SBT: a ‘televisão da família brasileira’ precisa se entender com a internet

Silvio Santos, dono do SBT. Foto: Divulgação

Silvio Santos, dono do SBT. Foto: Divulgação

O SBT é um dos canais de televisão mais populares do país. Uma das redes mais queridas do telespectador. Muito se deve à simpatia do seu cast e à competência do seu líder: a lenda viva Silvio Santos.

Do alto dos seus 86 anos, Silvio não precisa provar mais nada. Como empresário, soube imprimir um ritmo firme nas empresas do grupo, como a Liderança Capitalização, Vimave, Hotel Jequitimar e Jequiti. Se o Banco Panamericano não tivesse passado para outras mãos, o seu poderio seria ainda maior.

Silvio Santos é um comunicador nato, um empresário que, ainda jovem, soube vender tudo o que repousava na banqueta de camelô, e, dali, constituir os alicerces de um império. E o sucesso conquistado no curso da vida parece acumular indefinidamente. É um fenômeno.

Carisma. Ousadia. Inovação. Tudo isso pode aninhar entre os ativos do homem do baú. Mas ele é uma pessoa que sabe compartilhar, embora cabeça dura, tudo tem que ser como ele concebeu na cabeça.

Ele é adorado por seus funcionários. E pela sua própria família. E pela família dos outros.

Enquanto Silvio Santos subia os degraus, ele também abria espaço para seus parentes. Até 2010, em cargos de confiança nas suas empresas, eram 40 profissionais.

Família Abravanel. Foto: Arquivo Pessoal
Família Abravanel. Foto: Arquivo Pessoal

A irmã, Sara Benvinda Soares, toca o SBT Rio. A mulher, Íris Abravanel, é novelista. As filhas Patrícia Abravanel, Silvia Abravanel, Daniela Beyruti, Rebeca Abravanel, Renata Abravanel e Cintia Abravanel estão envolvidas nos bastidores e à frente das câmeras. O neto Tiago Abravanel se consagrou como Tim Maia no teatro e hoje tem carreira própria.

Por tudo isso, é razoável que o slogan do Sistema Brasileiro de Televisão seja “SBT: A televisão da Família Brasileira.”

Danilo Gentili, ‘o politicamente incorreto’

Só que agora surgiu um novo desafio. Como manter a família unida diante da zorra das redes sociais? Como conciliar a vida pessoal dos talentos da casa e suas imagens na telinha do SBT?

Danilo Gentili. Foto: Divulgação SBT
Danilo Gentili. Foto: Divulgação SBT

Outro dia, o comediante do “The Noite”, Danilo Gentili, gravou um vídeo para registrar o momento em que recebia uma notificação judicial enviada pela Câmara dos Deputados representada pela deputada Maria do Rosário, ex-ministra dos Direitos Humanos do governo Dilma Rousseff entre os anos de 2011 e 2014.

Gentili tapou parte do nome do cargo de Rosário e deixou visível apenas duas sílabas: “puta”. Não satisfeito, o apresentador rasgou o documento, esfregou dentro da calça, envelopou, foi a uma agência dos Correios e remeteu à parlamentar. A reação foi postada na internet pelo próprio Gentili.

Ao fim do vídeo, ele mandou a mensagem: “Nunca admita, nunca aceite que qualquer deputado, senador, prefeito governador diga se você pode ou não falar alguma coisa. É você que (sic) diz se eles podem ou não falar. Eles são funcionários de vocês. Sendo assim, Maria do Rosário, chegando a minha cartinha, abre ela retira o conteúdo, sinta o cheiro do meu saco e abra a bunda e enfie no meio dela tudo isso aí que eu estou mandando para você”.

No Twitter, Gentili tinha mais para dizer: “Aí ela chama o cara de estuprador [referência a uma declaração de Maria do Rosário sobre o deputado Jair Bolsonaro] toma empurrão e dá chilique. Falsa e cínica para caraleo (sic)”.

Noutra postagem: “Qdo alguem cuspir em vc devolva com um soco q @_mariadorosario aprova. Cuspir nela qdo ela o chamar de estuprador tb [em referência a uma cusparada dada pelo deputado Jean Wyllis em resposta a uma ofensa feita por Bolsonaro, no dia da votação do impeachment de Dilma]”.

Em maio, o caso ganhou muita repercussão. Não foram poucos os apoiadores da conduta nada educada de Danilo.

