Bohêmios traz Debret para contar a infância dos negros escravizados para o Carnaval Virtual 2020

O GRESV Bohêmios Samba Club em busca de seu terceiro título no carnaval virtual apresentou sua sinopse do enredo para o Grupo Especial do Carnaval Virtual 2020 “Os moleques de Debret” de autoria do carnavalesco Rodrigo Dias, revisão de Philip Nascimento.  O enredo foi sugerido por Thiago Santos que também é autor da logo do enredo da agremiação.

 

FICHA TÉCNICA:

Presidente: Rafael de Lima
Carnavalesco: Rodrigo Dias
Diretor de Carnaval: Marinaldo Lira
Intérpretes: Grazzi Brasil e Edu Chagas
Compositores: Ailson Picanço, Guga Martins e Rodrigo Brilhante

 

ENREDO:

Através das aquarelas do artista francês Jean Baptiste Debret, a Bohemios Samba Club lança o olhar para um tema ainda pouco explorado não só no carnaval, mas na história em geral, a infância dos negros escravizados, assunto de grande recorrência nas obras do pintor francês, considerado o que mais retratou o tema em sua época. Para sabermos do assunto com mais propriedade, pediremos auxílio às entidades espirituais, para que tragam da corrente das almas errantes os espíritos que viveram como escravos, a fim de que contem suas experiências de moleques em meio ao sufoco das duras tarefas do cativeiro, revelando, de seu cotidiano, os segredos e curiosidades que a história não registrou.  Por fim, na figura dessas almas chamadas a narrarem suas memórias, a escola “devolve” aos cativos de outrora o direito à infância, por meio de uma grande Ibeijada. Salve os pequeninos! Salve as brincadeiras! Salve a criançada!!

 

SINOPSE:

Os moleques de Debret

Autor: Rodrigo Dias
Revisão: Philip Nascimento

“Papai me mande um balão
Com todas as crianças
Que tem lá no céu
Tem doce Mamãe
Tem doce Mamãe
Tem doce lá no jardim”

– Ponto de Umbanda dedicado às entidades infantis

 

Já passa da meia noite, e o frio vento que anuncia a madrugada, chacoalha a poeira da calunga e espanta a esguia passarada que guarda a noite. Por entre os arbustos e criaturas da escuridão, passeia tranquilo, montado em seu bode preto, o astucioso Exu mirim. Perambulando pelas várias dimensões do astral, mergulha fixo na corrente das almas, em busca de espíritos que viveram há muitos anos em nosso solo, sob a dura condição de escravos. A procura não é fácil, pois muitos desses espectros já seguiram seus caminhos, e reencarnaram múltiplas vezes por variadas moradas. Outros, por diversos motivos, ainda se encontram deslocados pelo astral, levando consigo as profundas marcas de uma existência tão sofrida… Após longa busca por vastas e abrangentes dimensões, o travesso guardião retorna rodeado por três almas, que giram a sua volta como um frenético e atordoado carrossel de energia. Pouco a pouco, o malandrinho as conduz ao solo e, com o restabelecimento de suas consciências, indaga, uma a uma, sobre suas memórias de moleques…

O primeiro espírito a reavivar suas lembranças e contar suas experiências é João Malungo, que vivera na região do Arraial de Santana, hoje conhecida como Paracatu, em Minas Gerais. Recorda com muito carinho de sua mãe, Lindaura Crioula a qual, desde cedo, teve que dividir o leite e a atenção com o filho do senhor da casa, já que, para a sorte de um e o azar do outro, nasceram quase no mesmo dia… Malungo conta que, na pequena vila, convivera com crianças escravas de diversas linhagens, desde africanos, que vieram pequenos nos navios, aos crioulos e mulatos aqui nascidos, e também aos mestiços de negros com os índios da região. Relata que, de início, teve até bom tratamento de seus senhores e, tal qual filhote de estimação, podia ficar dentro de casa, alimentando-se dos restos da mesa principal, o que era quase uma honraria, comparado ao que se comia na senzala… Lembra, ainda, que entre os filhos das sinhás brincou, mas, por vezes, foi o brinquedo… E ao menor sinal de crescimento, por volta dos sete ou oito anos, já era o momento das obrigações… Entregar bilhetes, carregar encomendas, fazer pequenas compras, enfim, tornar-se o que convencionaram chamar de “moleque de recados”… Mas o recado mais forte que chegara naquele momento era constatar a desumana condição que haveria de carregar.

