Cheryl Berno. Foto: Acervo pessoal

Cheryl Berno

Advogada, Consultora, Palestrante e Professora. Especialista em direito empresarial, tributário, compliance e Sistema S. Sócia da Berno Sociedade de Advocacia. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, Pós-Graduada em Direito Tributário e Processual Tributário e em Direito Comunitário e do Mercosul, Professora de Pós-Graduação em Direito e Negócios da FGV e da A Vez do Mestre Cândido Mendes. Conselheira da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

Ministros do STJ restringem direito a tratamentos médicos

Os Ministros do STJ – Superior Tribunal de Justiça, por maioria, decidiram hoje, 8/6, que os planos de saúde só tem que pagar procedimentos listados pelos técnicos da Agência Nacional de Saúde – ANS. Caso o procedimento recomendado pelo médico para salvar a vida ou curar o paciente não esteja no rol da ANS, o plano não tem que cobrir. Entenderam os ministros Luis Felipe Salomão, o relator, Maria Isabel Gallotti, Marco Aurélio Bellizze, Raul Araújo, Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi que a cobertura só deve ser feita se estiver no rol, que é taxativo e não exemplificativo, segundo eles. Ficaram vencidos no julgamento da 2ª Seção, a Ministra Nancy Andrighi, o Ministro Paulo Tarso Sanseverino e o Moura Ribeiro. Até a Dona Benta do Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato, foi lembrada pelo ministro ao defender os usuários dos planos de saúde: “O mundo é habitado por homens e não por anjos.” Mas, nem isso e nem o voto muito bem fundamentado da decana Ministra Nancy, que defendeu que os lucros não devem se sobrepor à saúde e à vida, adiantaram. A maioria entendeu que os planos são comerciais e visam ao lucro cabendo às pessoas pagarem pelos procedimentos que os técnicos da ANS não listarem, ainda que os médicos entendam que é o tratamento que pode curar o doente.

Para o ministro que puxou o voto a favor dos planos de saúde, Luis Felipe Salomão, as empresas podem ter prejuízos se o judiciário entender que os planos de saúde devem pagar os tratamentos que os médicos recomendarem. Mas, a ministra Nancy Andrighi, rebateu todos os argumentos tendo mencionado os lucros bilionários das empresas e que não se justifica que o consumidor contrate um plano para ter um tratamento que depois lhe seja recusado porque a ANS não o incluiu taxativamente em seu rol de procedimentos. Ao ser contestado que o lucro bilionário das empresas não importa ao judiciário, a Ministra deixou claro que a sua posição é jurídica e fundamentada na Constituição Federal, no Código de Defesa do Consumidor e demais leis aplicáveis, mas mesmo assim a sua posição restou vencida.

Para não ficar tão cruel, os Ministros fizeram uma ressalva, dizendo que embora o rol seja taxativo, ou seja, a empresa de saúde só esteja obrigada a cobrir o que consta na tal lista da ANS, se o coitado do doente provar na justiça com laudos médicos robustos e bem fundamentados, que não existe mesmo outro tratamento listado, pode ser que um juiz conceda o direito, isto se a pessoa sobreviver a esta burocracia e a este processo mesmo doente. Os ministros falaram que será necessário que o doente prove que o tratamento não foi incorporado, mas é eficaz, foi recomendado, sugerindo o diálogo entre juízes, médicos, pacientes e demais envolvidos, o que na prática não funciona muito bem assim.

Esta decisão deixará milhares de pessoas sem o tratamento adequado e mais moderno, até mesmo no SUS, que segue o rol na ANS em suas coberturas também, porque é humanamente impossível que os técnicos da ANS incluam na lista todos os procedimentos médicos e odontológicos disponíveis, logo que são liberados os tratamentos. Muitas vezes demora anos para um tratamento entrar na lista. Com esta decisão muita gente vai pagar um plano a vida inteira e quando de fato precisar vai descobrir no pior momento que tem o tratamento mas, o plano não é obrigado a cobrir. Quem é que antes de contratar o plano vai olhar centenas de procedimentos e vai prever que um dia vai ficar doente e precisar de um tratamento cujo nome não sabe nem pronunciar? Faltou aos Ministros do STJ mais interação prévia com a sociedade.

Muitas vezes parece que nem toda autoridade têm noção da vida real, da vida como ela é, principalmente quando se está doente ou com um ente querido precisando de um determinado procedimento médico. A pessoa e as famílias já estão vulneráveis, com dor e muitas vezes em situação de emergência, porque a doença ou o acidente pode causar a morte. A decisão do STJ demonstra claramente o distanciamento entre os julgadores e os cidadãos comuns, que sofrem todos os dias mesmo pagando assiduamente um plano de saúde por anos. Colocar o doente em confronto com o plano e a justiça quando ele mais precisa e está mais vulnerável fere o direito à saúde previsto na Constituição Federal do Brasil. Espera-se que a decisão possa ser revista pelo STF (Supremo Tribunal Federal), se houver recurso e for aceito pelos mesmos ministros que negaram o direito ao tratamento médico esteja ou não no rol da ANS.

Quem mais vai sofrer é quem tem doenças e câncer raros, cujos tratamentos muitas vezes não constam na ANS. Um exemplo é o quimioterápico Mitotano, utilizado faz 40 anos, no tratamento adjuvante para câncer de adrenal, que não consta e mesmo sob demanda não foi incluído na lista. Neste caso, mesmo sendo o único tratamento disponível, indicado por especialistas no Brasil e no exterior, poderá não ser coberto pelo plano e cada caixa do medicamento custa em torno de R$ 1.300,00. Nesse caso caberá ao paciente pagar o tratamento de cerca de cinco caixas ao mês ou tentar provar que não existe outro tratamento similar no rol da ANS, que é indicado, conseguir laudos médicos muito bem fundamentados, isso dentro do prazo mínimo para o início da quimioterapia, porque se passar da janela entre a cirurgia e o início do tratamento, já não adianta mais, o câncer pode voltar e a pessoa morrer.

O STJ mesmo sendo o Tribunal da Cidadania deixou o cidadão nas mãos da ANS e dos planos. Já os acionistas e donos das empresas de saúde, que têm tido lucros recordes, têm muito para comemorar porque a ANS além de não incluir todos os tratamentos disponíveis no rol ainda autoriza aumentos além da inflação.

Agora resta pressionar a ANS e a CONITEC, uma comissão nacional ligada ao Ministério da Saúde, que analisa as inclusões na tal lista de coberturas, para que incluam mais procedimentos e que isto possa se dar de forma automática, sem ter que esperar meses, até porque quem tem câncer, por exemplo, não pode esperar. Cabe ainda cobrar a lei dos deputados e senadores, para obrigar os planos a pagarem os tratamentos que os médicos indicarem, porque as pessoas contratam um plano de saúde para terem o melhor tratamento quando estiverem doentes, não só na saúde.

Maiores informações no site www.stj.jus.br:  recursos – processos EREsp nº 1886929 / SP (2020/0191677-6) autuado em 07/04/2021 e EREsp nº 1889704 / SP (2020/0207060-5) autuado em 27/05/2021. E-mail: [email protected]

 

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