Áudio: Discordâncias entre Paulo Marinho e Bolsonaro vêm de longe, por Sidney Rezende

Paulo Marinho. Foto: Divulgação/Agência Senado

Paulo Marinho. Foto: Divulgação/Agência Senado

Em março, estive na casa do presidente do PSDB do Rio, empresário e advogado Paulo Marinho, no Rio de Janeiro, a mesma que agora é vigiada por policiais militares depois que ele sofreu ameaças de morte por ter denunciado suposto vazamento, por um delegado da Polícia Federal, da informação de que Fabrício Queiroz seria alvo da Operação Furna da Onça, da Lava-Jato, em outubro de 2018.

A acusação feita à colunista Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, dois meses após a entrevista que ele me concedeu e que foi publicada em página inteira na nossa coluna de política de O Dia, tem muitos pontos em comum, e sem contradições. Naquela ocasião, é bem verdade, não tratamos do que a Folha traz de principal: o tráfico de influência de um policial federal que acabou interferindo no processo eleitoral , visando proteger o recém eleito senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho presidente. Fabrício Queiroz é uma sombra para o clã Bolsonaro, mas também um problema para a própria Polícia Federal que até hoje não esclareceu os meandros da tal rachadinha. Queiroz anda por aí sem ser importunado.

Mas o trecho da longa entrevista que reproduzimos aqui, em áudio e texto, já deixam claras as divergências de Paulo Marinho com Bolsonaro. Apesar de dizer que torce pelo sucesso do presidente, que “com Haddad presidente seria pior” e que “não se arrepende” de ter ajudado o “capitão”, já se notava escancaradamente que Marinho estava incomodado com a forma como seu amigo pessoal Gustavo Bebbiano foi escorraçado por Jair Bolsonaro no que culminou com sua saída do Governo.

O hoje pré-candidato à prefeitura do Rio, fiel escudeiro no estado do governador João Doria, também já previa que o estilo agressivo de Bolsonaro conduzir as coisas não daria certo. “Eu não sei qual o objetivo que ele pretende com isso, mas não vai acabar bem essa história”, disse.

O interessante da entrevista para nós, que você ouvirá e lerá abaixo, é a passagem que trata dos bastidores da campanha presidencial com relatos pitorescos. Indagamos sobre onde estaria guardado o celular deixado por Bebbiano que traz mensagens de áudio e texto trocadas por ele com “o capitão”. Veja a resposta mais adiante.

A denúncia publicada pela Folha é mais grave, mas outras pistas estão lançadas no aguardo de uma investigação profunda e séria. A propósito, sobre a oportunidade de Paulo Marinho voltar ao assunto agora, foi desdenhada por Flávio Bolsonaro. Sua assessoria enviou a seguinte mensagem:

“O desespero de Paulo Marinho causa um pouco de pena. Preferiu virar as costas a quem lhe estendeu a mão. Trocou a família Bolsonaro por Dória e Witzel, parece ter sido tomado pela ambição. É fácil entender esse tipo de ataque ao lembrar que ele, Paulo Marinho, tem interesse em me prejudicar, já que seria meu substituto no Senado. Ele sabe que jamais teria condições de ganhar nas urnas e tenta no tapetão. E por que somente agora inventa isso, às vésperas das eleições municipais em que ele se coloca como pré-candidato do PSDB à Prefeitura do Rio, e não à época em que ele diz terem acontecido os fatos, dois anos atrás? Sobre as estórias, não passam de invenção de alguém desesperado e sem votos”.

O Áudio da entrevista

Trecho da entrevista

Nesta casa se viveu parte da história recente do país. O que aconteceu daquele período para os dias de hoje em que o presidente assistiu o primeiro panelaço?

Essa casa ficou para a história. Pelo menos para a minha história. Eu tinha, naquele momento, razões para me engajar numa campanha do capitão Bolsonaro e o principal motivo foi o chamamento que o meu amigo e irmão Gustavo Bebianno. O capitão Bolsonaro era a pessoa que encarnava o sentimento antipetista e isso foi logo no início da campanha dele, lá por volta de outubro de 2017, quando o núcleo duro da campanha dele ainda cabia num Fusca. Mas o fato é que eu, desde que conheci o capitão Bolsonaro, entendia que ele não era um homem preparado para essa missão, mas ele estava no lugar certo, na hora certa, e eu imaginei que ele, fazendo a boa equipe que ele acabou fazendo, que ele poderia levar o Brasil à frente. Acontece que ele cultiva o ambiente de campanha eleitoral ainda no governo e acho que é isso que está criando a maior dificuldade. Ele se cercou do núcleo familiar e do núcleo mais íntimo, que são poucas pessoas no Palácio, e ele fica dentro de uma bolha achando que está num palanque em vez de entender que está no gabinete de um presidente da República governando o Brasil para todos. Acho que essa tem sido a maior dificuldade. O relacionamento dele com o Congresso está se deteriorando, isso é péssimo. Eu não sei qual o objetivo que ele pretende com isso, mas não vai acabar bem essa história. Se nós não tivermos um presidente da República com capacidade de conduzir a nação a um porto seguro, nós estamos convivendo em um ambiente onde nós temos todas as condições de a economia desandar, e a economia desandando, o país vai naufragar, sem dúvida. O Brasil não cresce há muitos anos. Enfim, eu torço para que ele acerte no governo, sinceramente.

