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O enigma da ‘Terceira Via’ no país do futuro, por Carlos Frederico

Maio chega ao fim repleto de lances políticos que podem decidir a eleição presidencial de Outubro de 2022. No início do mês, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) –Adversários nas urnas de 2006 – uniram forças para manter a liderança das pesquisas de opinião. Ao mesmo tempo, o ex-juiz Sérgio Moro deixava o PODEMOS e abria mão da candidatura presidencial, já no União Brasil (ex-DEM).

Ao fim do mês, o ex-governador de São Paulo João Dória (PSDB) abandonava sua pré-candidatura, visto que seu partido, além do Cidadania, passaram a apoiar a senadora Simone Tebet (MDB) como candidatura única da chamada “Terceira Via”.

O amálgama de Lula e Alckmin trouxe à memória outras coabitações improváveis no trajeto da República brasileira.
Começando com Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, passando por Jânio Quadros e João Goulart, culminando com Dilma Rousseff e Michel Temer. O destino das chapas compostas, via de regra, pendeu eventualmente para a figura do vice-presidente. Transições dentro da mesma chapa deram origem tanto à República Velha quanto à Nova República.

A transição política que daria fim a duas décadas de ditadura militar no Brasil começou quase por acaso.
Em 11 de Agosto de 1984, o partido da oficialidade (a ARENA, renomeada como PDS) escolheu um civil para a
sucessão indireta do General João Figueiredo – o ex-governador de São Paulo Paulo Maluf. Ao vencer o coronel Mario Andreazza dentro da institucionalidade do regime, Maluf abreviou a sequência de militares no Planalto desde o golpe de 1964. Esse evento inesperado se mostraria decisivo em diferentes lados da disputa partidária.

O PMDB (herdeiro do MDB, principal legenda oposicionista) havia recuado da “anticandidatura” civil de Ulysses
Guimarães em 1974 para a aquiescência das regras do jogo em 1978, ao lançar o general Euler Bentes como
“alternativa” a Figueiredo. Após a Anistia e o multipartidarismo, o PMDB incorporaria o PP de dois ex-governadores de Minas Gerais, Tancredo Neves e Magalhães Pinto. A efêmera duração do PP mostrou que a disputa eleitoral seguia operando em parâmetros bipolares.

Nas hostes governistas, a vitória de Maluf provocou uma cisão – liderada pelo ex-governador do Maranhão José
Sarney. Dantes favorável à permanência dos militares à frente do regime, a Frente Liberal se uniria à candidatura
oposicionista de Tancredo no colégio eleitoral de 1985. A aliança entre governadores do Nordeste e Minas Gerais, em oposição ao governo paulista como candidato da oficialidade, ecoava lances decisivos da Revolução de 1930.
Alimentada pelas ruas das Diretas, a disputa no Colégio Eleitoral (Janeiro de 1985) opôs Maluf (PDS) a Neves (PMDB), tendo como vice Sarney.

A vitória de Tancredo sacramentou o início da Nova República e o retorno do governo dos civis após de duas décadas. No entanto, seria Sarney quem governaria pelos próximos 5 anos, incluindo a aprovação de uma nova Constituição.

A coabitação de Tancredo e Sarney sacramentou o retorno dos governadores estaduais ao centro da República – algo que preocupava os militares desde 1978, quando o general Ernesto Geisel impôs o retorno das eleições indiretas para os governos estaduais. O novo regime democrático retomava uma característica estrutural da política no Brasil desde a República Velha (1894-1930) e que persistiu após a queda de Getúlio Vargas (1945-1964).

Centros da polis brasileira, das hegemonias estaduais emanavam alianças e políticas adotadas a posteriori pela União. Além de Neves e Sarney, o primeiro presidente eleito democraticamente desde 1961 também foi um governador. Fernando Collor de Mello, de Alagoas, integrante do efêmero partido PRN, conseguiu a façanha de aumentar suas bancadas legislativas e número de governos estaduais no esteio da vitória surpreendente do mais jovem ocupante do Palácio do Planalto, em 1989.

A proeminência dos governadores foi quebrada apenas com o inédito impeachment presidencial de Collor, para o
qual confluíram boa parte das forças políticas após o malogro das reformas econômicas liberais empreendidas no curto governo, atolado em denúncias crescentes de corrupção e contestado nas ruas pela juventude dos Caras-Pintadas.

