Casagrande escreve carta para Sócrates e se declara: ‘Você foi o amor da minha vida’

Casagrande. Foto: Reprodução de TV

Casagrande. Foto: Reprodução de TV

O comentarista Casagrande, da TV Globo, publicou carta ao ex-jogador Sócrates, ídolo do futebol brasileiro que morreu prematuramente aos 57 anos, em 2011, no hospital Albert Einstein em São Paulo, após uma infecção generalizada.

Casão e o Doutor, foram parceiros na vida e na bola.

A dupla brilhou ao defender as cores do Corinthians e da Seleção Brasileira no início dos anos de 1980. No texto, que marca dez anos da morte de Sócrates, Casagrande se declara ao amigo numa carta emocionante, onde fala de memórias, de futebol e do cenário político nacional, onde os dois também foram protagonistas na luta pela democracia:

“Fala, Magrão, beleza?

Cara, faz dez anos que você partiu, mas para mim parece que isso não aconteceu.

Lembro de você todos os dias. Mas não é saudosismo: é reflexão.

Como moro sozinho, fico refletindo muito sobre a vida. E quando analiso as coisas que faço, falo ou escrevo, me vêm à cabeça as nossas conversas.

Não fico lembrando da gente em campo, porque isso eu vejo na hora que eu quiser. Mas nossos papos eu só tenho na cabeça.

Muitas vezes, saíamos para algum barzinho, e as conversas eram profundas, de diversos assuntos, nunca sobre futebol. Trocávamos ideias sobre a vida, sobre eu e sobre você.

Você me chamava de Big, lembra? Teve uma vez em que você me disse assim: “Big, quando te olho, me vejo em você com 18 anos”.

Confesso que quando você falou isso pela primeira vez, senti uma emoção muito forte e não tive como esconder. Fiquei sem palavras por alguns instantes e então respondi: “E eu quero ser como você aos 27“.

Foi um momento especial, porque naquele instante percebemos que a nossa relação passava pelo entrosamento em campo, alcançava a amizade e se aprofundava na mente, na alma e no coração.

Naquele dia, nasceu um sentimento de amor entre nós, e não qualquer amor, porque era uma coisa muito louca. Eu não via a hora de ir para o treino e depois tomar uma cerveja com você e conversar.

Naquela época, ainda não éramos dependentes químicos, e sim das nossas ideias, dos nossos pensamentos e da vontade de estarmos juntos.

Gosto de lembrar daqueles momentos porque são detalhes que só nós dois sabemos. E que hoje estou escrevendo aqui.

Lembro de uma madrugada num bar de rock. Tinha um som no palco, e as garçonetes atendiam as pessoas nas mesas. Começamos a beber, e como eu estava na cabeceira, era eu quem fazia os pedidos.

Eu era um adolescente, porra louca total, apaixonado o tempo todo. E me apaixonei por uma das garçonetes.

Paixão mesmo! Você percebeu e me disse: “Se apaixonou, né?”.

Respondi: “Sim, preciso conversar com ela”.

Você continuou: “Só que ela só vai sair do trabalho às 6h, e temos treino às 9h”.

Nem respondi. Continuamos curtindo o show, eu apaixonado, nós tomando cerveja, e quando chegou umas 4h, você se levantou para ir embora e me falou: “O amor é lindo, mas te espero às 9h dentro de campo”.

É claro que fui treinar e cheguei no horário. Eu poderia voltar a qualquer horário para a minha casa, mas nunca atrasei no treino, e você sabe disso.

Magrão, eu sinto sua falta. Muitas coisas aconteceram comigo, boas e ruins, nestes dez anos sem você. Não tenho a identificação que tive com você com mais ninguém, mas tenho amigos legais e pessoas que me apoiaram nesse tempo todo. Vou roubar do nosso Chico Buarque um trecho de música para te explicar o nosso momento: “Aqui na terra tão jogando futebol, tem muito samba, muito choro e rock and roll, mas o que eu quero é te dizer que a coisa aqui está feia”.

Mudei uma palavra porque estamos numa forte luta antirracista, e termos que anos atrás pareciam inocentes, hoje percebemos que podem ser encarados como racistas.

Se você achava que nossa época de luta pela redemocratização do país era difícil, você não tem noção do que o Brasil é hoje.

Éramos apaixonados pela vida e por tantas coisas que definíamos como paixão. Você falou várias vezes assim: “Paixão não, mas ô saudade”.

Sempre que eu estava namorando ou saindo com alguém, eu me entregava totalmente, porque me apaixonava mesmo e gostava disso.

Mas hoje, sem você por aqui, eu inverti sua frase: “Saudade não, mas ô paixão”.

Você deve estar morrendo de rir de mim, né?

Fico feliz com isso, porque estou escrevendo muito emocionado, com muitas lágrimas no rosto, mas estou rindo também.

Porque na nossa relação não tem espaço para a tristeza, só para o amor.

Te admirava muito pela sua inteligência, sua cultura, suas posições. Você foi um cara muito importante para o futebol e para o Brasil.

Continuo seguindo meus ideais, meus pensamentos, e você me fez evoluir muito.

Você lembra como eu era rebelde, né? Eu não esperava para tomar uma posição e muitas vezes fazia o nosso mecanismo funcionar, mas também me precipitava por ser muito impulsivo na época. E acabava criando problemas.

Hoje em dia, depois do meu tratamento, consigo ter o controle na maioria das vezes. Há momentos em que ainda me revolto, porque faz parte da minha essência, mas sou bem mais tranquilo hoje.

Magrão, eu poderia ficar dias escrevendo esta carta, mas vou encerrar por aqui. Só que antes antes eu preciso dizer: cara, você foi o amor da minha vida como companheiro, como amigo. É aquilo, Magrão: a nossa relação foi escrita dessa maneira, ninguém pode mudar o que fomos juntos dentro do campo e fora dele.

E foi assim que nós tivemos uma grande história de amor.

Beijos, meu amigo. Eu te amo como sempre te amei”, escreve Casagrande em texto publicado na sua coluna no portal globo.com.

Comentários

 




    gl