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A vida nada mole dos garotos de programa

Alan tem aparentemente 25 anos. Corpo malhado sem excessos e olhos puxados que não escondem a ascendência oriental na família misturada. “Tem índio, japonês e goiano”, conta. Alan veio do interior de Goiás para o Distrito Federal a fim de estudar e trabalhar. É universitário, mas não revela o curso, nem a instituição. “Que isso? Não posso te dar pistas”.

Alan trabalha quase que diariamente. Não bate ponto. Mas frequenta assiduamente espaços reservados para flertes masculinos na cidade. Festas, saunas e cinemas. Entre ele e o cliente não existem intermediários (a tradicional figura do cafetão ou cafetina). Nenhum desses estabelecimentos lucram diretamente com seus serviços.

Quem me indicou Alan foi um conhecido cliente. Eles se encontram regularmente desde 2015, nem sempre para fazer programas. Tornaram-se amigos. Marquei com os dois num bar ao lado de uma das saunas de Brasília, onde Alan aparece como um suposto cliente. Entra, compra a chave e lá dentro a sua missão é seduzir. “Converso desde que não tenha fotógrafos”.

Quando chega, Alan é recebido com carinho pelo amigo. Parecem bem íntimos. Ele pergunta sobre alguém muito próximo de Alan. A impressão é de que essa pessoa se recupera de uma doença delicada. O rapaz troca o semblante. Mostra-se preocupado. Os dois sentam no bar, tomam um drinque e conversam longamente. Espero o tempo necessário numa mesa ao lado. Aos poucos, o jovem volta a exibir o sorriso vasto, uma das marcas de sua sedução, e dirige-se a mim.

Nem todos resistem às investidas, ele avisa. Com o sorriso no rosto, Alan costuma dizer que metade do caminho está traçado. O próximo passo é fazer com que o cliente se renda ao desejo e pague por ele. Sim, Alan é um garoto de programa (prefere ser chamado de “boy”) e se diz tranquilo com a opção. A sua hora costuma custar R$ 50, mas a depender da “ansiedade” do cliente pode ser inflacionada.

Alan admite-se sexualmente livre. O seu dilema é “estou aí para qualquer coisa”. Sabe que é extremamente sexual. Diz não conseguir ficar sem sexo por mais de 24 horas. “Quando percebi essa minha natureza, optei pelo comércio do sexo. Alio as duas coisas”.

A maioria dos seus clientes é de homens maduros, alguns idosos. Muitos são casados e reprimidos. Alan é adorado por essa clientela porque se diz carinhoso e muito discreto. Uma vez, num shopping, passou por um cliente que tinha feito programa no dia anterior. Era um almoço de família. Ele com a esposa, filhos, filhas, noras, genros e netos. “Senti que ficou tenso, todo avermelhado. Eu fiz que não o conhecia. Dias depois, ele me ligou e disse: você é o amante que pedi a Deus”.

Preconceito é o pior inimigo

Alan foi um dos cinco garotos de programa com que conversei nos últimos 15 dias. Todos pediram para trocar o nome de identificação (geralmente, eles já usam um de guerra). Prometi também, em nenhum momento, revelar local, endereço, ou dado que os exponham. Também não gravei nem anotei nada. Tampouco acionei fotógrafos.

Respeito a desconfiança dele sobre o risco dessa reportagem e prometo não julgá-lo: que cada um tire suas conclusões.

Cliente é tudo

No dia em que encontrei Alan, conversei com Marlos pelo telefone. Encontrei o contato dele num site que oferece serviços de acompanhante no DF. Ele se diz “liberal”, atende a casais e tem um lugar seguro para encontro. Nos encontramos, num café de um shopping.

Porte atlético, com pinta de modelo, Marlos se diz um dos melhores profissionais de sexo do DF. “Atendo no meu apartamento. É discreto e preparado para receber clientes. Isso já é um diferencial. Recebo com velas aromáticas, um drinque gelado, não tem um clima de abatedouro”.

Marlos explica que Brasília é uma cidade exigente, que requer uma discrição maior por parte dos garotos de programa. Ele trabalhou em São Paulo, em Belo Horizonte e em Salvador: os clientes não eram tão “noiados” como os da capital federal. Conta que há muitos com cargos no governo e um escândalo seria o fim de carreira.

Quando cliente de primeira vez chega, ele costuma mostrar o celular desligado e sem bateria para garantir que não haverá risco de filmagens clandestinas. “Como um bom profissional, preciso passar segurança. O sigilo é fundamental. Por isso, não posso me expor num site de notícias, como o Metrópoles. Me vejo como um prestador de serviço e tento fazer tudo com qualidade”.