Por muito menos, o nadador Ryan Lochte pagou caro nos Estados Unidos por ter mentido que teria sido vítima de um assalto no Rio de Janeiro. O atleta americano perdeu seus quatro patrocinadores oficiais: Speedo, Ralph Lauren, a marca de cosméticos Syneron Candela, e outra de colchões, Airweave. De acordo com a revista americana Forbes, o prejuízo de Lochte foi de 10 milhões a longo prazo.

A Speedo EUA não só rompeu o contrato de patrocínio como doou US$ 50 mil do dinheiro de Lochte a Save the Children, um parceiro de caridade mundial da empresa-mãe da Speedo EUA, para crianças no Brasil. A empresa israelense de produtos estéticos Syneron Candela foi veemente: “Cobramos altos padrões de nossos empregados e esperamos o mesmo dos nossos parceiros. Nós desejamos a Ryan o melhor nas futuras empreitadas e agradecemos a ele pelo tempo em que apoiou nossa marca”.

A fabricante de colchões seguiu o mesmo ritual: “Airweave é um orgulhoso patrocinador dos times olímpico e paralímpico dos Estados Unidos, e nossa dedicação às conquistas atléticas é inabalável. Depois de uma avaliação cuidadosa, tomamos a decisão de encerrar nossa parceria com Ryan Lochte. Nós mantemos o apoio ao Time Estados Unidos e aos atletas que se preparam para os Jogos Paralímpicos”.

Marcão do povo chamou Ludmilla de ‘macaca’

Outro caso ilustrativo. O apresentador Marcão do Povo, que chamou Ludmilla de ‘macaca’ ao vivo num programa de TV, foi demitido pela Record. A emissora foi rápida. “A Record TV vem a público lamentar os transtornos causados à cantora Ludmilla, sua família e seus fãs motivados por um comentário feito pelo apresentador Marcão no ‘Balanço Geral DF’. A emissora repudia qualquer ato dessa natureza e afirma que este tipo de conduta não está na linha editorial de nosso Jornalismo. Por este motivo, a Record TV Brasília optou por rescindir o contrato do apresentador Marcão”, diz o comunicado enviado pela emissora.

Marcão do Povo. Foto: Divulgação SBT
Marcão do Povo. Foto: Divulgação SBT

Menos de 1 mês depois do desligamento, Marcão do Povo foi contratado pela TV de Silvio. Segundo apuração do “F5”, do Grupo Folha, “o SBT considerou o caso entre Marcão e Ludmilla um problema pessoal do apresentador, ocorrido antes de sua chegada à emissora, e não quer se colocar na posição de julgar o novo contratado”.

Para um caso semelhante, a rede americana CBS entendeu de uma outra maneira e demitiu o locutor de rádio Don Imus, acusado de fazer comentários racistas contra uma equipe universitária de basquete de maioria negra nos Estados Unidos. Imus é um dos locutores mais famosos dos Estados Unidos.

Imus inicialmente recebeu uma suspensão de duas semanas por chamar as jogadoras do time de “prostitutas de cabelo pixaim” (“nappy-headed hos”) durante o programa. Anunciantes boicotaram os programas do locutor na rádio CBS.

“Há muita discussão sobre o efeito que esse tipo de linguagem tem nos jovens, especialmente em jovens negras tentando encontrar seu espaço na sociedade”, disse o presidente da CBS, Leslie Moonves, ao anunciar a decisão de demitir Imus. “Isso foi o que mais pesou para nós quando tomamos nossa decisão.”

Ninguém deve usar ondas públicas para transmitir degradação racial ou sexual.

Imus está entre as 25 pessoas mais influentes dos Estados Unidos, e ele era membro do Hall da Fama das emissoras americanas (National Broadcaster Hall of Fame). Seu programa de rádio rendia cerca de US$ 15 milhões por ano em lucros para a empresa CBS. Mas para a empresa, a reputação é mais importante.

Os líderes dos direitos civis americanos Al Sharpton e Jesse Jackson se reuniram com o presidente da CBS para exigir a renúncia de Imus. Eles ameaçaram organizar um protesto em frente à sede da empresa e persuadir anunciantes a abandonarem seu programa.

Jackson chamou a demissão de “uma vitória da decência pública”. “Ninguém deve usar ondas públicas para transmitir degradação racial ou sexual”, afirmou.

De acordo com a Time: “os problemas do locutor também afetaram sua mulher, a escritora Deirdre Imus, cujo livro sobre limpeza doméstica foi lançado nesta semana. O tour promocional do livro foi cancelado. A editora do livro informou que o motivo do cancelamento foi “a enorme pressão que recaiu sobre Deirdre e sua família”.

