Um balanço sobre as novelas da televisão brasileira em 2016

É justamente no período de crise econômica que surgem os grandes projetos. Com menos dinheiro, a solução é buscar na criatividade algo que possa ser o diferencial para atrair o telespectador. A crise que o Brasil atravessa obrigou as emissoras a colocarem os pés no chão em muitos segmentos da programação, inclusive na teledramaturgia. As novelas viajaram menos e concentraram os trabalhos em estúdios e cidades cenográficas.

Em 2016, o público assistiu a boas e eficientes tramas, num momento muito interessante e com a oferta de variantes de um mesmo gênero. Entraram no ar histórias rurais, urbanas, bíblicas, de época, comédias românticas, musicais, infantis e clássicas.

“Velho Chico” foi um dos grandes destaques deste ano. Aguardada com ansiedade pelo telespectador, a trama idealizada por Benedito Rui Barbosa quebrou uma longa sequência de histórias urbanas muito próximas da realidade e chegou com uma fotografia diferente, o que gerou, inicialmente, um certo estranhamento. Entretanto, a primeira fase da novela foi arrebatadora pela intensidade do texto, belas interpretações, cor excepcional, figurino caprichado e uma linguagem artística com a assinatura de Luís Fernando Carvalho. A presença de Rodrigo Santoro foi outro elemento que atraiu o público.

Apesar de quebrar a sequência de novelas urbanas, “Velho Chico” foi um texto muito atual, com referências à política e às questões sociais mais urgentes de nosso país e uma importante discussão sobre a ocupação do solo.

“Velho Chico” levou ao telespectador excelentes interpretações, entre elas a de Selma Egrei. A atriz foi perfeita do começo ao fim com Encarnação, personagem que determinou e influenciou os demais núcleos da trama. A novela entrará, sem dúvida, para a relação das mais lembradas pelo telespectador.

Outro destaque foi “Liberdade, Liberdade”, texto ficcional que passou pela história brasileira e conseguiu, apesar de ser de época, falar bastante dos problemas do Brasil atual. A novela das 23 horas foi ousada ao mostrar pela primeira vez uma cena de sexo entre dois homens. O que poderia gerar muita polêmica, chegou ao vídeo com delicadeza e respeito ao telespectador, que foi preparado para esse momento durante os capítulos ao acompanhar uma relação que cresceu dia após dia a partir da amizade.

Quando “Êta Mundo Bom” entrou no ar, ninguém duvidava que um novo sucesso estava começando. Walcyr Carrasco já havia mostrado a todos que domina o estilo ideal para a faixa das 18h e, por isso mesmo, foi escalado para o trabalho ainda durante a realização de “Verdades Secretas”.

Já nos primeiros capítulos o telespectador viu uma história com ritmo, humor, romances e os elementos tradicionais do folhetim. O elenco bem escalado era mais uma garantia de sucesso. O que poucos esperavam é que essa produção abrisse uma grande vantagem em audiência, superando em muito as novelas anteriores. “Êta Mundo Bom” fechou com 27 pontos de média, a maior nos últimos 9 anos.

Walcyr Carrasco entregou ao público uma história divertida. Inocente em alguns momentos, mas com pitadas de malícia em outros. A ingênua Mafalda divertiu a plateia com a sua curiosidade para descobrir o que era o Cegonho e porque as mulheres gostavam tanto dele. Zé dos Porcos foi uma delícia de personagem com sua paixão pela mocinha e a relação com os animais. Sérgio Guizé resgatou um Mazzaropi para o protagonista Candinho e Marco Nanini brilhou como Pancrácio. Na tela sobraram elementos para o sucesso.

Novela é assim. Não precisa obrigatoriamente falar sobre o atual momento do país, realizar campanhas sociais ou mobilizar o público. Basta divertir e provocar a vontade no telespectador de voltar no dia seguinte. “Êta Mundo Bom” conseguiu isso.

Na sequência, entrou no ar “Sol Nascente”, de Walther Negrão, Suzana Pires e Júlio Fischer, com uma proposta diferente. O romance estava no ar a partir de uma paixão de um homem pela sua melhor amiga. O argumento talvez não tenha envolvido inicialmente o público, que apontou para mudanças, principalmente para mais vilania e mais casais nas tramas secundárias. A novela é indicada para quem gosta de histórias leves de amor, sem muito compromisso.

Outro bom destaque em 2016 foi “Haja Coração”, uma releitura de “Sassaricando”. Daniel Ortiz conseguiu resgatar personagens marcantes das obras de Silvio de Abreu e levar ao telespectador uma história contemporânea e eficiente. Tancinha funcionou novamente com seu português errado e o autor soube levar a plateia para a torcida com quem ela deveria ficar: Beto e Apolo. Mas, como novela é obra aberta, o casal Shirlei e Felipe caiu na graça do público e, em alguns momentos, foi mais interessante que os protagonistas.

