Cheryl Berno. Foto: Acervo pessoal

Cheryl Berno

Advogada, Consultora, Palestrante e Professora. Especialista em direito empresarial, tributário, compliance e Sistema S. Sócia da Berno Sociedade de Advocacia. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, Pós-Graduada em Direito Tributário e Processual Tributário e em Direito Comunitário e do Mercosul, Professora de Pós-Graduação em Direito e Negócios da FGV e da A Vez do Mestre Cândido Mendes. Conselheira da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

Aposentados sofrem com cobranças abusivas dos bancos e estão endividados

Aposentado fazendo contas. Foto: Reprodução de Internet

Segundo pesquisa do Instituto da Confederação Nacional do Comércio – CNC, 67,5% das famílias entrevistadas estão endividadas. Trata-se do número mais elevado dos últimos anos. Entre os mais afetados estão os mais pobres e idosos, para os quais são empurrados empréstimos consignados, com desconto direto na aposentadoria. Esse tipo de “oferta”, na maioria das vezes ilegal, tem gerado cobranças abusivas pelos bancos, nos quais os aposentados são obrigados pelo Governo e INSS a manter conta.

Um prática que tem se tornado regra é o envio pelo banco de cartões de crédito não solicitados. Como o cartão da conta se confunde com o de crédito, o idoso pode nem se dar conta e sair gastando sem saber que está utilizando a função crédito, cujos juros são exorbitantes, isto sem contar o débitos de mensalidades altas pelo cartão que nem foi pedido. Pode parecer simples para quem sabe mexer na internet mas estes ignoraram os milhares de brasileiros que não fazem nem ideia de como lidar com estas coisas virtuais.

Reclamações sobre débitos não autorizados na conta, também tem sido frequentes. Porém, o que tem causado a maior dor de cabeça é mesmo o empréstimo consignado, cuja contratação muitas vezes não foi nem autorizada e mesmo tendo sido, o banco não cumpre a lei, explicando claramente as condições, em especial, os juros cobrados, que normalmente são abusivos.

Luiz (sobrenome omitido para a sua segurança), foi um dos milhares de aposentados vítimas desta prática. Ele não recebia mais a aposentadoria e mesmo tendo procurado o banco, não conseguiu as informações indispensáveis para entender o que estava acontecendo. Reclamou, com ajuda da filha, no site oficial do Governo e a coisa ficou ainda pior porque o banco apareceu com dois novos empréstimos não solicitados. Sem saber o que estava acontecendo, deu procuração para a advogada tenta obter as informações, mas mesmo assim o banco continuou se recusando a esclarecer, e solicitou procuração pública, que não é obrigatória e tem custos.

Não conseguindo resolver com o banco, o aposentado recorreu ao Juizado Especial Cível, de Pequenas Causas, mas o Juiz, mesmo sendo especializado em matéria bancária, disse que a causa era muito complexa para a sua equipe resolver. Diante da insistência da advogada, concordou em ao menos citar o banco, que não conseguiu apresentar um contrato sequer dos empréstimos, que alegava que o aposentado teria feito e quanto aos juros, de quase 20% ao mês cobrados em um dos empréstimos, disse que valia o contratado, embora não tenha apresentado nenhum contrato, nem uma memória de cálculo que fosse.

O juiz disse que estas contas de juros são muito complexas e mesmo a advogada dizendo que hoje em dia existem programas gratuitos na internet que fazem as contas de forma simples, o juiz preferiu abrir mão da tarefa de analisar e julgar (na verdade nem foi ele, foi uma juíza leiga, uma advogada, que nem é acessível aos advogados e partes, substitui o juiz). Nem a apresentação da calculadora do Banco Central adiantou. Aliás, o Banco Central foi o primeiro a lavar as mãos, respondeu que não faz nada contra as práticas ilegais dos bancos.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) vai fazer 32 anos em setembro e prevê desde o início a obrigação de qualquer banco, empresa ou prestador de serviços, públicos ou privados, fornecer informações completas, de forma clara para o consumidor, mas nem a justiça, que conhece a lei ou deveria conhecer, tem contribuído para fazer valer as regras.

