Carnaval 2022: sim ou não?, por Sidney Rezende

Sambódromos da Marquês de Sapucaí e do Anhembi. Foto: Cezar Loureiro/Riotur e SPTuris

Sambódromos da Marquês de Sapucaí e do Anhembi. Foto: Cezar Loureiro/Riotur e SPTuris

O Carnaval é o mais importante espetáculo a céu aberto do Brasil. O mundo reconhece a grandiosidade da festa e a associa como exemplo cultural mais relevante do nosso país. Quem assiste presencialmente volta para a casa perplexo e deslumbrado. E se perguntando: como é possível que apaixonados pela festa se apresentem com tanto profissionalismo?

De fato, é a expressão maiúscula do ser humano onde se encontram dança, música, canto, pintura, artes plásticas, escultura, teatro, literatura, cinema, fotografia, iluminação e design contemporâneos.

Mas será mesmo que os que elogiam o Carnaval – e os que o criticam – têm noção precisa que durante o ano existe uma cadeia produtiva que gera empregos, movimenta a economia e circula investimentos importantes inclusive para a arrecadação pública?

Quem visitar os barracões das escolas de samba, em qualquer época do ano, ali onde são confeccionadas as fantasias, montados os carros alegóricos e local de ferragens, vai encontrar operários que prestam serviços sob os cuidados das leis trabalhistas, inclusive com carteira assinada. E quando chega a data do feriado o folião se esbalda nas arquibancadas, frisas e camarotes, ele nem sabe que a infra construída arduamente é a consagração de muito suor e lágrimas. E quando a festa mal termina já está lançado o desafio de planejamento para o ano seguinte.

É muito importante não olharmos o Carnaval somente sob o viés religioso. É uma pena que alguns identifiquem a festa como sendo algo do “diabo” ou resultado dos “propósitos de Deus”. Nem uma coisa e nem outra.

O Carnaval também não é o retrato totalitário da ideologia de quem a faz, se ela é de motivação de direita, centro ou esquerda. Não é somente isso.

O Carnaval não é importante somente porque influi positivamente na economia e nem o exemplo de ideário capitalista ou comunista. O Carnaval também é maior do que sua força econômica ou a injeção de subvenção que recebe.

E sobre a ótica da saúde em meio a uma pandemia jamais vista?

Quem tem que dar os parâmetros dos riscos de se realizar a corrida de São Silvestre, a disputa da Fórmula Um, um jogo de futebol ou um show não é somente de quem participa destes eventos, mas das autoridades qualificadas e legitimadas legalmente para tomar esta decisão.

No entanto, este debate não pode só estar restrito a uma minoria de notáveis e burocratas.

O povo do Carnaval pode e deve opinar sobre as regras sanitárias as quais prevalecerão na hora da sua apresentação.

Ser responsável é ouvir a ciência e tomar a decisão final com prudência, sensatez e equilíbrio de quem entende o conceito de gente em primeiro lugar. Saúde como a melhor expressão de vida.

Carnaval é uma celebração da vida.

Mas achar este ponto central é fácil? Não, não é. Mas é necessário.

O SRzd, que em 15 anos nunca deixou de noticiar um só dia o que de mais relevante aconteceu no mundo do Carnaval, resolveu tratar aqui de maneira honesta o tema mais polêmico dos últimos tempos: deve-se realizar o Carnaval em 2022?

Convocamos nosso time e indagamos sobre qual a melhor decisão?

