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O prefeito Marcelo Crivella tem sido vítima de intolerância religiosa?

A decisão do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, de se ausentar da cidade para viajar à África do Sul nesta Páscoa motivou uma enxurrada de críticas nas redes sociais. Ele esteve em Joanesburgo, Durban e Cape Town. A viagem ganhou uma dimensão maior depois que o próprio Crivella publicou um post na sua página do Facebook:

 

Perfil de Marcelo Crivella. foto: Reprodução

Crivella esteve em três estádios. “Me lembro de uma frase: Muitos vieram à África explorar o ouro. Nós viemos trazer o ouro: Jesus”, disse o prefeito.

Crivella também postou um dos vídeos do seu tour. O que ele entra no estádio Ellis Park, em Joanesburgo, ao lado do bispo Marcelo Pires, da Igreja Universal.

O prefeito foi elogiado por fiéis da Universal, mas bastante criticado por pessoas que não consideraram correto ele deixar a cidade para participar de um evento que, em tese, não traz benefícios para os cariocas. Ele se apressou em dizer que a viagem teve motivação pessoal e não foi custeada pela prefeitura.

A viagem reabriu a discussão depois que um leitor escreveu ao SRzd defendendo o seguinte argumento: se o prefeito fosse católico e tivesse ido ao Vaticano visitar o papa Francisco, ele seria tratado pelas pessoas da mesma forma?

Na opinião do leitor, existe preconceito, discriminação e intolerância religiosa quando se trata de tudo o que envolve o nome do  prefeito Crivella. Será?

A professora do Programa de Pós-graduação em Cultura e Territorialidades, do Departamento de Sociologia do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, da Universidade Federal Fluminense, Christina Vital da Cunha, uma das autoras do livro “Religião e Política: medos sociais, extremismo religioso e as eleições 2014”, lançado em março deste ano, considera importante entender as diferenças de conceito para se analisar cada caso. 

Christina Vital da Cunha. Foto de Arthur Custódio

Para ela, para começar existe uma certa confusão do que é “preconceito” e do que seja “intolerância religiosa”. “Preconceito é um sentimento negativo, uma dúvida moral em relação a pessoas e/ou grupos e instituições. Uma pessoa pode ter preconceito, mas não exercer nenhuma violência em razão de valores que a orientam, como valores humanistas que informam sobre a importância de respeitar qualquer pessoa de raça, credo ou nacionalidade diferentes da dela própria, ou mesmo valores religiosos (cristãos, por exemplo, inspirados nas práticas de Jesus registradas na Bíblia nas quais acolhe os que são rejeitados e discriminados pelo sistema). Então, ainda que sinta medo ou que duvide moralmente do outro, aquela pessoa que sente preconceito pode se orientar por valores que impulsionam ao respeito em relação a todo e qualquer cidadão ou a toda e qualquer criatura que recebeu a mesma oportunidade de viver”, diz ela.

“Já a intolerância religiosa é uma atitude violenta. Esta atitude pode ser perpetrada em relação a um indivíduo ou em relação a coletivos, grupos, instituições. Tem em sua base preconceitos, falta de informação em relação a estes mesmos indivíduos ou grupos, mas não orbita só na ordem de um julgamento moral interno. A intolerância é uma prática violenta em relação aos outros, é um crime. Esta ação violenta se apresenta em palavras e delitos tipificados no código penal brasileiro como agressões físicas, vilipêndio e invasões e depredações de patrimônio privado ou público. Uma coisa nunca pode ser tomada pela outra. Em uma nação diversa não podemos obrigar ninguém a pensar como o outro, a querer estabelecer relações de sociabilidade e afetividade em relação a outras pessoas. No entanto, em uma sociedade democrática, que preza pela diversidade, que a entende como produtiva cultural, social e economicamente, o respeito ao outro é fundamental.

Então, se você não gosta da religião do outro, se você acha que uma pessoa é obtusa porque tem religião, se você a julga menos evoluída porque tem esta e não aquela prática religiosa o direito é dela. O que não pode é ela, em razão deste preconceito, achar que suas crenças devem prevalecer sobre um conjunto diverso de seres humanos.

Se você não gosta da religião do outro, se você acha que uma pessoa é obtusa porque tem religião, se você a julga menos evoluída porque tem esta e não aquela prática religiosa o direito é dela. O que não pode é ela, em razão deste preconceito, achar que suas crenças devem prevalecer sobre um conjunto diverso de seres humanos.