“Haja Coração” ficará como um bom exemplo do que deve ser um remake: buscar num sucesso apenas o ponto de partida para uma nova história.

Durante este ano, o público foi fundamental para a condução de uma novela do horário nobre. “A Lei do Amor” estreou depois do sucesso de “Velho Chico” com a proposta de colocar no ar uma história contemporânea com muitas tramas paralelas. Também era o objetivo da direção apostar em novos atores para papéis importes, sem descartar os artistas consagrados nas personagens fundamentais de cada núcleo.

Dividida em duas fases, talvez o maior erro de “A Lei do Amor” tenha sido a escalação do elenco para a primeira etapa da história. Vera Holtz e Tarcísio Meira, por exemplo, aparecem mais jovens nos capítulos iniciais, mas outros personagens contaram com personagens distintos. Na mudança de época, a confusão para o telespectador.

Outro ponto que não agradou muito telespectador foi o excesso de personagens. No grupo de discussão realizado pela Globo ficou muito claro o desejo do público de assistir a uma história mais compacta, concentrada em alguns núcleos. Ao ajustar a trama a partir desse resultado, “A Lei do Amor” ficou mais intensa e começou a recuperar sua audiência. Essa é a prova de que em novela quem manda é a pessoa que está em casa à frente da televisão.

Já em “Rock Story”, a participação do público foi outra, mas também decisiva. As pesquisas reforçaram o que estava no ar e a aceitação foi praticamente imediata. A novela conseguiu conversar com um público formado por gerações diferentes, brincar com a fama e passar pela música sem deixar de lado os elementos tradicionais do folhetim.

Depois de um deslize no planejamento em 2015, quando a “Record” não conseguiu substituir o sucesso “Os Dez Mandamentos” com outra produção inédita, neste ano, a teledramaturgia da emissora acertou em cheio em seus dois horários. “Escrava Mãe” e “A Terra Prometida” conseguiram conquistar audiência e, mais do que isso, apresentaram ao público produtos de excelente qualidade.

“Escrava Mãe” inaugurou a faixa das 19h30 e, desde o primeiro capítulo, registrou médias acima dos dois dígitos, com poucas oscilações para baixo. A trama de Gustavo Reiz recuou no tempo para contar a história dos pais de Isaura, a escrava mais famosa da televisão brasileira. Já no início o público assistiu a sequências com muita ação e tensão, sinais bem claros do que vinha pela frente.

“Escrava Mãe” reuniu um elenco interessante, com destaque para as boas interpretações de Jussara Freire, Thaís Fersoza, Bete Coelho e Luiz Guilherme. Fernando Pavão, Milena Toscano e Zezé Motta também estiveram acima da média. E o português Pedro Carvalho foi uma escolha acertada para o principal papel masculino, um homem que chega ao Brasil e se apaixona pela escrava Juliana.

Apesar de todas as referências históricas, “Escrava Mãe” contou com todos os elementos do folhetim. Vilões para atrapalhar os mocinhos, romances impossíveis e grandes paixões fisgaram o telespectador. Totalmente gravada, Gustavo Reiz não precisou enfrentar a pressão da audiência, que, às vezes, leva autores a promoverem verdadeiras reformas em suas novelas. A história seguiu seu planejamento.

“A Terra Prometida” foi outro grande acerto da teledramaturgia da “Record” e representou mais um degrau conquistado nesse segmento de adaptações de histórias bíblicas. A sequência real de “Os Dez Mandamentos”, já que dá continuidade à saga do povo hebreu após a morte de Moisés, conseguiu fazer um elo com a novela anterior e acrescentou muitos elementos.

Quem assiste à “A Terra Prometida” percebeu nitidamente que houve um avanço muito grande na realização dos efeitos especiais e a presença de muitas referências de produções internacionais. Na tela, sequências de lutas com mais realismo e uma cenografia com mais cuidado nos detalhes.

Os bons resultados em audiência de “Escrava Mãe” e “A Terra Prometida” apontam para um caminho interessante para a teledramaturgia da Record. Para se diferenciar da “Rede Globo”, o ideal é continuar a investir em tramas de época e adaptações da Bíblia.

No “SBT”, a ordem em 2016 foi esticar “Cúmplices de um Resgate”, adaptação brasileira para um sucesso mexicano que não fez feio. Muito pelo contrário. A novela garantiu bons índices de audiência, agradou ao telespectador infanto-juvenil e se desdobrou num show que lotou as várias apresentações no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, e em outras cidades, como o Rio de Janeiro.

É por isso que a teledramaturgia continuará com força no ano que vem.

Ela representa audiência, faturamento e fidelidade de plateia.

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