Mesmo quando admite que o consumidor tem razão, não quer dar a indenização pelos danos morais, diz que no máximo, houve “mero aborrecimento” em ser cobrado indevidamente e ter que entrar na justiça. Assim, tem sido muito vantajoso para os bancos a manutenção desse modo de operar. Estão aí os lucros para provar que a prática está surtindo efeitos.

Dia destes, constatei que o banco manda automaticamente o aposentado para sites de compras na internet. O coitado está lá na conta-corrente tentando descobrir os débitos indevidos e de repente é remetido para um site de compras, prática que fere a Lei Geral de Proteção de Dados, que exige a concordância expressa e por escrito para o uso e compartilhamento de dados para outras finalidades. Fere o CDC, mas e daí?

No caixa automático também tem sido comum ao tentar sacar e vir uma mensagem dizendo que para emprestar você deve clicar de um lado, se errar, sai com um empréstimo que nem queria, por erro e depois você que prove que não era isto, que foi enganado.

O Código de Defesa do Consumidor diz ainda que o juiz pode inverter o ônus da prova, ou seja, pode mandar a empresa provar que o consumidor está errado, mas até isto tem sido negado. Agora, sob a máxima de que o acesso se dá com a senha e até com o reconhecimento digital, os juízes já partem logo da premissa que todo devedor é culpado, até que ele mesmo prove o contrário, embora de um lado esteja Davi e do outro Golias. Os aposentados estão jogados à própria sorte, endividados.

O idoso aposentado, hipossuficiente da relação, não tem nem os direitos previstos no Estatuto do Idoso garantidos. É um Deus nos acuda, porque se depender das autoridades públicas e da justiça, o aposentado morre de fome, antes de ver um direito reconhecido, ainda mais se tiver que passar por um processo comum, que se exija perícias para fazer as contas de juros.

É difícil de acreditar, até que 10 de junho fui vítima. Fui sacar dinheiro no caixa automático do banco (da abelhinha), digitei a senha, coloquei a biometria e o dinheiro não saiu. Para a minha sorte tinha uma funcionária que viu, mas se fosse final de semana? Como provar que você fez tudo e não saiu o dinheiro? Fosse o aposentado, já iam dizer que ele está senil, que é culpado. A funcionária disse que iam devolver na conta, mas não devolveram. Sob protestos, creditaram, mas quando deram o extrato eis que veio a surpresa: o banco estava debitando há sete meses a mensalidade de um cartão nunca solicitado, desconhecido.

A gerente disse que tinha que ligar para cancelar o cartão que nunca pedi, pelo contrário, quando abrir a conta, deixei claro que não queria nada, nem limite, já para não ter confusão. O banco até cancelou depois de muita insistência, mas disse que ainda vai dar um parecer se vai devolver o dinheiro “tirado” da conta sem autorização e que se concordarem em devolver, será sem juros e sem correção, mesmo que o Código de Defesa do Consumidor determine a devolução em dobro em caso de cobrança indevida, como é o caso (até o fechamento desta matéria o Banco não devolveu o dinheiro roubado da conta da cliente).

Por aí podemos imaginar quantos idosos estão sendo “picados” e sofrendo, calados, com o ferrão da “abelhinha”, ficando doentes e até morrendo em razão destas relações bancárias nada saudáveis.

Está muito claro porque entre as 10 empresas mais reclamadas nos Procons de todo o Brasil, 6 são bancos. Cabe aos executivos destas instituições financeiras assistirem as suas próprias propagandas “humanizadas”. Vamos falar as palavras? O consumidor merece respeito.

Onde reclamar e maiores informações:

Lei nº 8.078 de 1990 – Código de Defesa do Consumidor – CDC

https://consumidor.gov.br/pages/principal/?1654909120398

https://www.reclameaqui.com.br/

Procon da sua cidade

Juizado Especial de Pequenas Causas ou Justiça Comum

Leia também:

+ Eleições 2022: Ciro Gomes promete fim da reeleição e de militares no governo

+ New York Times diz que Bolsonaro tem apoio dos militares para contestar as eleições

Comentários

 




    gl