Arautos do Cerrado contará e cantará os 250 anos de Mazagão em seu enredo para o Carnaval Virtual 2020

O GRESV Arautos do Cerrado apresenta seu enredo para a disputa do titulo do Grupo de Acesso do Carnaval Virtual 2020. A escola contará e cantará os 250 anos de Mazagão: da cidade-fortaleza portuguesa no Marrocos, criada durante a Guerra Santa, até a sua transferência forçada para a Amazônia, no século XVIII com o enredo: “Mazagão” de autoria de Danilo Guerra Couto e texto de Fábio Granville. O logo do enredo é do design Adalmir Menezes.

 

FICHA TÉCNICA:

Presidente: Robert Mori
Carnavalescos: (Comissão de carnaval) Danilo Guerra Couto, Fábio Granville, Taynara Senra e Robert Mori
Intérprete: Marco Acácio
Enredo: Mazagão
Autor do Enredo: Danilo Guerra Couto
Pesquisa do enredo: Danilo Guerra Couto e Robert Mori
Autor do texto: Fabio Granville

 

ENREDO:

MAZAGÃO

Autor: Danilo Guerra Couto
Texto: Fábio Granville

Somos a Arautos do Cerrado
Viemos com toda emoção
Mostrar um enredo inusitado
Sobre o destino de uma “nação”
Falaremos desta gente
Que “flutuou” por três continentes
O povo de Mazagão

Esse acontecimento histórico
Por poucos é conhecido,
Mas não tem nada de folclórico
É real esse acontecido
Porém, quem nos contou
Foi alguém que por tudo passou
Mas que agora não está mais vivo

Ao difícil alcance da retina
Ao sul de Macapá
Às margens do rio Mutuacá
Como coberta por uma cortina
Nesse nosso patrimônio ecológico
Há um tesouro arqueológico
Escondido entre ruínas

No verde lá da Amazônia
A vida nunca se encerra
Espíritos em estado de insônia
De corpos enfiados na terra
Cenário que aos olhos salta
Botões de farda, cruzes de malta
Em caveiras de militares de guerra.

“Quem está aí”?
Ecoa o som na floresta imensa
Solo úmido, mata densa
Arrepiante de ouvir

“Quem ousa invadir nossa cidade”?
Arqueólogos ouvem, boquiabertos,
Sem nem ousar sair de perto
movidos pela curiosidade

“Que dia é hoje?”
Pergunta-nos, com altivez
E os cientistas respondem:
“25 de julho de 2003”

Os fantasmas questionam, em fala ríspida
“Não há algum engano? ”
Percebem, então, de forma sentida
Que todos perderam suas vidas
Há mais de 200 anos.

Os espíritos caem em si
Algo de ruim está sendo pago
Não se reconhecem por ali
Tudo para eles é muito vago
Mas aos poucos voltam as lembranças
E devido ao clima de festança
Sabem que é o dia da festa de São Tiago

Vai-se então, retomando a noção
De forma não tanto sutil
“Aqui é Nova Mazagão –
Estamos ainda no Brasil”

“Quanto sofrimento!
Neste lugar verdejante
Só tivemos instantes
De sofreguidão e tormento”

Os arqueólogos, antenados
acompanham atentos
O que os seres espiritualizados
Jogam ao vento

Com fala chorosa
O espírito vai no fundo de sua memória
E recorda, de forma saudosa,
Os tempos de glória
Nos presenteando com sua triste história

“Lembro-me de toda sutileza
Das pedras empilhadas em blocos
Do árido clima nas redondezas
Do deserto do Marrocos

Seu nome era Mazagão
Nossa linda fortaleza
Fonte de inspiração

Houve dificuldades e maus agouros
Pois foi durante a Guerra Santa
O conflito entre cristãos e mouros
Que desse lugar fizeram a planta
Criaram uma edificação segura
Bela obra da arquitetura
Que logo de cara o povo se encanta

A vista tem o mar adiante
Sobre a planície de Dukkala
A cidade flutuante
De portugueses habitantes
Por lá se instala

A água do céu faz o nome
Desse lugar que nos deu colo
Não tínhamos sede nem fome
Pela fertilidade do seu solo
E uma captação moderna
Da chuva para a cisterna
Que mantinha água no subsolo

Cidade militarizada
Parada de muitas embarcações
Navios lá aportavam
Em busca de informações
Plantavam, pescavam, caçavam
javalis, coelhos, leões
Soldados, militares
Civis, populares
Misturavam-se nas multidões
Também havia festividades e procissões
E pelas ruas, ecoava a oração
Preparando-se para a peleja
Da missa feita na igreja
De Nossa Senhora da Assunção

Mas, foi-se o tempo desses louros
Deixaram-nos doenças e miséria
Em outros cantos, outros tesouros
Dando espaço para a invasão dos mouros
E a coisa foi ficando séria

Já não tínhamos mais apoio
Lá da nossa Portugal
Buscaram-nos de comboio
Pois o cerco se fez fatal
Tivemos que deixar Mazagão
Por conta do acordo do sultão
Com o Marquês de Pombal

Pelo rei fomos traídos
Deixamos nossa fortaleza
Sem perspectivas, vencidos
Em estado de pobreza
Saindo pela proa
Chegamos à Lisboa
Cheios de incertezas

Em solo português
Seis meses nos instalamos
Achávamos que o Marquês
Já tinha causado todos os danos
Mas não tínhamos mais voz
E soubemos que para nós
Eles tinham outros planos
Iríamos atravessar o oceano.

