Artigo: Em busca de Tancredo

Tancredo Neves. Foto: Divulgação

Tancredo Neves. Foto: Divulgação

Em situação inédita no século 21, mais da metade do eleitorado brasileiro não figura nas intenções de votos dos líderes das pesquisas na eleição presidencial.

Na última vez em que a situação ocorreu, os brasileiros não votavam fazia 28 anos.

Em 1989, ocorreu a primeira eleição presidencial da Nova República. Após duas décadas de ditadura, havia duas dezenas de candidatos. Milhões tiveram sua primeira oportunidade de voto presidencial.

O eleito teve menos de 30% dos votos no primeiro turno.

Fernando Collor foi candidato por um pequeno partido, criado pouco antes das eleições – o PRN. Azarão, cresceu nas pesquisas com base na imensa rejeição ao presidente José Sarney, do PMDB. Ao se tornar o anti-Sarney, Collor simbolizou para milhões de brasileiras e brasileiros um futuro diferente do que os anos 1980 apresentavam: a “década perdida” de hiperinflação e desemprego.

Os partidos que apoiaram Collor e o PRN no segundo turno foram decisivos para a vitória apertada sobre Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os mesmos partidos hesitaram em apoiar o novo presidente em seus primeiros anos, quando a economia experimentou um período de retrocesso profundo. Na metade do mandato, Collor foi alvo de um processo de impeachment por acusações de corrupção. Sem apoio no Congresso e com as ruas abarrotadas de gritos de “Fora Collor”, sua queda foi rápida.

Coube a Itamar Franco completar o mandato de Collor. Ironicamente, dando prosseguimento a parte de suas reformas econômicas com o apoio do PMDB e partidos que lideraram o impeachment.

Uma geração depois, o quadro de crise institucional mesclada com crise econômica se repetiu.

A Nova República se caracterizou como uma transição democrática condicionada por dividendos econômicos. O crescimento da economia produziria o excedente de recursos a ser utilizado na inclusão lenta e gradual de grupos sociais dantes invisíveis na disputa política. Essa foi a promessa de todos os governos que sucederam as ditaduras militares após 1985, de Sarney a Michel Temer.

Quanto o crescimento não veio, além da frustração do eleitorado, a Presidência da República se deparou com um Congresso hostil e um Judiciário disposto a referendar processos de impeachment.

Dilma Rousseff (PT) experimentou um rápido desgaste político após sua reeleição em 2014 e a piora significativa dos indicadores econômicos. Abandonada por aliados – incluindo seu vice-presidente, Temer, presidente do PMDB – Rousseff se embateu com um Congresso abertamente contrário a suas políticas durante os dois primeiros anos de seu segundo mandato. Diante de um impeachment, mais de 50 milhões de votos foram insuficientes para assegurar sua estadia no Palácio do Planalto.

Sintomaticamente, nenhum candidato na atual disputa traz à memória dos eleitores os governos Collor e Rousseff. Nem mesmo o candidato do partido da ex-presidenta, Fernando Haddad.

À medida que o calendário eleitoral avança, a polarização se aprofunda. As candidaturas lutam para se cristalizar, aos olhos do eleitorado, como alternativas de esquerda, centro e direita ao mais impopular governo da República. Como Sarney, Temer é ignorado pelo candidato de seu partido, Henrique Meirelles. Sua grande rejeição faz os demais candidatos se oferecer como os anti-Temer.

No Brasil do século 21, as eleições gerais renovam tanto o ocupante do Planalto quanto o Congresso e os governos estaduais. Todos os cargos, entretanto, ficam ofuscados pelo brilho da Presidência. É apenas a oitava vez que o país poderá eleger uma presidenta ou um presidente nos últimos 30 anos. Mesmo após os impeachments, não atentamos para a importância fundamental do Legislativo.

Em Novembro de 2018, cenário amargo aguarda os vencedores. Além do legado do breve governo Temer, as principais candidaturas têm notável escassez de alianças parlamentares e capilaridade em diferentes regiões do país. Mantido esse cenário, estarão à mercê dos humores voláteis de uma outra multidão de eleitos – só que a atenção do eleitorado para com o Parlamento é muito menor.

Nesse cenário de grande incerteza, as expectativas estarão voltadas para o Planalto. Aguardando a retomada do crescimento econômico após uma prolongada recessão, num país mais estável, no qual um futuro diverso, inclusivo, justo seja possível, após ondas de ódio como há muito não víamos.

A busca por uma candidatura moderada é natural, num ambiente de polarização. A esperança de um futuro próspero e justo, por sua vez, é fruto de 20 anos de crescimento econômico com justiça social. O Brasil viveu duas décadas inéditas entre 1995 e 2014. Uma sequência de eleições produziu governos de partidos diferentes, que conseguiram retirar o país dos dilemas dos anos 1980. Houve um aprendizado importante para a democracia: mudanças eleitorais têm que ser respeitadas. Os novos governos mantiveram as conquistas dos anteriores e acrescentaram suas próprias inovações.

Trinta anos após a queda do Muro de Berlim, o Brasil está numa situação estranha. Busca encontrar um novo Tancredo Neves, capaz de unir um país dividido e contraditório. Busca voltar a crescer e incluir novos grupos no jogo da democracia. Com tantas nostalgias, perdemos a noção do presente.

O Brasil de Temer tem um problema que o de Sarney desconheceu. Há 30 anos, vivíamos a euforia de uma nova Constituição e do fim da Guerra Fria, com a vitória das democracias liberais. A sensação era de que com democracia, a prosperidade futura estava assegurada. Essa foi a principal promessa feita nas eleições de 1989. Mas em 2008, o mundo enfrentou a maior crise econômica desde 1929.

Em 2018, vivemos a terceira década da Constituição cidadã e a primeira década após a crise de 2008. Após dois impeachments, sabemos dos limites da democracia criada após as ditaduras. Convivemos com a escassez, num mundo menos integrado que o dos sonhos de 1989, no qual muros proliferam e ondas de ódio se avolumam. Eleições mundo afora produzem surpresas: xenofobia, Trump, Brexit, o retorno do fascismo e do neonazismo. E um grande incômodo com as forças políticas tradicionais.

Se as candidaturas moderadas patinam nas pesquisas, o segundo turno se avizinha representativo da polarização que o Brasil viveu após a crise de 2008. Grande parte do eleitorado viverá o desalento já visto em outras partes do mundo. Possivelmente, teremos índices recordes de abstenção. Diante de um mundo mais complexo do que o do século anterior, os novos governos surgem fragilizados.

Em busca de Tancredo, a Nova República aprofunda suas contradições.

Se as esperanças forem frustradas novamente, teremos mais um roteiro do impeachment em ação.

*professor de Relações Internacionais, da Universidade Federal do Tocantins (UFT)

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