Luiz Fernando Reis. Foto: SRzd
Luiz Fernando Reis. Foto: SRzd

O veterano Luiz Fernando Reis que tem extensa folha de serviços para o Carnaval foi categórico. “A gente tem que parar de pessimismo e olhar para frente. Nós temos um povo que está altamente imunizado, beirando 80% já com a vacinação completa. A gente tem que olhar para frente. O número de casos graves e letais têm diminuído sensivelmente. Quem não se vacinou está realmente correndo risco. É hora da gente acreditar. Me incomoda muito quando vejo essa bateria questionando sempre o Carnaval. Parece que a gente está torcendo contra. Seguidamente. Qualquer show pode, praia cheia, o que for. E temos que separar uma coisa da outra. Carnaval é uma coisa, desfile de escola de samba é outra. A gente tem como controlar, podemos controlar realmente a vacinação dos nossos componentes e tenho certeza que as escolas farão isso. O acesso das pessoas, tem que ter comprovante de vacinação. Ou seja, a gente está acreditando que nós temos condição de fazer Carnaval e vamos fazer. Não o Carnaval, mas os desfiles das escolas de samba. Tenho certeza que vamos chegar lá. Agora, se a gente vai ficar buscando ômicrons da vida, aí fica difícil. Aí, realmente, a gente vê que está complicado. Sendo ano eleitoral, é aquela velha história, a gente tem que estar acreditando que as nossas autoridades vejam com respeito, com carinho, o Carnaval. A importância cultural do Carnaval. E não me venham com histórias de que algumas cidades do interior de São Paulo cancelaram o Carnaval, porque essas cidades nunca tiveram. Qual é a importância cultural e econômica do Carnaval para essas cidades? Praticamente nenhuma. A gente tem que olhar com essa diferenciação. Rio, São Paulo, Porto Alegre, cidades que culturalmente e economicamente dependem e muito do Carnaval. Nós estamos restabelecendo nossa vida. Estou em sala de aula há praticamente um ano. Posso estar em sala de aula cheia, mas não posso ter Carnaval. Acho que está na hora de deixar a hipocrisia de lado. E a vida continua independentemente de eleição. Essa visão eleitoral de tudo ‘não, agora não pode, porque tem eleição’ me incomoda um pouco. Eu acredito que tenhamos Carnaval e o povo do samba tem que lutar para que tenhamos Carnaval. Chega uma hora que nós da mídia carnavalesca devemos ter a nossa visão voltada para a ideia de que nós vamos ter Carnaval. E não ficar inventando historinha não, porque senão a gente não tem Carnaval nem hoje nem nunca mais.”

Hélio Rainho. Foto: Divulgação

O comentarista Hélio Rainho, um dos maiores incentivadores da arte dos passistas no Brasil, é mais um que pede cuidado redobrado: “Desde que tudo começou, afligiu-me em absoluto o fato de a escola de samba existir tendo por razão única e essencial a aglomeração. Não existe kizomba sem aglomeração! A escola de samba seria, desta forma, o evento cultural mais prejudicado e vitimado pela pandemia. O Carnaval de rua não me parece diferente. Me parece absolutamente claro que a combinação de uma abertura para um evento de aglomeração em proporções gigantescas somado à ignorância conceitual de um governo que abre as portas para não-vacinados do mundo inteiro poderia culminar numa catástrofe sanitária de dimensões descomunais! Se houver prudência e bom senso, lamentar-se-á o cancelamento da festa em lugar de se lamentar a morte de milhares de pessoas!”

Rainho alerta para o risco de politização partidária que pode prejudicar a melhor decisão sobre a realização ou não do Carnaval. “Já se pode perceber uma politização flagrante na incoerência das opiniões sobre o Carnaval em 2022. Estranhamente os que eram a favor de máscaras e álcool agora estão querendo escancarar tudo (ou alguém acredita em desfilantes com gel e máscara na avenida?). Por outro lado, os que queriam escancarar tudo no auge da pandemia de 2020 agora pregam contra o Carnaval. Em ambos os casos há muita tendenciosidade. Não se trata de dizer que há show gospel ou corrida de F1 e ‘sambar não pode’: o certo é o certo; deveria ser criticado todo tipo de aglomeração, e não aproveitar uma para liberar a outra. A politização brasileira é sempre um ato de conveniência, infelizmente isso está claro. Quanto ao ano eleitoral, acredito que alguns políticos mais temerosos serão mais prudentes: o próprio prefeito do Rio Eduardo Paes já denota clara tendência a acatar opiniões científicas mais próximas do evento e cancelar a festa.”

Claudio Francioni. Foto: Nicolas Renato Photography
Claudio Francioni. Foto: Nicolas Renato Photography

Claudio Francioni, que atua há anos junto a ritmistas e há muito tempo também desfila na Bateria, não desconsidera os números atuais da nova variante do coronavírus. E com razão, foram registrados mais de 1 milhão de casos em um único dia da variante ômicron no mundo. Isso pode colocar em risco a realização do Carnaval de 2022? Ele responde: “Acredito que sim. Os números da variante devem crescer por aqui em janeiro e, embora a letalidade seja baixa, pode ser que as autoridades pensem em um adiamento do Carnaval”

Francioni falou ainda sobre a possibilidade de as eleições do ano que vem influenciarem de alguma forma a decisão de ter ou não Carnaval. “Não deveria, mas acredito que sim. Os dados científicos deveriam ser preponderantes em todos os momentos, mas tenho dúvidas se algum político assumirá os riscos de uma decisão equivocada em um ano eleitoral.”