Ao alçar o vice de Collor Itamar Franco (ex-membro do PMDB) à Presidência, o impeachment inverteu as polaridades da política brasileira. No seu breve governo, Itamar conseguiu fazer seu sucessor: o ministro da Economia Fernando Henrique Cardoso (PSDB), senador por São Paulo. Hegemonias estaduais, doravante, seriam impulsionadas pelo Palácio do Planalto. A estabilização da economia advinda do Plano Real alçaria Itamar posteriormente ao governo de Minas Gerais. O PSDB de Cardoso (reeleito presidente em 1998) governaria São Paulo consecutivamente por duas décadas.

A tendência se reforçou com a vitória do deputado constituinte Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o senador e
ministro José Serra (PSDB) nas eleições de 2002. A permanência do PT durante 13 anos em Brasília reforçou a
capilaridade do partido em diversos estados do Nordeste, onde permanece como força hegemônica duas décadas após o primeiro governo Lula (que nunca almejou governos estaduais, assim como sua herdeira Dilma Rousseff, ex-integrante do PDT).

Ao mobilizar forças distintas no espectro político brasileiro, a aliança de Lula e Alckmin propõe uma conciliação entre movimentos opostos que deram origem à Nova República e seus desdobramentos nas primeiras décadas do século XXI.

Um segundo impeachment presidencial marcaria nova ruptura na trajetória da Nova República. A queda de Rousseff (PT) foi pavimentada pela proeminência do Congresso Nacional, sob o controle do PMDB do vice-presidente Michel Temer e do arranjo de partidos do Centrão.

O desalento com a performance econômica de Rousseff após a realização de diversos megaeventos globais ficou mais nítido após as maiores manifestações de rua desde as Diretas, em 2013. A perda da confiança da base partidária coincidiu com investigações de corrupção desfraldadas pela Operação Lava-Jato.

Doravante, os presidentes brasileiros seriam oriundos do Legislativo federal, sem constituir lideranças hegemônicas nos estados. Tanto Temer em São Paulo quanto Jair Bolsonaro (PSL) no Rio de Janeiro não desfrutavam dos governos estaduais como plataformas de ação. Suas gestões não consolidaram novas hegemonias estaduais (ainda que o PSL tenha repetido a façanha do PRN e alimentado bancadas e número de governos estaduais a seguir). Não obstante, foram catalisadores da transformação política, concentrando em Brasília as principais decisões do país desde 2016.

As forças políticas que compõem a Terceira Via – ao recusar as opções advindas dos governos estaduais (Dória) ou de fora do sistema político-partidário (Moro) – buscam a manutenção da proeminência legislativa, lastreada nas ações dos principais partidos responsáveis pelo fim da ditadura. A despeito de não terem vencido nenhuma eleição direta, o MDB de Tebet e o União Brasil, de Luciano Bivar querem manter âncoras da governabilidade. A aliança de Tancredo e Sarney permanece elemento definidor da democracia brasileira, ora caracterizada como “semipresidencialismo”, ora como “presidencialismo de coalizão”. Nesse sentido, a “Terceira Via” também busca uma conciliação entre diferentes momentos da Nova República: das raízes da Redemocratização às transformações vividas pelo país num novo século.

O ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) enfrenta outros dilemas para conciliar passado e presente. Integrante dos governos Itamar Franco e Lula, Ciro poderia investir na imagem de um aglutinador do período de maior crescimento econômico da democracia brasileira (no qual chegou a ocupar o Ministério da Economia). Seus números nas urnas desde 1998 e enfrentamentos com o PSDB e o PT o afastaram dessa possibilidade. Sua candidatura buscou assento em meados do século 20, retomando narrativas desenvolvimentistas e nacionalistas. Face à polarização entre esquerda e direita, a candidatura do PDT pendeu para o populismo de inspiração varguista, em busca de um caminho para o país.

Em 2022 o Brasil completa 200 anos de existência como estado soberano. O país realizará simultaneamente eleições presidenciais, legislativas e para os governos estaduais. A configuração da Nova República está novamente na berlinda.

As pesquisas apontam Lula e Bolsonaro como principais candidatos. O confronto de dois presidentes da República, no ano do bicentenário da Independência, acena com uma disputa bipolar sobre legados, banhada em nacionalismo. Não obstante, os movimentos tectônicos em curso no espectro político transcendem o embate de personalidades.

Conciliar as contradições do Brasil, estendidas entre passado e presente, é o desafio compartilhado pelos nomes que pretendem governar o “país do futuro” a partir de 1º de Janeiro de 2023.

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Carlos Frederico Pereira da Silva Gama

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