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Limitações técnicas para o país do futuro: partidos e eleições 2022 no Brasil

O ano de 2021 no Brasil foi marcado, em primeiro momento, pelo arrefecimento da pandemia do novo Coronavírus, que coincidiu com o início da vacinação no país. 60% da população se encontra totalmente imunizada (com uma ou duas doses de diferentes vacinas) e as taxas de contaminação e mortalidade atingiram os menores índices aferidos durante a pandemia.

Por outro lado, o relaxamento progressivo do distanciamento social e o reinício gradual das atividades coletivas não implicou uma retomada vigorosa da economia. Na maior parte do ano, os agentes econômicos patinaram com desempenho similar ao ano de 2020. Em contraste com as outras economias do G-20, o Brasil registrou contração do PIB no segundo semestre.

A perda gradual de controle do Planalto sobre políticas macroeconômicas se mostrou uma variável mais impactante do que a pandemia. As políticas de auxílio propostas pelo Legislativo e adotadas pelo governo federal tiveram seu escopo reduzido ao longo de 2021. Ao passo que milhões de pessoas retornaram à pobreza, o país viu um crescimento acentuado da inflação (atingindo os maiores índices do século) e desvalorização significativa do Real. No plano externo, tanto os investimentos quanto a balança comercial não oscilaram significativamente frente a 2020. Num período de invisibilidade da diplomacia brasileira, novas parcerias não foram auferidas e o país enfrentou constrangimentos nos fóruns globais – como a reunião do G20 e a cúpula da ONU sobre mudança climática (COP-26).

O crescimento acentuado da carestia corroeu a popularidade do governo de Jair Bolsonaro. Rejeitado por mais de metade do eleitorado, o presidente se viu mais dependente da agenda do presidente do Congresso Arthur Lira (PP) e dos partidos que compõe o Centrão. Essa dependência, ao fim do ano, se tornou mais visível com a votação da PEC dos Precatórios e a filiação de Bolsonaro ao PL, um dos partidos mais atingidos pelo escândalo do Mensalão. O partido será a 10a agremiação do mandatário.

O enfraquecimento de Bolsonaro abriu as portas para o fortalecimento de alternativas. 2021 viu o retorno das manifestações de rua, à medida que a vacinação avançava. As manifestações de 2021 – tanto as organizadas pelo governo quanto por grupos opositores – mobilizaram pequeno número de pessoas em comparação com o passado recente (como as Diretas-Já, os Caras-Pintadas ou 2013).

Não obstante seus números modestos, as manifestações reabriram o debate político brasileiro no contexto da pandemia. As principais candidaturas oposicionistas mediram suas ambições contra o pano de fundo das ruas. Líder das pesquisas, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) manteve cautelosa distância das manifestações, acompanhado por outras agremiações da esquerda. João Dória (PSDB) e Ciro Gomes (PDT) foram às ruas, em busca do status de lideranças da Terceira Via. Em Novembro, o ex-juiz Sérgio Moro se filiou ao Podemos e iniciou sua campanha presidencial após o arrefecimento das manifestações. Destacados oposicionistas – o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD), o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) e a senadora Simone Tebet (MDB), uma das estrelas da CPI da Pandemia – também deixaram no ar suas pré-candidaturas.

A Nova República se tornou mais conservadora ao longo do mandato de Bolsonaro e da pandemia. As agremiações, tanto de esquerda quanto de centro e direita, erguem bandeiras anteriores aos embates de 2013, ou mesmo aos de 1992 ou 1984. Além do enfrentamento da pandemia, o país debate o retorno da inflação, a perda de competitividade da indústria, a criação de programas sociais de combate à pobreza e a perda de relevância no plano externo. Ambições da década passada – compatíveis com um país emergente – se conformam agora ao pragmatismo de um país estagnado e contraditório, que busca fôlego em meio à pandemia. Nesse quesito, a coincidência das plataformas disponíveis é sinal de preocupação para o futuro da democracia brasileira. Essa insatisfação foi resumida na capa da revista Veja (título “Basta!), que reclama: “O país precisa de alguma grandeza…”.

Por outro lado, a presença de um chão comum de preocupações ao longo de todo o espectro político fornece algo mais do que transversalidade para as conversas políticas de 2022. Tais preocupações incidem sobre questões estruturais da pólis brasileira que o COVID-19 trouxe à tona. Mais importante é a constatação de que o Brasil possui diversos elementos para rascunhar um futuro pós-pandêmico – caso o sistema político formal se disponha a mobilizar esses elementos de forma significativa, via um conjunto de políticas públicas de longo prazo.

