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Artigo: As babás de branco e o racismo enrustido

A questão do racismo pelo assassinato frente às câmeras de George Floyd e, aqui no Brasil, pelo assassinato do jovem João Pedro em São Gonçalo, merece concretamente uma grande reflexão do quanto o racismo está impregnado na nossa sociedade contemporânea.

Tenho uma vida onde me orgulho de, em muitas atividades que realizei, ter ajudado no combate ao preconceito pela formação que recebi dos meus pais, Francisco e Leda, e em especial por ter e conviver até hoje com minha mãe negra, Elizia, que me criou praticamente desde que nasci e me fez abolir os preconceitos que normalmente forjam um jovem no convívio de uma sociedade branca.

Em 2001, ainda como Secretário de Energia, Indústria Naval e Petróleo, tive oportunidade no Governo Anthony Garotinho de participar efetivamente da criação da primeira Lei de Cotas Raciais no Brasil, com alguns outros Secretários, como Wanderley de Souza, Ciência e Tecnologia, e especialmente com um grande ícone no combate ao preconceito racial, o então Secretário e saudoso Abdias do Nascimento.

Que nossas Babás possam usar roupas que quiserem, em especial as coloridas, como também roupas de grife e isso certamente fará bem para todos.

Na discussão de uma Legislação de sistema de cotas para ingresso em universidade, pioneiramente criamos, na UERJ, a primeira cota racial, vivenciando uma grande resistência ao estabelecimento de posições afirmativas contra o preconceito racial, inclusive muitas vindo do próprio meio universitário.

Por força do destino, e por, além de ter estudado Engenharia na UFRJ, também ter me graduado em Administração na UERJ, fui escolhido pelo projeto de cotas raciais como um dos palestrantes que defenderia a questão das cotas em debates, certamente uma mensagem subliminar por ser de cabelos e olhos claros e por ter contado minha trajetória de vida, de ter presenciado o preconceito que minha mãe negra, Elizia, vivenciou.

O modelo de Cotas Raciais do Rio de Janeiro se desdobrou para ser copiado por diversos outros Estados, inclusive pelo Governo Federal. Posteriormente, a Lei Fluminense teve questionamento no STF, que confirmou sua total constitucionalidade.

No ano de 2018, Deus me ofereceu a oportunidade, ainda como Secretário de Educação, no final da vigência de um dos seus períodos, de ter contribuído fazendo a exposição de motivos para a renovação da Lei de Cotas por mais de 10 anos para ser aprovada na Alerj, até porque a Lei de Cotas impacta diretamente a vida do jovem que cursa o ensino médio na rede pública estadual.

O aprendizado que tenho em relação a essas questões e que tenho conversado muito com uma amiga de infância que é a Doutora e Socióloga Vânia Penha Lopes, expert e autora de livros sobre o tema, é que o mais importante não se trata do discurso, mas sim do combate por ações ao preconceito racial, que deve ser diário e adotado com simples medidas afirmativas, que muitas vezes a sociedade olha no dia a dia e aceita, muitas vezes de forma velada.

Uma das questões básicas de preconceito racial e social enrustidas, ou de uma submissão clara a um processo de domínio, é o que acontece em muitos condomínios, casas de luxo e clubes que estabelecem que as tradicionais babás tenham que se vestir de branco para uma diferenciação. Particularmente acho esse processo repugnante, já comentei com amigos que tem essa prática e que travestem ela da simples desculpa de que é um uniforme que inclusive interessa às babás.

Acho que, emblematicamente nesse momento, clubes e condomínios deveriam proibir e abolir práticas de diferenciação, normalmente aplicada à jovens de baixo poder aquisitivo, especialmente pretas e pardas de condição social menos favorável e de regiões pobres do Brasil. Ou seja, aquela prática de diferenciação da “Casa Grande e Senzala” deve ser abolida de vez, começando em nossas atitudes diárias.

A exigência de que tais práticas aconteçam ainda em clubes da elite é algo inaceitável e considero que pessoas que ainda adotam essas práticas deveriam ter vergonha e particularmente, caso queiram realmente ajudar, contribuam para a roupa do dia a dia de maneira que ela não se diferencie pela cor da sua pele, cor do seu uniforme.

Babás de branco, não é uma atitude ilegal, porém é um ato de racismo velado, e se queremos combatê-lo devemos eliminar tais práticas e comentar até com amigos que não tenham essa percepção para que parem de adotar essa medida, buscar com que as escolas mostrem para seus alunos como tal prática e constrangedora e lutar para que clubes que fazem tal exigência modifiquem, como um ato que lhes envergonham. São com pequenas medidas que vamos conseguir, progressivamente, fazer a quebra de preconceitos existentes em nosso país, muitas vezes em caráter social, como eram os famosos elevadores de serviços somente para empregados.

Que nossas Babás possam usar roupas que quiserem, em especial as coloridas, como também roupas de grife e isso certamente fará bem para todos, inclusive para as jovens crianças que são cuidadas por elas, pois crescerão sem cultivar esse preconceito desde a sua tenra infância e isso fará muito bem para elas.

Wagner Victer
Engenheiro, Administrador e Jornalista

Redação SRzd

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