A cultura do brasileiro é mesmo apreciar a desordem?, por Sidney Rezende

A deposição da ex-presidente Dilma Rousseff – e a consequente vitória de Jair Bolsonaro –  fez crescer a narrativa de que conservadores e direitistas são proprietários da ética, da ordem e dos bons costumes. Popularizou-se a expressão “pessoas de bem” para dividir quem empunhava a bandeira da decência em contraposição aos demais que não vestem esta camisa amarela.

O filho do presidente Eduardo Bolsonaro foi no detalhe: “As mulheres de direita são muito mais bonitas do que as de esquerda. Não mostram o peito na rua e não defecam para protestar”, afirmou. “Ou seja, as mulheres de direita são muito mais higiênicas que as da esquerda.”

Eduardo Bolsonaro. Foto: Divulgação
Eduardo Bolsonaro. Foto: Divulgação

Quase dois anos e meio depois, exemplos demonstram que esta aliança com a “ordem e progresso” não é bem assim.

O senador Flávio Bolsonaro comprou uma mansão de quase R$ 6 milhões no luxuoso Lago Sul, em Brasília, e quando o presidente foi indagado por um repórter no Acre o que ele tinha a comentar sobre a rica aquisição de patrimônio da família, encerrou intempestivamente a entrevista. O repórter foi demitido.

O deputado Daniel Silveira (PSL/RJ) foi preso por uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, depois de atacar raivosamente o colega de toga Edson Fachin. É bem verdade que  não demorou o parlamentar já estava com sua prisão domiciliar decretada e com tornozeleira eletrônica na perna.

Muitos saíram em defesa de Silveira argumentando que a sua liberdade de expressão foi atropelada e, que, por ser deputado, pode dizer o que bem entender, doa a quem doer. Será mesmo? (Leia abaixo um trecho pouco divulgado pela mídia, do vídeo que levou a prisão do parlamentar): “Você (Fachin) tem que tomar vergonha na sua cara, quando você for tomar banho, olhar o bilauzinho que você tem e falar: ‘porra, acho que sou um homenzinho, vou parar com minhas bobeirinhas’. Tô sendo dúbio demais, tô sendo ogro, tô sendo tosco? O que você espera? Que eu seja o quê? Que eu tenha um tipo de comportamento adequado para tratar Vossa Excelência? É claro que eu não vou ter. Eu sei que você está vendo esse vídeo aí, daqui a pouco seus assessores e o Alexandre de Moraes, e o Toffoli, e assim por diante. Mas eu tô [fazendo gesto com as mãos] cagando e andando para vocês”, disse Daniel Silveira em um vídeo largamente divulgado nas redes sociais.

Deputado federal Daniel Silveira, do PSL. Foto: Reprodução de Internet

Há poucas semanas, um grupo de bolsonaristas, de forma hostil, cercaram uma mulher na Avenida Paulista ao se sentirem incomodados por ela estar usando uma máscara de proteção no nariz e na boca. Uma, não, duas máscaras! Eles debocharam dela, a chamaram de “covarde”, “escrava do Doria” e pareciam dispostos a atacá-la simplesmente porque a senhora seguia a orientação de autoridades de saúde que recomendam cuidados sanitários para evitar aglomeração e propagação do vírus. As pessoas que discordam disso são contra os cuidados comprovadamente eficientes para evitar o agravamento da pandemia. Enfim, onde está a ordem e onde está a desordem no Brasil?

Nossa cultura é ser tolerante com o errado

Vamos pensar juntos sobre isso! Um pai brasileiro foi visitar sua filha na Suécia e eles pararam na calçada para aguardar o semáforo abrir. Surpreso, ele perguntou:

– Por que estamos parados aqui? Não está vindo nenhum carro, a pista está vazia.

O sueco que os acompanhava respondeu com um sorriso.

– Porque alguma criança pode estar vendo e não será um bom exemplo para ela arriscar sua vida e a do motorista do veículo que pode estar vindo! E também porque somos educados para passar na faixa e quando a luz estiver verde!

O craque do campeão brasileiro Flamengo, Gabigol, e o ídolo da juventude MC Gui foram flagrados em cassino clandestino em São Paulo.

Gabigol e MC Gui. Foto: Reprodução

Todos os exemplos acima de pessoas tão diferentes, tidas como pessoas de bem, só exemplificam que nossa cultura é tolerante com o enriquecimento suspeito, desrespeitosos com autoridades, normalizamos os ataques às mulheres, gays e negros, cultivamos a cultura da violência e aceitamos agressões a céu aberto, praticamos ilegalidades e somos generosos com a contravenção.

Em resumo, os direitistas não podem bater no peito e dizer que são melhores do que os outros. Temos que firmar um compromisso adulto com a moralidade, mas isto quando entendemos que somos uma só sociedade e não devemos ser passivos diante da ilegalidade.  A lei que vale para outro, vale para nós, também.

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