Cheryl Berno. Foto: Acervo pessoal

Cheryl Berno

Advogada, Consultora, Palestrante e Professora. Especialista em direito empresarial, tributário, compliance e Sistema S. Sócia da Berno Sociedade de Advocacia. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, Pós-Graduada em Direito Tributário e Processual Tributário e em Direito Comunitário e do Mercosul, Professora de Pós-Graduação em Direito e Negócios da FGV e da A Vez do Mestre Cândido Mendes. Conselheira da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

Aumento abusivo dos planos de saúde e o corte das verbas do SUS tiram o sono dos brasileiros

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) anunciou, nesta sexta-feira (21/08), a suspensão por 120 dias dos reajustes dos planos de saúde para todos os tipos de planos: individuais/familiares e coletivos – por adesão e empresariais. A suspensão terá início em setembro e será válida para reajustes anuais e por mudança de faixa etária dos planos de assistência médica e exclusivamente odontológica. A medida, resultado da pressão da sociedade e dos deputados (que tem uma cobertura fenomenal), impediu o aumento de 25% dos planos de saúde que ainda não tinham sido reajustados, mas isso e válido só até dezembro. Na mesma semana o Presidente, Jair Bolsonaro, anunciou o corte de R$ 47 bilhões para a saúde pública, o que afeta diretamente o Sistema Único de Saúde – o SUS, cujo atendimento é gratuito e salvou a vida de milhares de brasileiros.

Ninguém minimamente entendido e com boa-fé há de negar a importância do SUS, ainda mais em tempos de pandemia. Trata-se de um modelo, que virou exemplo para o mundo, de atendimento global, que coloca a saúde acima do poder de pagar. É claro que a má administração e o descaso dificultam o atendimento com qualidade em todos os casos, o que se tornou motivo de milhares de ações judicias. A falta de um ministro técnico-especialista na área e efetivo, com mais de 113 mil falecidos, e o corte das verbas demonstram que a saúde não é prioridade para o atual governo.

Nesse cenário de má administração pública, os planos de saúde cresceram vertiginosamente, mesmo sendo item essencial da cesta básica da classe média e alta. Sendo a saúde direito essencial para todos o SUS deveria receber reforço de verbas e a ANS deveria regular este “comércio”. Mas não é o que se vê, uma vez que o SUS vinha sendo sucateado e a agência governamental vinha lavando as mãos quanto aos aumentos dos chamados planos coletivos, aqueles que são feitos através de associações ou empresas e com intermediários (Qualicorp e outros), entre o consumidor e plano propriamente dito. Esse tipo de prática tomou conta do mercado desde que as empresas pararam de vender os planos individuais, porque não davam lucro.

Até então a ANS, cujos dirigentes são nomeados pelo Presidente da República (muitas vezes são oriundos de empresas), vinha entendendo que os planos de saúde chamados coletivos poderiam aumentar o quanto quisessem, sem se importar se as formas eram justas e legais. Assim, o paciente vai ficando à própria sorte, normalmente no momento em que mais precisa, doente e na chamada terceira idade, com critérios de reajustes que são uma caixa preta. Há aumento por diversos fatores como idade, correção monetária, aniversário do contrato e a tal sinestralidade, índices internos dos planos que apuram os aumentos dos custos e o uso, cujos dados não são transparentes, pelo contrário, são indecifráveis para o consumidor. Na prática o plano aumenta quanto quer, sem nenhum freio.

A justiça deveria fazer cumprir as leis aplicáveis, como o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, por exemplo, no entanto, também é intermediária, entre os planos e os seus próprios servidores e acaba de alguma forma recebendo também patrocínios em eventos. O Superior Tribunal de Justiça – STJ, que julga um última instância as causas chamadas cíveis, como é o caso das brigas entre consumidores  e os planos de saúde, disse que os planos poderiam aumentar quando os idosos completassem 60 anos de idade, mas que os aumentos não poderiam ser abusivos. Na prática acabou dando uma carta em branco e obrigando cada paciente a discutir na justiça o seu caso, embora seja também o de milhares, que se veem diante de aumentos claramente exorbitantes.

Porém, talvez depois de uma nova onda de ações, o STJ resolveu rever a situação em vários recursos chamados de repercussão geral, que vão afetar a todos os processos iguais (um deles é o Recurso Especial n. 1.715.798, veja no link abaixo os demais casos). Assim, já faz mais de um ano que as ações estão paradas no país inteiro – como se saúde pudesse esperar. Até o julgamento quantos mais terão morrido? Só para se ter uma ideia, em um caso concreto, de um plano de uma família de 4 pessoas, o aumento foi, em menos de 4 anos, de 310,28%, enquanto a inflação no mesmo período ficou em torno de 23%. Já a dona da Amil, a americana, UnitedHealthcare, divulgou seu balanço do terceiro trimestre de 2019 um lucro de US$ 3,54 bilhões (R$ 14,61 bilhões). Trata-se de uma alta de 11% em comparação com o mesmo período no ano passado.

É nessa situação, sem nenhum respaldo do poder público, que se encontram hoje milhares de usuários dos planos de saúde chamados coletivos (que no fundo são individuais disfarçados com dois intermediários a lucrar na cadeia, algo a ser revisto pelo legislativo). Muitas pessoas, em especial, idosas e doentes, que deveriam estar preocupadas em viver, acabam ficando doentes, o que se agrava com os mais de 14,2 milhões de desempregados e com milhares que não conseguirão nem se aposentar. O SUS será sobrecarregado, bem no momento em que o Presidente lhe retira verba, em plena pandemia. Essa fórmula será mortal para muitos brasileiros, que vão morrer sem acesso à saúde, embora se trate de um direito básico, garantido pela Constituição Federal . Vamos torcer para o STJ aplicar de fato as leis que devem proteger os usuários dos serviços públicos e privados, porque a esperança é a última que morre.

Veja no link abaixo a notícia completa do STJ sobre o aumento dos planos de saúde e outras questões relacionadas, que ainda aguardam julgamento:

http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Ajustando-o-reajuste-o-esforco-judicial-para-preservar-interesses-de-planos-de-saude-e-seus-clientes.aspx

 

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