O próximo a contar sua historia é Jacinto Pereira, que residiu na área rural de Bom Jesus dos Meiras, chamada atualmente de Brumado, no interior do Estado da Bahia.  Jacinto relata que sua principal lembrança de menino é o trabalho, pois, nas fazendas daquele período, tão logo ficassem de pé, os negros já estavam condenados a participarem da intensa atividade agrícola. Juntamente com as mães e demais membros da escravaria, os pequenos seguiam para as lavouras com as funções predeterminadas, como arrancar as tiriricas que cresciam por entre a plantação, debulhar cereais e descaroçar sementes. Com o avançar da idade, crescia, também, a responsabilidade e a quantidade de tarefas, ficando encarregados de alimentar os animais e pastorar pequenos rebanhos. Dentro de casa, também ajudavam em todas as ordens de afazeres domésticos, auxiliando na limpeza, no preparo dos alimentos, cuidando das crianças de colo, e até espantando as moscas durante o jantar.  Encerrando a fala, Jacinto ressalta que, aos doze anos, meninos e meninas já eram considerados adultos e, portanto, deparavam-se entregues aos trabalhos ainda mais pesados realizados por escravos crescidos.

Por fim, os relatos de Luzia Cambinda, que viveu no Largo de São Francisco da Prainha, na região da Pequena África, hoje chamada Gamboa, no Rio de Janeiro. Luzia relembra o espanto e estranhamento que tivera, juntamente com seus pais e demais familiares, quando, diante a falência de seus primeiros donos, foram vendidos, tendo de se mudar para a casa dos novos senhores, no grande centro urbano. Chegando ao Rio de Janeiro, observaram com atenção o intenso movimento de passantes, cavalos e carruagens pelas ruas. Na nova casa, espantou-se com a fala de seu novo dono, que afirmou levá-la, no dia seguinte, a um educandário, pois já passava da idade de aprender… Ao raiar do dia, mal despertou e já foi levada por um capataz ao local onde imaginou que estudaria, mas logo o deslumbramento deu lugar à desilusão, pois o local onde pensou que aprenderia a ler e a escrever, tratava-se, na verdade, de uma escola formadora de ofícios para negros, uma maneira comum dos senhores da época lucrar ainda mais com seus cativos. Na instituição, Luiza viu crianças escravas recebendo o aprendizado profissional para exercerem atividades de sapateiros, tanoeiros, costureiras, barbeiros, cabeleireiros, alfaiates, carpinteiros e outras variadas sortes de ocupações. Após a formação, Luiza e muitas outras crianças seguiram para as ruas do Rio, onde trabalharam por anos em quase total invisibilidade perante aos adultos do local. Contudo, Luiza ressalta que um olhar em especial não só os viu como também fez com que muitos outros olhassem para eles, com a sensibilidade que só um artista poderia possuir, registrou e eternizou o duro cotidiano daqueles moleques e com seu ato, fez deles seus moleques, os moleques de Debret!

Ao final das histórias, na figura dessas almas chamadas a narrarem suas memórias, o pequeno mensageiro desfaz todas as demandas e “devolve” aos cativos de outrora o direito a ter uma verdadeira infância, por meio de uma grande Ibeijada! Transporta-os para o terreiro Bohêmios Samba Club, e anuncia a noite de festa nesta grande praça encantada! Brincadeiras, danças, cantigas, doces e balas irão adoçar o amargor do passado, e alimentar os sonhos de uma consciência pura! E neste ambiente de festividades e intensa alegria, faz saldar os pequeninos! Faz valer as brincadeiras! Faz salvar a criançada!!

“Na Bahia tem um côco,
côco que faz a cocada
Côco que faz o manjar,
para dar para Ibejada”.

– Ponto de Umbanda dedicado às entidades infantis

INFORMAÇÕES DA DISPUTA DE SAMBA

– Escola encomendará a obra.

 

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