A hora de Marlos é bem mais cara que a de Alan: R$ 150 com o apartamento incluso e alguns mimos por conta da casa. Não costuma fazer vários programas durante o dia. Acha desgastante. Já chegou a cumprir uma maratona de três, mas perdeu em qualidade e o cliente exigente não voltou. Ele também promete uma massagem relaxante com óleos aromáticos e um bom papo. Relata que uma vez a coisa fluiu tão bem que serviu um espaguete caseiro ao cliente. Tem nível superior e costuma ser contratado para ser acompanhante.

Marlos tem um relacionamento sério com uma mulher, professora universitária, que conheceu numa balada gay. Foi lá para caçar um programa e acabou na cama com a futura companheira e o melhor amigo dela.

Marlos e Alan não trabalham na rua. A prostituição nas vias de Brasília é considerada, por ambos, perigosa. “Assim como há um histórico negativo de garotos de programa que roubam e até matam clientes, existem contratantes psicopatas. Num ambiente fechado, não atraímos esse tipo de figura”, avalia.

Perdido na noite

Em busca de um garoto de programa que se prostitui nas ruas, circulo à noite entre o Setor de Diversões Sul (Conic) e a Rodoviária. A região, antigamente batizada de “Feira do Cu”, está vazia. Não é mais vista como na década passada.

O fato de Brasília não ter uma zona demarcada para a prostituição promove uma movimentação dos espaços. O Setor de Diversões Sul que era dominado pelos rapazes, agora está vazio. Houve uma migração. Talvez, para o mercado virtual (web, aplicativos de paquera como Grindr, Scruff, Tinder, Hornet, além do WhatsApp e Instagram). Alguns se identificam com as letras GP (garoto de programa).

Nas imediações da Praça Zumbi dos Palmares, um homem solitário se expõe. São quase 22h de uma quinta-feira e o movimento de vai e vem é bem diminuto. Paro perto de uma vitrine. Vejo no reflexo que ele se aproxima. Vou chamá-lo de Ricardo. Está ali em busca de programa, mas diz estar meio perdido. Identifico-me como jornalista. Ele prefere ir embora. Prometo sigilo.

Ricardo trabalha e faz programas em dias de folga para complementar a renda. “Havia um cinema pornô no Cruzeiro que facilitava a minha vida. Mas infelizmente fechou. Tenho uma lista de clientes. Mas, às vezes, não casa de a gente se encontrar na hora. Hoje, vim aqui arriscar. Preciso pagar as contas”.

Homem maduro, talvez beirando os 35 anos, Ricardo propõe o programa variando entre R$ 20 (sexo oral como ativo) e R$ 50 (sexo ativo). Não faz sexo anal passivo de jeito nenhum. “Sou carinhoso. Sei tratar bem um viado. Eles me pagam com gosto”.

Pergunto a Ricardo se os clientes tomam alguma precaução quando saem com ele. Se sentem medo que ele possa fazer algo.

Ricardo nunca sofreu violência nem nunca violentou ninguém. O máximo que aconteceu foi abandonar um carro de cliente no Parque da Cidade porque o cara queria que ele fizesse sexo anal passivo. “Ele dobrou o preço do programa. O que acontece é que não sou viado. Não tenho desejo de fazer sexo anal. Não deu galho porque sou da paz. Mas nem todos são. Existem os aventureiros que não têm nada a perder. Os caras tocam um ‘boa noite, Cinderela’ e aí rola toda a desgraça”.

Legalização é tema engavetado

No Brasil, prostituir-se não é crime, mas organizar e lucrar com comércio do sexo não são ações permitidas por lei. A presença de menores (crime hediondo) é o maior risco apresentado por uma rede de prostituição não legalizada. Em alguns países, a regularização da profissão coibiu a entrada de meninos e meninas, baniu os aventureiros e diminuiu o flerte com marginalidades perigosas, como o tráfico de drogas. Por aqui, o projeto está no Congresso Nacional engavetado a sete chaves.

Alexandre acredita que se houvesse uma descriminalização da prostituição se sentiria mais protegido. Ele anuncia só programas com mulheres num site de pegação. Faz menos programa do que os garotos “liberais”. Conta que as mulheres não gostam de sair com boys que transam com homens. “Elas têm preconceito. Não é um mercado muito grande. Mas atendo a várias, algumas idosas”. O que elas não sabem é que Alexandre faz programas com homens para aumentar a renda. “É na moita”.

Em comum, os cinco garotos entrevistados pelo Metrópoles deixam um recado: “Não é mole a vida de um garoto de programa”.

 

*Texto originalmente publicado no site Metrópoles

 

Sérgio Maggio

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