PF: A descoberta dos planos do PCC contra Moro e a produção de provas

Polícia Federal. Foto: Divulgação - PF

Polícia Federal. Foto: Divulgação – PF

Na manhã de quarta-feira (22) a Polícia Federal de Curitiba deflagrou a Operação Sequaz, que tem como alvo integrantes do PCC que, segundo informações prestadas pelo órgão, estariam planejando assassinatos e extorsões mediante sequestros contra servidores públicos e autoridades, além de seus familiares, em quatro Estados e no Distrito Federal, incluindo o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro e o promotor de justiça Lincoln Gakiya, ambos responsáveis anteriormente pela condução de investigações sobre a facção.

O nome da operação faz referência ao ato de seguir, vigiar, acompanhar alguém, em razão do método utilizado pelos investigados para o levantamento das informações sobre as potenciais vítimas. Ironicamente (ou não), foram os trabalhos de vigilância realizados pelas autoridades públicas ao longo dos últimos meses que permitiram a confirmação das diligências de campo realizadas pela polícia sobre a identidade dos suspeitos, suas atribuições e a arquitetura do plano.

De acordo com a representação policial, enviada à 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR, a partir dos dados telemáticos e de interceptações telefônicas foram identificados como e quando seriam iniciados os ataques, cujos termos foram analisados em conjunto com anotações encontradas em contas de e-mail, comprovantes de pagamento, contratos e análise da triangulação de antenas de celulares (ERBs).

Independentemente dos desdobramentos políticos que a operação deflagrada tem acarretado nos últimos dois dias, fato é que as diligências policiais foram indispensáveis para a descoberta rápida e efetiva da atividade criminosa, como é esperado pela sociedade.

Se observarmos por este prisma, grande parcela dos leitores concordará ser esperado que as autoridades públicas desenvolvam novos métodos de investigação para alcançar artimanhas criminosas, a fim de que seja possível coibir, nesta rapidez e efetividade, as condutas em andamento.

De outro ponto de vista, certamente a mesma parcela de leitores sentirá desconfortável com a sugestão de que, sem autorização judicial expressa, sua geolocalização poderá ser controlada ativamente por autoridades públicas ou que, independentemente do motivo das apurações, ao longo de uma investigação policial, fossem espelhadas suas conversas de WhatsApp dos últimos meses, ou mesmo substituído o chip do seu celular por um número controlado pela polícia para verificar as atividades daquele aparelho.

É bem verdade que o sistema de proteção dos direitos e garantias tem base principal na Constituição Federal (Art. 5º, inciso LVI e XII), bem assim que o sistema criminal deve respeitar determinados limites para a produção de provas, contrabalanceando a privacidade e intimidade do indivíduo, o seu direito à não autoincriminação e a garantia de que as provas produzidas são fiéis ao seu conteúdo originário, isto é, que foi preservada o que se chama de cadeia de custódia da prova.

Entretanto, é absolutamente dinâmica a criação de novos artifícios criminosos e de formas de desvirtuamento das novas tecnologias, não sendo demais indicar que os métodos investigativos, e a interpretação específica da legislação, por evidente, não acompanham par e passo o desenvolvimento tecnológico.

Nesse sentido, relembro, a exemplo, que em 2021 a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão em caso em que dois indivíduos foram denunciados pela prática do crime de corrupção, a partir do espelhamento e print de telas com diálogos de WhatsApp entregues por

denunciante anônimo. Na oportunidade, a prova, obtida pelo espelhamento de conversas de WhatsApp, foi considerada ilícita, tendo em vista que “a ferramenta permite o envio de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas ou recentes, tenham elas sido enviadas pelo usuário ou recebidas de algum contato, sendo que eventual exclusão não deixa vestígio no aplicativo ou no computador” (RHC 99.735).

Em 2017, o mesmo Tribunal entendeu que o sem o consentimento do réu ou prévia autorização judicial não é válida a prova colhida de forma coercitiva pela polícia. Naquele caso, enquanto os policiais abordavam dois homens que lhes pareciam suspeitos, o celular de um deles recebeu uma ligação. Os agentes, na oportunidade, teriam exigido que o aparelho fosse colocado no modo viva-voz e ouviram a mãe do suspeito pedir a ele que voltasse para cara e entregasse certo “material” a uma pessoa que o aguardavam. Ao acompanhar o suspeito até sua residência, os policiais encontraram 11 gramas de crack acondicionados em 104 embalagens plásticas.

Na decisão, que entendeu pela ilicitude da prova coletada, o Ministro Relator Joel Ilan Paciornik esclareceu que a prova coletada dependeu da informação obtida pela autoridade policial e “relato dos autos demonstra que a abordagem feita pelos milicianos foi obtida de forma involuntária e coercitiva, por má conduta policial, gerando uma verdadeira autoincriminação. Não se pode perder de vista que qualquer tipo de prova contra o réu que dependa dele mesmo só vale se o ato for feito de forma voluntária e consciente, e quem, por si só, imprimiria o ato de expor sua conversa privada “em alto e bom som” para que a autoridade pudesse ouvi-la?” (RE 1.630.097).

Entendidas essas questões, ao leitor talvez esteja mais evidente o senso crítico para refletir sobre as novas acusações apresentadas pelo Ministério Público de Contas, que entregou na última terça-feira representação ao TCU para apuração de denúncias acerca do uso de programa secreto por parte da Abin para monitorar, sem justificativa, a localização de aproximadamente 10 mil pessoas no Brasil ao longo do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Considerando que tanto a autora quanto o leitor podem ser (quem sabe?) parte desse grupo de pessoas, aprofundaremos esse assunto na matéria da próxima semana.

Bruna Fernanda Reis. Foto: Fábio Torres
Bruna Fernanda Reis. Foto: Fábio Torres

*Bruna Fernanda Reis é advogada

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