Você se arrependeu de ter colaborado para a vitória dele?

Não me arrependi. Se o Haddad tivesse sido eleito, eu tenho certeza que a situação seria pior ainda, porque a população não ia aceitar a volta do PT depois de ter vivido tão fortemente aquele processo de corrupção explícita que o Brasil assistiu. Era importante que houvesse uma ruptura nesse grupo da esquerda do PT governando o Brasil. Era importante que um outro núcleo de poder assumisse a presidência da República. Acho que a eleição do capitão foi boa para a democracia do Brasil, mas ele não está aproveitando essa oportunidade. Isso que eu lamento.

A sua amizade com Gustavo Bebianno data de quanto tempo e como se deu essa escolha dele?

O Bebianno é meu amigo há muitas décadas. Eu o conheci quando ele era estagiário no escritório do doutor Sérgio Bermudes(advogado), de quem eu sou amigo fraterno. E, desde então, a gente se frequentava com pouca assiduidade, mas havia uma estima nossa. Depois, ele foi trabalhar no Jornal do Brasil. Eu assumi a direção do Jornal do Brasil junto com o grupo do Nelson Tanuri, e aí o reencontrei profissionalmente lá. Eu vim reencontrá-lo na campanha do capitão Bolsonaro, quando ele me procurou. Houve o episódio da ascensão dele ao cargo de ministro do governo Bolsonaro, depois a saída dele do governo praticamente menos de 60 dias de ministro, uma experiência humana que eu acho que deixou marcas muito profundas nele, que foi a ingratidão da família Bolsonaro, especialmente do presidente, por tudo o que ele fez para o presidente por todo o período da campanha. Acho que o Gustavo foi a pessoa mais leal que o presidente Bolsonaro teve até hoje ao lado dele. E o presidente Bolsonaro não soube reconhecer essa lealdade e, ao contrário de reconhecer, tratou o Gustavo como se fosse um traidor, uma traição que nunca existiu. Existiu apenas na ficção da cabeça do capitão Bolsonaro. O presidente Bolsonaro cultiva a lista de Schindler ao contrário. Gustavo foi o primeiro dessa lista que tombou e ele ficou muito amargurado. Ele era uma pessoa boa de coração e totalmente desambiciosa. De fato, ele acreditava que o capitão fosse um mito. Para ele, foi muito dura essa decepção de ver aquele processo todo e depois ter sido abandonado. Não pelo cargo, porque quando ele saiu, o presidente Bolsonaro ofereceu a ele uma diretoria da Itaipu, o que qualquer pessoa, na circunstância do Gustavo, poderia até aceitar como um prêmio de consolação. E o Gustavo, simplesmente, se negou a aceitar, pegou as coisas dele e voltou para casa e foi cuidar da vida. Depois, ele veio para o Rio de Janeiro e, tempos depois, o governador Doria o convidou para que ele viesse para o PSDB. O convite para ele vir para o partido não foi meu. Aliás, eu não o convidei justamente porque eu achava que, dada a ligação que ele tinha com o capitão Bolsonaro, poderia criar algum tipo de desconforto para o João Doria, governador de São Paulo.

Você já estava exercendo função executiva no PSDB?

Eu já era o presidente do partido aqui no Rio. Eu me tornei presidente do partido praticamente um ano atrás, em abril do ano passado. Mas como o governador o convidou para vir para o partido, eu achei que esse convite vinha ao encontro do que eu desejava. O Gustavo, além de ser meu amigo, seria um grande parceiro nos quadros do PSDB para mim aqui no Rio de Janeiro. Na realidade, o que eu vim fazer foi reorganizar um partido que estava à deriva completamente. Sem estrutura organizacional. Dos 92 municípios do Rio de Janeiro, o PSDB tinha estrutura permanente em 16. O resto estava abandonado pelas últimas eleições. Não havia diretório. Hoje estamos com quase 60 diretórios formados. Até o final das eleições estaremos com todos os diretórios constituídos. Os que são provisórios vão se tornar diretórios definitivos e nós vamos fazer uma convenção para também transformar essa executiva estadual, que hoje é provisória por conta da intervenção que foi feita no partido pelo diretório nacional, como um diretório definitivo também.