Consultado pelo SRzd, o colunista Marcio Ehrlich, do veículo “Janela Publicitária”, e um dos analistas mais atentos do mercado brasileiro de propaganda, mostra as diferenças de cultura. “Tenho a sensação de que o público, em qualquer lugar do mundo, tem claramente a noção de que artistas (ou atletas) ganham um bom dinheiro quando aparecem à frente de comerciais atestando a qualidade de um produto ou de uma empresa. ‘O cara acredita mesmo no que está falando ou se vendeu?’. Daí haver a cobrança tão veemente nos deslizes de um lado ou outro. Se a empresa faz bobagem – como aconteceu com a JBS – seus garotos-propaganda, Tony Ramos e Fátima Bernardes, saem arranhados.

“E vice-versa, dando aos patrocinadores o direito, por contrato, de romperem seus vínculos quando o artista extrapola”.

“Curiosamente, não percebo a mesma cobrança em relação ao vínculo de um artista com a sua emissora ou de um atleta com o seu time, talvez por que a visão aqui seja a de que estejamos falando de empregados-empregadores. Há uma relação ‘nobre’ aqui. Portanto, se a bobagem não for feita dentro do ambiente do trabalho, não é problema do empregador. O que também vale pelo outro lado. Se um time ou seu presidente sonega impostos, passa lá pela cabeça de alguém cobrar do jogador que ele deixe de vestir a sua camisa?”

Ética e Princípios

O SBT não é omisso no cuidado com a sua programação. Alguns princípios já foram ressaltados: “Manter o objetivo de ser a emissora da família, não fazer tudo pelos resultados de audiência e modernizar a empresa tendo uma grade estável (Televisão é hábito), continuar mantendo o olhar atento para novas tecnologias, ou seja, elaborar produtos que tenham esta convergência (Web). Reduzir a dependência de São Paulo e dar mais espaços para as afiliadas de maneira mais ampla”.

Há uma preocupação com a audiência mais conservadora.

E há precedente no sentido de atender o interesse da “família conservadora”. A cena de um beijo entre duas mulheres, que seria exibida no dia 7 de julho de 2011 na novela “Amor e Revolução”, causou um desconforto na direção do canal. Mas serviu como “exemplo interno”.

Em um comunicado oficial, na época, o SBT disse que realizou uma pesquisa para avaliar o desempenho de ‘Amor e Revolução’. E o resultado “apontou a insatisfação do público” em relação a essas cenas que “incomodaram a maioria das famílias brasileiras”.

Segundo o autor da novela, Tiago Santiago, que teve que acatar a decisão da direção, “há uma preocupação com a audiência mais conservadora”.

Beijo entre duas mulheres na novela “Amor e Revolução”. Foto: Reprodução.
Beijo entre duas mulheres na novela “Amor e Revolução”. Foto: Reprodução.

Seis anos depois, surge outro caso rumoroso que envolve um dos apresentadores da área de telejornalismo, Dudu Camargo. Um suposto namorado diz ter tido com ele um envolvimento amoroso. Dudu garante ser heterossexual e contrata um amigo advogado para defendê-lo. O SBT agiu com discrição.

Jornalismo SBT. Foto: Divulgação
Jornalismo SBT. Foto: Divulgação

Como resolver, então, os limites a serem ocupados pelos talentos de uma emissora e o grande mundo da internet? O jornalista Luis Erlanger durante muito tempo comandou a Central Globo de Comunicação e, com base na sua experiência, ele faz alertas. “Nesta área, o grande problema das empresas de Comunicação – que deveriam ter seus princípios e valores – é que os artistas saem atirando para tudo que é lado, de acordo com seus interesses ou vontades”.

“Claro que a base, até da democracia, é a liberdade de expressão. Mas os contratados deveriam entender que isso pode ser praticado sem prejuízo do contratante. Se não concordam com a visão de mundo da empresa, deveriam mudar de patrão”, diz.

Mas será que os exemplos do SBT e, o de muitas outras emissoras, é uma peculiaridade do nosso país? “Na verdade, no Brasil, isso não acontece porque as celebridades são levianas, mas porque os grupos de comunicação não são rigorosos em preservar seus valores”, analisa Erlanger.

O SBT, emissora da família brasileira, tem um bom desafio para superar nos próximos meses. Sob pena de ter que ficar explicando: afinal para qual família ela está mesmo falando?

Procurada, a gerência da Central de Comunicação da emissora foi econômica nas palavras: “O SBT não vai se pronunciar.”

A gente entende, isto acontece nas melhores famílias.

 

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