E assim viemos para cá
Com muita dor no coração
A ideia era fazer do Amapá
Uma Nova Mazagão
O Brasil era agora a potência
E exploraríamos sua magnificência
Proporcionando a expansão

Singramos rios e igarapés
Em típicas canoas da região
Peixes estranhos, grandes aves, jacarés
Insetos em profusão
A correnteza como trilha sonora
A exótica fauna e flora
O verde em alta dimensão

Em completo abandono
Desbravamos a mata imensa
O índio, verdadeiro dono,
Cedia sua terra nos dando licença
Construíram casas para nossa gente morar
Nos ensinaram a caçar e a pescar
Com eles não tínhamos desavenças
Pelo contrário, a situação foi menos tensa
Graças à sua presença
Mas aqui nessa terra sagrada
Vivíamos como almas penadas
Expostos às misérias e às doenças

Ninguém ficou contente
Quando viemos para cá em tropa
Moramos em três continentes
América, África, Europa
Todos de extrema valentia
Vítimas de uma mortal epidemia
Morremos sob essas verdes copas”

Com os olhos lacrimejantes
Oraram em silêncio, por essas almas
Foi, de fato, arrepiante
Ouvir todo esse trauma
E todos com a cara pasma
Continuaram ouvindo o “fantasma”
Que encerrou com sua fala calma:

“Vivíamos no deserto africano
A fortaleza era nossa casa
Para a Europa, por debaixo dos panos,
Viajamos com o coração em brasa
E com um ar nada sutil
Nos enviaram para o Brasil
Para terminarmos em cova rasa.”

Esse relato comovente
De um espírito mazaganense
Serviu para reunir toda gente
E o destino à Deus pertence.

Ao desabafar sua história
Que ninguém discordar se atreve
Relembrar de toda essa glória
Deixou a alma leve
Desfizeram-se dessa cruz
Encheram-se de luz
E subirão ao céu em breve

O dia entardecia
Fantasma não mais se via
Era hora de deixar o sagrado
Com os ouvidos atentos
Seguiram o movimento
Era um barulho animado
Tinham muitos mascarados
Bandeirolas por todo lugar
Gritos, aplausos, conversas
Danças, músicas, rezas
Foguetes pelo ar.

Adultos e a criançada
Para a alma, um afago
A peleja da cavalhada
Sem causar nenhum estrago
No coração da floresta
Mazagão Velho estava em festa
para reverenciar São Tiago

E no meio da multidão
Fez-se luz, um grande clarão
Eram os “fantasmas’ de Mazagão

E num tom agradecido
Nosso querido amigo se faz ouvido:

“Defensor da Santa Fé, por nós, rogai
Permita que esse povo viva em paz
O céu já avisto
Mas contem conosco, soldados de Cristo
Nossa alma embevecida
Clama por ti, Mazagão Velho,
e também por El Jadida
Deixamos de legado nossa história
Que ela nunca saia da memória
Olharemos por vocês lá do alto
Sejam, do bem, os arautos
Sempre rumo à vitória”

Foi-se, para sempre, o ar sombrio
Usando a fé como recurso
E assim como as águas do rio
Seguimos nosso curso
Neste enredo sem igual
Arautos faz seu carnaval
Com a cultura sempre em seu discurso.

 

Referências utilizadas:

Livro: “Mazagão, a cidade que atravessou o Atlântico”, de autoria de Laurent Vidal. Publicado pela Editora Martins Fontes em 2008.

Artigo: “Mazagão: cidades em dois continentes”, de autoria de Paulo Assunção. Publicado na “Revista arq.urb” em 2009.

Artigo: “O Projeto mazaganista: transposição de espaço, arquitetura e mão-de-obra indígena em Nova Mazagão”, de autoria de Patrícia Moreira Nogueira & Sergiana Vieira Santos. Publicada na “Revista Eletrônica do Instituto de Humanidades” em 2018.

Artigo: “Passado português, presente negro e indizibilidade ameríndia: o caso de Mazagão Velho, Amapá”, de Véronique Boyer. Publicado na “Revista Religião & Sociedade” em 2008.

Artigo: “Patrimônio cultural imaterial e religiosidade: as celebrações em Mazagão Velho, no Amapá”, de autoria de Alene Chagas da Silva, Elivaldo Serrão Custódio, Eugenia da Luz Silva Foster. Publicado na “Revista Estudos Teológicos” em 2015.

 

INFORMAÇÕES DA DISPUTA DE SAMBA:

A escola optou por encomendar o samba-enredo para o Carnaval Virtual de 2020.

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