Voltando, o Doria convida Bebianno…

Bebianno vem para o partido e, quando ele chega, já havia uma candidata escolhida, que era a secretária Mariana Ribas, que era uma mulher que dedicou a jovem vida dela toda à área da cultura. Foi uma escolha minha, que eu levei para o governador analisar. Ele gostou, se afeiçoou com a nossa Mariana. Doria tem um mantra, que ele repete o tempo inteiro, que é de que nós devemos trazer para o PSDB jovens e mulheres. Então, inspirado por essa orientação, fui buscar a Mariana, jovem, mulher, bonita, competente, preparada. Ela tinha todas as qualificações para desempenhar de forma muito boa a condição de pré-candidata à Prefeitura do Rio, porque ela conhece os problemas da Prefeitura, ela viveu lá praticamente dez anos da vida dela. Acontece que a Mariana, ao longo desse processo, foi se dando conta de que o peso dessa escolha estava além da sua capacidade de suportar. E, num dado momento, ela me procurou dizendo que não estava feliz nessa condição. Eu falei: “Mariana, se você não está feliz, não há o que falar mais. Não tem outro argumento, porque isso é uma função que você aceita, sobretudo, porque você está apaixonado por essa causa e suporta a pressão de desempenhar esse trabalho. Eu peguei a Mariana e levei para uma conversa com o governador Doria, em São Paulo, e a Mariana revelou para ele esse sentimento que ela estava tendo em relação a esse projeto da campanha. A partir disso, nós três decidimos que a pessoa melhor preparada que nós tínhamos no partido para substituir a Mariana era o Gustavo Bebianno, que já estava filiado ao partido. Ele tinha sido filiado em dezembro do ano passado.

Só faltava ele aceitar…

Mas foi uma escolha natural. Ele já tinha manifestado que gostaria muito de participar desse processo. E foi até indicado por várias lideranças do partido, sobretudo, pelo prefeito de Macaé, o Dr. Aluízio, que é um grande quadro do PSDB. O Dr. Aluízio foi a primeira pessoa que levou para o diretório estadual a indicação do Gustavo como pré-candidato, através de uma carta que ele entregou para a gente avaliar a possibilidade até de fazer uma prévia no partido entre a Mariana e o Gustavo. O Gustavo se tornou, naturalmente, o candidato. Ele tinha muita paixão por essa perspectiva. O Gustavo achava que ia ganhar a eleição, que ele tinha uma mensagem para passar para a população do Rio. Ele era um carioca apaixonado pelo Rio, botafoguense, uma pessoa que tinha condição de enriquecer o debate eleitoral deste ano. Eu tenho certeza que ele ia ser uma presença muito marcante nessa eleição. Mas aí o destino nos prega essa peça. Ele com 56 anos de idade.

Bebianno, em algum momento lhe disse, segredou ter documentos, ter aquela carta, ter informações, ter dossiê, ter algo da história da relação dele com o presidente Bolsonaro?

Não. Nunca. Aliás, isso é um folclore que a mídia criou. Esse ambiente é muito mais para criar essa teoria, porque como o presidente Bolsonaro vive numa bolha de teoria de conspiração, as pessoas começam a achar que todo mundo vive nesse ambiente. Acontece que o Gustavo não tinha, nunca teve nenhum documento. Ele me disse isso várias vezes.

Você chegou a perguntar?

Perguntei. A gente já conversou sobre isso, a gente era muito amigo, tinha muita intimidade.

Aquilo de que poderia existir no exterior…

Não, não. Absolutamente. A única coisa que o Gustavo tinha era um celular que já não usava mais, onde ele guardou áudios trocados com o presidente da República durante o período da campanha.

Onde está esse celular?

Não sei, deve estar com a esposa dele. Mas, enfim, onde ele tinha ali áudios trocados entre ele e o presidente da República durante breve período da presidência e também muitos áudios durante a campanha. Mas nada relevante que possa ser tratado como uma grande conspiração, uma revelação que vá estremecer a República. Ele foi leal até a morte. Ele apagou da memória dele esse período triste da sua vida.












Comentários

 




    gl