Ela tem o direito de estabelecer laços fortes com os seus iguais, mas o que ela não pode é vilipendiar e agredir física e verbalmente o outro porque não pensa igual a ela. Mas é verdade que esta linha é tênue entre preconceito e intolerâncias (sejam religiosas ou de cunho sexual, racial e outras). Por isso, os investimentos na informação sobre os diferentes grupos que convivem em sociedade, sobre as diferentes práticas religiosas e sobre a possibilidade de se viver sem religião são tão importantes. As campanhas publicitárias e as ações na educação de base são fundamentais para formar uma mentalidade que respeita e valoriza a diferença. Isso não quer dizer que as pessoas não terão as suas crenças e valores forjados em diferentes interações, mas quer dizer que um princípio fundamental é respeitar e entender escolhas”, completa Christina Vital da Cunha.

Pastor Joaquim José da Silva. Foto: Arquivo Pessoal

Para o pastor Joaquim José da Silva Junior, da Igreja Batista do Campo dos Afonsos,  Zona Norte do Rio, se o prefeito Marcelo Crivella fosse católico não existiriam tantas críticas.

“Evidentemente que ele não sofreria. O povo veria com bons olhos e aplaudiria a religiosidade do prefeito por ele ter ido a Roma em data tão significativa pedir a bênção papal para a cidade sofrida do Rio de Janeiro. O prefeito Crivella foi missionário na África por cerca de 10 anos tendo organizado congregações em diversos países daquele continente. Voltou para fazer visita e reafirmar a fé dos que lá estão: ele, antes de prefeito, é um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus. Após ser eleito prefeito, viajou para Jerusalém e foi ao Monte do Templo, Muro das Lamentações colocar seu pedido de oração em favor de um governo justo voltado para as pessoas. De igual modo foi criticado. Durante os dias de Carnaval ao invés de ir ao Sambódromo, se confraternizar com os foliões, de forma compatível com o esperado pela sociedade, preferiu ficar trabalhando em prol da cidade. Não se escusou em ir ao hospital visitar os feridos do carro alegórico”.

Mas será que os brasileiros também encaram com estranheza as crenças religiosas com matriz africana? Perguntamos isso ao professor Carlos Nobre, da PUC do Rio:

Carlos Nobre. foto: Twitter

Professor, alguns dizem que os evangélicos sofrem perseguições tanto quanto os adeptos de religiões de matriz africana. O senhor concorda com esta afirmação?

Isso não se confirma na atualidade, pois, os evangélicos foram assimilados pela sociedade brasileira, ou seja, são admitidos como religiosos de olhar diferente do catolicismo. A participação de homens/mulheres de trajetórias importantes neste ramo religioso tende a amenizar uma reação contrária a eles.

O prefeito Marcelo Crivella foi atacado nas redes sociais porque foi à África professar sua fé. Se Crivella fosse católico e tivesse ido ao Vaticano ele sofreria críticas do mesmo modo?

Acredito que não. A África é ainda um mito, um tabu, para a sociedade brasileira. Determinados setores brasileiros vêm a África como continente atrasado, doente, sem desenvolvimento e história precária. Ao valorizar a África de certo modo, o prefeito optou pelo enfrentamento já que sabe que a África tem uma visão negativa da sociedade brasileira.

 Podemos observar um preconceito em relação aos evangélicos em nossa sociedade. Este preconceito é fruto, em parte, de uma sensação de invasão. Sendo assim, há uma parte da sociedade que reage aos evangélicos de modo intencional ou não em razão de uma cultura secular que foi forjada em um seio cultural hegemonicamente católico. Então se sentem invadidos por este outro que advoga práticas sociais e místicas distintas das que estavam acostumados”, diz Christina Vital.

“Há também um preconceito de classe em relação aos evangélicos. Durante muitos anos, os evangélicos, sobretudo pentecostais, foram associados à pobreza, à baixa escolaridade, ao subdesenvolvimento. Integrantes das camadas médias urbanas e das elites rejeitam os fiéis e a institucionalidade evangélica de modo, às vezes, acintoso em razão de preconceitos de classe. Os evangélicos se queixam desse preconceito que lhes pesa nos ombros e têm a história e dados empíricos atuais a seu favor. Com base nisso e em uma leitura bíblica, às vezes ativada como uma estratégia política, várias são as lideranças e políticos evangélicos que se dizem perseguidos (como fora Jesus em sua época), alvo de preconceito. Temos que separar as coisas e entender o que é um incômodo cultural, estratégias políticas e interesses institucionais e religiosos. Sendo assim, temos que analisar qual a base das críticas que estão sendo feitas às missões evangélicas, sobretudo as pentecostais e neopentecostais, em países da África. Há críticas, não baseadas em preconceitos, mas em perspectivas políticas divergentes, de que a ação de vários grupos de religiosos lá é nociva à sociedade local porque se alia a ditadores, porque exacerba valores ocidentais capitalistas ao invés da valorização dos costumes e práticas positivas locais. Enfim, temos que ficar atentos ao que é preconceito, que deve ser relativizado e combatido, e o que são posicionamentos críticos em relação a estratégias políticas e institucionais.”

Sidney Rezende

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