afro-brasileira. Rio de Janeiro: Secretaria Extraordinária de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileira (SEAFRO), 1994. v.1.

SERTIMA, I.V. Black in Science, ancient and modern. New Brunswick (EUA). Transaction Books, 1983.

SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: EDUSP,1992.

 

INFORMAÇÕES DA DISPUTA DE SAMBA:

– Escola encomendará a obra.

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