Jornal Hoje não usa o termo “greve geral” e cobertura minimiza a manifestação popular

Jornal Hoje. Foto: José Paulo Cardeal / TV Globo

Jornal Hoje. Foto: José Paulo Cardeal / TV Globo

O estudante de Comunicação Marcos Furtado, vencedor do prêmio Jovem Jornalista Santander, fez um trabalho minucioso de análise da estrutura de cobertura da greve geral desta sexta(28) do “Jornal Hoje”, da Rede Globo. Veja o resultado da sua análise:

Depois dos protestos e manifestações da greve geral, tive o cuidado de assistir ao Jornal Hoje, de ontem (28/04), pelo Globo Play, serviço de streaming da Rede Globo. Passei quase o sábado (29) todo fazendo isso. As informações abaixo não têm a intenção de analisar o movimento, mas sim a cobertura do telejornal vespertino da emissora carioca. Seguem algumas conclusões que cheguei assistindo ao telejornal:

– Na escalada do jornal, momento de apresentação das notícias que serão transmitidas durante o noticiário, o termo greve geral não apareceu. No entanto, sinônimos como protestos e manifestações foram utilizados.

– Em uma das notícias, o jornalista Evaristo Costa informou que na tentativa de um motorista desviar de um bloqueio, ele bateu e matou um motoqueiro. Um pouco depois da metade da edição, Sandra Annenberg diz que a explicação do acidente foi dada pela Polícia Rodoviária Federal. Neste caso, dada a relevância do acontecimento seria fundamental colher depoimentos de outras fontes. 

Abaixo está a escalada da edição de ontem (28/04) do “Jornal Hoje”:

Evaristo Costa: “As centrais sindicais fazem passeatas e manifestações em quase todas as capitais”.

Sandra Annenberg: “Os protestos são contra as reformas da previdência e trabalhista, propostas pelo Governo Temer e em discussão no Congresso”.

Evaristo: “A paralisação de 24 horas provoca reflexos principalmente no transporte público”.

Sandra: “E milhões de pessoas não conseguem chegar ao trabalho”.

Evaristo: “Estradas e rodovias são bloqueadas”.

Sandra: “Em Pernambuco, um motorista tenta desviar de um bloqueio, bate e mata um motoqueiro”.

Evaristo: “Sindicalistas e policiais se enfrentam com fogos de artifícios e balas de borracha na Baixada Santista”.

Sandra: “No aeroporto do Rio, manifestantes brigam com passageiros”.

Evaristo: “Um grupo joga concreto numa ferrovia e coloca um trem em perigo”.

Jornal Hoje. Foto: GloboPlay
Jornal Hoje. Foto: GloboPlay

Não cito o restante da escalada, pois as notícias são sobre outros assuntos.

– Durante três momentos, o jornal dá voz para quem é favorável à manifestação. No entanto, todas as falas e menções foram breves. Seguem esses momentos:

12:05 – Durante 11 segundos, Luiz Bittencourt, diretor do Sind-Rede (Sindicato dos Trabalhadores Educ Rede Publ Municipal de BH), disse que “a pauta é contra as reformas que tiram os direitos, reformas previdenciária e trabalhista. São duas reformas que representam um grande retrocesso para o conjunto dos trabalhadores”.

13:34 – Outra fala que chamou a atenção foi a de um motorista que disse: “Se for para melhorar pra gente, eu concordo”. A fala durou menos de cinco segundos.

17:36 – André Domingues de Lima, presidente do Sindicato Empresa, falou que estava ali “para que não sejam tirados os direitos dos trabalhadores”. A fala durou cinco segundos. Logo após a fala de André, a reportagem mostra o conflito entre policiais e caminhoneiros.

– A ação policial foi quase sempre mostrada como uma forma de conter os manifestantes mais agitados. Somente em dois momentos, que seguem a seguir, o jornal menciona que a ação policial passou dos limites éticos.

Momento 1: Aos 26 minutos e 16 segundos do jornal, o noticiário mencionou que os manifestantes se queixaram da utilização de balas de borracha pela polícia. O que, logo em seguida, segundo o repórter, a Polícia Militar de Salvador negou.

Momento 2: Aos 31 minutos e 46 segundos do jornal, o noticiário exibiu imagens de uma jovem manifestante levando vários golpes, um deles na cabeça, com o que parecia ser pedaços de madeira. Todos dados por policiais.

– Já aos 47 minutos e 16 segundos do jornal, o apresentador Evaristo Costa informou que, em São José dos Campos, no interior de São Paulo, “um homem atropelou quatro estudantes que participavam de uma manifestação que bloqueava a via Dutra”. (Não há imagem próxima das pessoas feridas e nem entrevista com elas para que pudessem contar o que levou o motorista a reagir daquela maneira.)

– Aos 18 minutos e 45 segundos do jornal, o noticiário destaca que “grupo de vândalos depredaram lojas, orelhões e bancas de jornal”, sem mencionar se eles tinham relação ou não com o movimento.

– Por outro lado, aos 26 minutos e 21 segundos do jornal, o repórter Fábio Castro informou que “integrantes do MST e da CUT atearam fogo em pneus”. Tudo com imagens de apoio.

– Aos 21 minutos e 45 segundos do jornal, o noticiário exibe as imagens de brigas entre homens com colete da CUT e outras pessoas que estavam no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

– Aos 19 minutos e 21 segundos do jornal, a repórter Bette Lucchese mostrou a situação no Rio de Janeiro. A reportagem informou sobre os bloqueios na ponte Rio-Niterói, na rodovia que liga a região metropolitana a Niterói e no acesso a principal estação das barcas também de Niterói. Por fim, a ação da polícia para conter a manifestação foi mencionada.

– Aos 31 minutos e 36 segundos do jornal, o noticiário informou sobre atos de violência envolvendo manifestantes e policiais em Goiânia. Evaristo informou que “manifestantes tentavam fazer uma fogueira e a polícia dispersou o grupo”.

– Aos 32 minutos e 2 segundos do jornal, a apresentadora Sandra Annenberg informou que “o bloqueio de um trecho da BR-111, em Pernambuco, terminou na morte de um motociclista”. Sandra continuou dizendo que “segundo a Polícia Rodoviária Federal, um motorista invadiu a contramão para desviar das manifestações e bateu numa moto”, matando o motociclista. Ressalto aqui que a explicação é da Polícia Rodoviária Federal.

Em suma, houve uma tentativa de minimizar o movimento. Como já mencionado, em nenhum momento do noticiário foi falado o termo greve geral, sugerindo o fracasso da ação. Além disso, foram rápidas as poucas falas dos manifestantes. Durante a edição, a ação policial quase sempre foi colocada como uma forma de conter manifestantes descontrolados. O jornal mostrou somente duas vezes atitudes de policiais que passavam dos limites.

O jornalismo constrói realidades e por muitos teóricos da comunicação é considerado um poder, pois informa, fiscaliza e denuncia. Portanto, a partir da edição da última sexta-feira (28) do “Jornal Hoje”, fica a impressão de que na greve geral só existem vândalos. Uma falácia!

 

 

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