As limitações do sistema político-partidário, pois, assumem relevância central para o futuro do Brasil.

A disputa das prévias presidenciais do PSDB (envolvendo, além de Dória, o governador gaúcho Eduardo Leite e o prefeito de Manaus Arthur Virgílio) foi travada por um ataque de hackers. O bloqueio do aplicativo eletrônico que faria a consulta aos filiados desmoralizou a tentativa do partido se associar com a democracia digital. Mais preocupante, o episódio expôs profundas fissuras entre os tucanos. Poucas vezes ficou tão evidente que controvérsias políticas não se resolvem com algoritmos.

A filiação de Bolsonaro ao partido presidido por Valdemar Costa Neto (preso no escândalo do Mensalão) deita por terra o discurso anticorrupção que lastreou a ascensão da antipolítica em 2018. A associação do presidente da República com o baixo clero do Congresso Nacional relembra os eleitores da longa trajetória parlamentar do mandatário – também desprovido do rótulo de “novidade”.

A filiação de Moro também não foi despida de controvérsia. Além dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou o ex-juiz parcial no inquérito sobre o tríplex de Atibaia (que levou Lula à prisão), na semana da chegada de Moro o Podemos concedeu uma anistia para membros sob investigação e que poderiam ser enquadrados na lei da “Ficha Limpa” para 2022. Associada ao ativismo político judicial, a retórica anticorrupção esmorece novamente nas contingências partidárias.

Por sua vez, Ciro experimentou o dissabor de suspender sua pré-candidatura durante a votação da PEC dos Precatórios, na qual expressiva fatia dos deputados do PDT votou junto ao governo federal. Apesar da tímida mudança de rumos no segundo turno da votação, nem a direção partidária tampouco o pré-candidato lograram obter o consenso dos filiados na votação mais controversa do ano. A liderança do ex-governador cearense foi questionada, bem como o futuro de sua candidatura em 2022.

Enquanto seus possíveis adversários empreendiam jornadas tortuosas no labirinto partidário, Lula era recebido com honras de chefe de estado em visita à Europa. Ao mesmo tempo, o meio político aventou a possibilidade de uma chapa sui generis envolvendo, além do ex-presidente e líder do PT, seu antigo adversário nas urnas em 2006 – o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSD). Ainda que essa composição permaneça no plano das especulações, negociações como essa alinham o PT com o movimento de convergência conservadora em curso na Nova República. Rumo ao centro, a esquerda busca se desvencilhar da herança de Dilma Rousseff e das investigações de corrupção em curso desde o Mensalão e que atingiram ponto de fervura máximo com a finada Operação Lava-Jato. Tentativa similar empreende o MDB de Tebet, com relação ao governo interino de Michel Temer.

Rotas apertadas pelas quais as candidaturas presidenciais trafegam dizem menos respeito a diferentes convicções políticas do que à estrutura do sistema político brasileiro. A Nova República mesclou papéis e funções dos poderes Executivo e Legislativo numa fórmula complexa, identificada ora como “semipresidencialismo”, ora como “presidencialismo de coalizão”. Além disso, a segmentação dos poderes nos planos municipal, estadual e federal faz com que a construção de plataformas partidárias no Brasil seja feita por sedimentação, iniciada no plano local. A sobreposição eleitoral (como em 2022) leva à diluição de plataformas políticas entre Brasília e os mandatários locais. A dificuldade de criar um projeto de país se associa diretamente com essa simultânea fragmentação e sobreposição.

Cabe à sociedade civil colocar em movimento essas engrenagens estagnadas. A participação política cidadã – esvaziada pelo distanciamento social, transferida para as redes sociais – voltou timidamente à cena em 2021, à medida que se agravavam os índices socioeconômicos e que avançava a vacinação.

A substituição da política pela técnica (que inclui, no caso brasileiro, a proeminência dos tribunais) não é suficiente para dar vazão aos anseios de uma sociedade plural e contraditória, tampouco capaz de dirimir disputas valorativas sobre as trajetórias de 210 milhões de pessoas após uma pandemia.

2021 reabriu possibilidades para 2022. Ao mesmo tempo, nos recordou os limites das possibilidades do presente. Subestimar a política é uma rota arriscada. Subestimar suas limitações aumenta o risco.

Redação SRzd

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