Bruno Moraes. Foto: Acervo pessoal
Bruno Moraes. Foto: Acervo pessoal

Bruno Moraes, que tem como marca pessoal sua seriedade, alto senso de responsabilidade e também milita no grande mundo da bateria, pede tranquilidade na tomada da decisão. Sobre o risco da variante ômicron na realização do Carnaval, ele opina: “Se houver um aumento relevante de casos, acho que não só o Carnaval, mas todos os eventos com aglomerações serão impactados. Shows, jogos de futebol, eventos privados e indo nessa lógica, o Carnaval da Sapucaí! Não podemos considerar que o Carnaval na Sapucaí é diferente de qualquer tipo de evento privado e vice e versa”. Bruno falou também sobre essa discussão se dar no mesmo ano de eleições. “Infelizmente a covid se tornou um tema relevante na política, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, vide a eleição nos Estados Unidos. A discussão de abrir economia, ‘gripezinha’, salvar vidas, liberdade e diversas outras, já faz parte de nossa rotina há quase 2 anos. Há alguns meses, vemos bolsonaristas, antes a favor da abertura dos eventos, criticar o Carnaval de 2022 e não criticar outros eventos de aglomeração, isso tudo por questão política somente. Há um certo racismo e preconceito social também, já que o Carnaval é feito por gente negra e de classes ditas inferiores. Atitudes absurdas foram tomadas pelo atual governo em relação à covid e certamente eles estão buscando justificativas para defendê-los.”

Rodrigo Di Mase. Foto: Arquivo Pessoal
Rodrigo Di Mase. Foto: Arquivo Pessoal

Para Rodrigo Di Mase, um dos jornalistas da redação do portal SRzd, o desfile das escolas de samba tem que ser tratado conforme as características de segurança sanitárias que pedem um espetáculo fechado:

“Mesmo diante das incertezas causadas pela pandemia do novo coronavírus em todos nós, desde seu início, já podemos dizer, frente aos números, que as vacinas não só salvam vidas, mas diminuem o contágio, evitam internações, evolução para casos mais graves e, evidentemente, óbitos. Assim, com a retomada de uma aparente normalidade, já que estamos ainda tateando no desconhecido, testando a durabilidade da imunidade após a aplicação das vacinas e convivendo com o surgimento das chamadas variantes do vírus, me parece contraditório proibir a realização de um evento de Carnaval num ambiente controlado. Se as autoridades têm dado anuência para shows, peças de teatro, cultos religiosos, cinemas e jogos em estádios de futebol, por exemplo, qual seria o argumento para não termos os desfiles nos sambódromos onde os mesmos protocolos podem ser adotados? Além disso, as escolas de samba já estão promovendo seus eventos nas quadras, o que seria, em tese, mais arriscado do que o espetáculo nas passarelas do samba, ao ar livre. De fato, a ausência de um protocolo nacional, já nos primeiros sinais dessa terrível experiência global, nos colocou nas mãos de interesses políticos, sociais e religiosos individuais ou de grupos, que têm, neste último período, trazido prejuízos profundos para nossa sociedade, deixando a razão e critérios técnicos nas marginais das decisões políticas e diretrizes públicas”, diz Di Mase.

Cadu Zugliani. Foto: Acervo Pessoal
Cadu Zugliani. Foto: Acervo Pessoal

O comentarista Cadu Zugliani nos traz também uma reflexão muito importante sobre a nova variante. “Eu acho que a ômicron chega antes. A grande questão da ômicron é que ela é bem mais branda, quase não causa internações e os resultados parecem ser bem melhores que os das anteriores. Além disso, pelo ritmo do avanço, ela chega bem antes, vai ser pós-Réveillon mesmo. A questão é se não vai causar um pânico prévio a ponto de se adiar antecipadamente o Carnaval”.

E sobre ser um ano eleitoral, Cadu foi direto ao ponto: “As eleições só mexem se a proporção da doença for grande. Temos que ver os efeitos dela para ter esta resposta”.

Marcelo Barros. Foto: Acervo Pessoal
Marcelo Barros. Foto: Acervo Pessoal

Para Marcelo Barros, que está sempre nos eventos das escolas de samba, a variante ômicron pode ser um risco para a realização do Carnaval. “Até aqui, todo efeito do coronavírus no mundo apresentou um retardo até chegar ao Brasil. E é pouco provável, em se tratando de uma variante com maior capacidade de contágio, que não avance aqui em poucas semanas. Todo esse cenário deve impactar na decisão sobre a realização do Carnaval e dos desfiles”.

