As reeleições de Vladimir Putin e Xi Jinping numa ordem internacional em transformação

Xi Jinping e Vladimir Putin. Foto: Reprodução de Internet

Xi Jinping e Vladimir Putin. Foto: Reprodução de Internet

Vladimir Putin acaba de ser reeleito com mais de 70% dos votos para novo mandato de seis anos como Presidente da Federação Russa. Na semana anterior, Xi Jinping obteve novo mandado de cinco anos como Presidente da República Popular da China, no 13º Congresso Nacional do Povo. Uma reforma constitucional permitiu a reeleição do mandatário chinês, ocupante mais longevo do cargo desde o início da Revolução de 1949. Após a eleição, a Rússia começa a discutir a possibilidade de reforma similar que permita a Putin concorrer novamente ao seu cargo em 2024. O atual presidente é o líder que mais tempo ocupou o cargo máximo no país herdeiro da União Soviética.

Outras coincidências unem os líderes proeminentes dos países BRICS. A coincidência dos mandatos de Putin e Jinping remonta a 2013. Na década que se seguiu à crise de 2008, seus países mantiveram taxas de crescimento mais próximas do auge da crise do que da bonança do novo século. A Rússia despencou de taxas superiores a 10% de crescimento para máximas atuais de 2%, incluindo recessão de 2013 a 2017. A China se estabilizou no platô de 7% após anos a fio de crescimento de dois dígitos.

Em relação à economia global, a Rússia se manteve aproximadamente no tamanho que ocupava na virada do milênio, ao passo que a China se consolidou como um dos motores do crescimento global. A promessa de que os BRICS trariam respostas à crise de 2008 permaneceu incompleta. A perda de fôlego da Rússia (e de Brasil e África do Sul, com padrões do PIB similares pós-2013) aumenta o contraste entre esses emergentes e a China (o mesmo pode ser dito da Índia). Não obstante, ambos lograram diminuir o abismo social nas respectivas sociedades. O Índice de Gini na Rússia e China vem caindo desde a crise de 2008 – o que explica, em parte, a renovada popularidade das lideranças. Outra ação que alavancou a popularidade é o combate à corrupção – embora com efeitos retóricos.

O papel reservado a potências regionais parece incômodo tanto para a Rússia quanto para a China – por razões distintas. Herdeira de uma superpotência e tropeçando em recursos escassos, a Rússia pós-crise investe em seu entorno regional em busca de desdobramentos globais. Ainda a segunda maior potência militar do globo, sob Putin o país interveio na Geórgia, patrocinou a anexação da província ucraniana da Crimeia e tornou sua presença decisiva no teatro de guerra na Síria.

Em campanha, o presidente capitalizou gestos de força como o anúncio de um “supermíssil” capaz de ignorar as defesas ocidentais. As sanções impostas pelo Reino Unido (após verificação do uso do composto Novichok contra o ex-espião Sergei Skripal) forneceram inesperado alento nacionalista a Putin (e facilitaram um momento crucial da negociação do Brexit com os países da União Europeia). A lenta agonia de Donald Trump com acusações de interferência russa nas eleições dos Estados Unidos (2016) é outro fator que reverte no aumento da popularidade doméstica do ex-líder da KGB.

A promessa de Putin de um novo governo “como jamais visto” terá em vista os desdobramentos desfavoráveis das sanções europeias em curso desde a anexação da Crimeia e as convulsões globais nas relações turbulentas com a nova administração norte-americana.

Herdeiro de uma revolução vitoriosa, as políticas de Xi Jinping buscam criar tênue equilíbrio entre pressões domésticas da economia pujante e o ambiente internacional favorável à ascensão chinesa.

Na janela de oportunidade que se seguiu à retração do poder suave dos Estados Unidos sob Trump, Jinping se mostrou contundente na busca por uma China indispensável na regulação dos principais regimes globais – promovendo tanto o comércio mais livre quanto uma incipiente sustentabilidade.

A busca por regulação articula as dimensões doméstica e externa, o que se aplica tanto à competição interna no Partido Comunista Chinês e à luta contra a corrupção na jovem classe empresarial quanto na integração logística da Ásia, através da iniciativa da Nova Rota da Seda (“um cinto, uma estrada”).

Num sistema internacional em transformação, a busca por protagonismo implica a capacidade de articular parcerias de diferentes escalas, com diferentes atores. A euforia de um único mundo globalizado que se seguiria à queda do Muro de Berlim não se concretizou. 30 anos depois, um mundo com diferentes caminhos misturados se interpõe entre nossas certezas e expectativas.

Ao se tornar um parceiro indispensável para a grande maioria das nações contemporâneas, a China de Xi Jinping busca auferir o mesmo efeito que a Rússia de Vladimir Putin: o reconhecimento internacional de uma grande potência. Porém, o método que impulsiona esses objetivos é distinto.

Ao trazer à tona o legado da União Soviética, a Rússia recorre às memórias da Guerra Fria. A atuação intensiva em algumas regiões e em confronto com o Ocidente torna a Rússia uma grande jogadora. Ao passo que a China busca evitar atritos desnecessários com a superpotência em turbulência. O conceito chinês “duojihua” (diplomacia assimétrica) traduz um dos futuros possíveis, num mundo parcialmente globalizado, no qual o multilateralismo erodiu e as instituições se veem reféns entre controvérsias locais e globais. Putin e Jinping são beneficiários da incerteza nas democracias liberais.

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