Camarotes da Sapucaí: o samba sambou ou falta sambar?

Camarotes na Sapucaí em 2018 ofereceram shows que vão de Anitta a Vintage Culture. Foto: Divulgação/Camarote Rio

Virou Rock in Rio isso aqui? No ‘maior espetáculo da Terra’, é o cliente que escolhe se quer ver Portela e Mangueira, Anitta e Luan Santana ou curtir uma balada com os DJ’s do momento. ‘Luzes, câmeras e som’ para fazer você sambar, ou não. Essa é a realidade de boa parte dos camarotes da Marquês de Sapucaí, que oferecem atrações à parte da festa na pista. Enquanto conquista novos clientes, frustra alguns dos sambistas mais apaixonados pelos desfiles das agremiações.

Só no Carnaval 2018, mais de dez camarotes tiveram shows exclusivos para os compradores. A exclusividade, no entanto, esbarra no alto volume das caixas de som, que faz com que àqueles que não optaram pelos espaços ouçam alguém, que não seja o intérprete, cantar. É o que afirma o folião Leonardo Tenreiro, 25. O torcedor da Beija-Flor, que desfilou em cinco escolas no último Carnaval, se sentiu incomodado com o som que vazava dos camarotes.

O público é obrigado a escutar um som misturado de samba com outro ritmo

“Escutei as batidas em meio ao desfile. Quem desfila na ponta, consegue escutar até melhor. Se ali na pista já se ouve, imagina na cabine de jurados, que é mais próxima dos camarotes. A situação piora para quem assiste nas arquibancadas. O público acaba sendo obrigado a escutar um som misturado de samba com outro ritmo. Nos setores mais distantes da concentração, ouvir os esquentas ficou complicado, porque no intervalo de uma escola para outra, o som dos camarotes fica mais alto”, afirmou Tenreiro.

O sambista acredita que o volume elevado desses espaços pode prejudicar a avaliação dos jurados, uma vez que as cabines ficam próximas dos locais. “No novo camarote instalado atrás do setor 10 (onde fica o quarto módulo de julgamento), o som estava absurdamente alto”, disse. O folião ainda criticou a presença de outros ritmos nos espaços: “O samba já vem perdendo seu lugar a cada ano que passa. No seu momento maior, a festa ainda tem que ser sujeitada a isso? Outro ritmo não deveria figurar ali, muito menos da maneira como figura”.

O novo espaço no fim da Avenida citado por Tenreiro é o ‘Nosso Camarote’, que estreou em 2018 sob o comando de Gabriel David, Carol Sampaio e Ronaldo Fenômeno. David, que também é conselheiro da Beija-Flor e filho do presidente de honra, defende que o conceito do local que traz outros ritmos serve para aproximar novos públicos do Carnaval.

“Você tinha um problema na Sapucaí até esses camarotes existirem: o público não se renovava. O Carnaval de Salvador vinha numa crescente muito grande, com público jovem, e o Rio, numa decadência. Quando você tem esses camarotes, você consegue trazer esse público de volta. O grande objetivo é mostrar para o público jovem, que agora já vai para Sapucaí, o porquê que eles estão ali, e enfatizar os desfiles das escolas de samba”, afirmou.

Para Gabriel David, quem ganha com os camarotes são o Carnaval e as agremiações. Questionado sobre o volume alto do espaço, ele discordou que os shows podem atrapalhar o desfile e ressaltou que são feitos apenas nos intervalos. “Eu concordo que, em alguns momentos, eles podem ofuscar o grande objetivo das pessoas estarem ali. Mas tenho certeza que não atrapalham os desfiles, até porque a gente desfila e sabe.”

Liesa se posiciona: ‘a gente tem que achar um ponto de equilíbrio’, diz Castanheira

Jorge Castanheira, presidente da Liesa. Foto: SRzd
Jorge Castanheira acredita que a situação é delicada. Foto: SRzd

A questão dos shows nos camarotes é complexa e divide opiniões. Justamente por isso, de acordo com Jorge Castanheira, presidente da Liesa, é preciso achar um meio termo que agrade tanto aos compradores dos camarotes, quanto ao público da pista e arquibancada.

“É um caso a ser avaliado. Temos que analisar com cada um dos compradores de camarote. É uma situação muito delicada que a gente tem que achar um ponto de equilíbrio entre os compradores dos espaços e o gerenciamento da organização do evento, para que não atrapalhe os demais expectadores”, disse.

Castanheira também afirmou que “nos intervalos é que eles fazem os shows particulares dentro dos camarotes”, e, por isso, o desfile da escola de samba não é afetado.

Milton Cunha para a Rádio SRzd: ‘é um desrespeito’

Antes da elaboração desta matéria, o carnavalesco e comentarista Milton Cunha já havia se posicionado a respeito da situação envolvendo o alto volume dos camarotes no Sambódromo. Em entrevista a Robson Aldir, no programa Samba do Meio-Dia, pela Rádio SRzd, Cunha classificou como desrespeitoso o comportamento dos donos dos espaços e das pessoas que frequentam.

“É um desrespeito isso. Você está ali desfilando e o pessoal está de costas olhando para aquelas luzes piscando. É absurdo, é horrível. Isso tem que ser revisto. Ali é território do samba-enredo”, declarou o carnavalesco, que aproveitou para criticar a presença de outros ritmos em uma festa de samba.

Confira a entrevista:

São Clemente criticará camarotes em 2019

O samba que sambou em 1990, voltará a sambar na São Clemente em 2019. A escola que apostou na reedição para o próximo desfile não poupará crítica aos camarotes da Sapucaí. Em trecho da sinopse já divulgada, a agremiação afirma: “A grana entope os camarotes de sertanejo, música eletrônica e de todo tipo de som, menos o próprio dono da festa: o samba. Que mico minha gente… Olha o que o dinheiro faz!”.

O carnavalesco Jorge Silveira, em entrevista ao SRzd, confirmou que o posicionamento da escola não ficará somente no texto. “Tudo que a gente teve coragem de falar, é porque vai acontecer. É um desfile que não vai ter medo, pelo contrário. Mas tudo com a linguagem São Clemente de ser: fazendo farra e piada dos problemas”, disse.

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