Ele considera ainda que “a variável eleição 2022 é importantíssima na tomada futura de decisão. Assumir uma responsabilidade neste nível já é difícil. Com as urnas gritando em pouco tempo, fica ainda mais complicado. E, aliás, a realização dos desfiles tem se mostrado pouco forte junto à população, a ponto de a retirada da subvenção municipal das escolas de samba ter sido, talvez, a decisão mais aceita pela população carioca, tomada pelo ex-prefeito Marcelo Crivella”.

Raul Machado. Foto: Cláudio L. Costa

O editor Raul Machado, que acompanha os Carnavais de São Paulo e do Rio, também deu seu ponto de vista. “Qualquer opinião dada neste momento é mero palpite. Segundo o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e o secretário estadual de Saúde, Jean Gorinchteyn, hoje é prematuro dizer que o Carnaval de 2022 está ameaçado. É a fotografia do momento. Não há nenhum indicador de saúde que impeça a realização do Carnaval (mediante a protocolos, como outros eventos que já estão acontecendo normalmente desde a retomada). Obviamente, se houver uma situação da pandemia que coloque o Brasil em alerta, a Saúde cancelará, não apenas do Carnaval, mas como de qualquer atividade que gere aglomeração, uma vez que além da variante, as aglomerações podem gerar o nascimento de uma outra cepa, essa brasileira. Cabe dizer que quando se fala em Carnaval, é preciso se atentar que o desfile das escolas de samba não é um mundo à parte da pandemia, mas, sim, um evento feito com controle de acesso similar a outras atividades que estão sendo promovidas em todo o Brasil”.

Sobre ser um ano eleitoral, Raul pondera: “O que não é politizado hoje no Brasil? A política faz parte de tudo. A discussão sobre realizá-lo ou não precisa deixar o campo das preferências pessoais e partir para a racionalidade. Além de ser uma manifestação cultural multifacetada, o Carnaval movimenta a economia gerando emprego e renda. Há uma ampla campanha de negacionismo e preconceito contra uma das maiores manifestações culturais do Brasil. Ministério da Saúde, prefeitos e governadores precisam caminhar juntos. Mesmo em ano eleitoral, é necessário que a decisão seja tomada sem politicagem. Há segurança para a realização de eventos de Carnaval? Essa deve ser a pergunta. A resposta deve ser condicionada aos índices epidemiológicos e do avanço do processo de imunização. Vamos acreditar que os gestores públicos agirão com responsabilidade. Vale lembrar que nos últimos meses, ministros e apoiadores da gestão de Jair Bolsonaro, incluindo o presidente, passaram a defender a não realização do Carnaval. O padrão de resposta é contrário ao dos últimos quase dois anos de pandemia, quando o governo se manteve crítico a políticas de isolamento social. O Carnaval é apenas mais uma delas e será usado na política qualquer que seja o desfecho”.

Rachel Valença. Foto: SRzd
Rachel Valença. Foto: SRzd

Rachel Valença, professora, pesquisadora e escritora, ressalta as diferenças entre o desfile de escola de samba e o Carnaval de Rua: “Acho que o que vai acontecer na cidade na festa de Reveillon é um bom teste. É preciso avaliar a resposta à inevitável aglomeração de pessoas na rua e em comemorações particulares para determinar a segurança do Carnaval. Mas é preciso também fazer uma diferença entre o desfile das escolas de samba e o carnaval de rua: no desfile o acesso tanto dos protagonistas quanto da plateia pode ser controlado, enquanto no carnaval de rua isso é inviável. Um aspecto, porém, precisa ser levado em conta: o Carnaval é nossa cura. A alegria da festa nos alimenta e nos faz ter certeza de que a vida vale a pena. No meio de tanta tristeza e privação, o carnaval seria um sopro de vida muito importante nesta hora. um ano eleitoral, lamentavelmente, tudo gira em torno de interesses políticos. Acontece que, mais do que um folguedo, mais do que uma forte manifestação cultural, o Carnaval é indissoluvelmente ligado à economia do Rio de Janeiro. Milhares de pessoas dependem direta ou indiretamente da cadeia produtiva do carnaval. Cabe aos governantes fazer essa gigantesca máquina voltar a funcionar, mantendo a segurança sanitária. Comitês de especialistas podem ajudar a pensar nessa fórmula, desde que haja vontade política”, defende Rachel.

E, você, o que pensa a respeito?

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