Rachel Valença. Foto: Nicholas Barbosa

Rachel Valença

Carioca, historiadora, filóloga e jornalista. Mestre em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense. Coautora do livro "Serra, Serrinha, Serrano: o império do samba". Pesquisadora do projeto de elaboração do dossiê "Matrizes do samba no Rio de Janeiro", para registro do samba carioca como patrimônio cultural do Brasil. No Império Serrano há 40 anos, foi ritmista e vice-presidente da escola.

Enfim, o Carnaval 2017: Comentários dos sambas-enredo

O ano de 2016 teve muita coisa para nos distrair a atenção: uma Olimpíada aqui no Rio de Janeiro, fato inédito, e uma disputada eleição municipal nos afastaram durante alguns meses da preocupação carnavalesca, ainda que não integralmente. Na Olimpíada, tivemos o show de criatividade da carnavalesca Rosa Magalhães; e, nas eleições, as escolas de samba, pela primeira vez, entraram nas preocupações dos candidatos, polarizando opiniões e colocando em geral dirigentes e sambistas em posições antagônicas, como se viu em algumas quadras.

Passados esses eventos do calendário civil, podemos a partir de agora nos dedicar inteiramente àquilo que é nossa paixão. Falta pouco para o Carnaval. Já temos, por exemplo, todos os sambas do grupo especial e da série A escolhidos. Ainda sem ter ouvido a gravação definitiva, creio que já podemos arriscar opiniões, ainda que provisórias. Aliás, como já tenho dito, minhas opiniões sobre sambas-enredo são sempre provisórias: há a escolha na quadra, depois vem a gravação no CD oficial, depois o desempenho nas quadras e nos ensaios técnicos e, finalmente, a Avenida. E a opinião às vezes vai mudando, nossas preferências se alterando.

A coisa não anda muito boa pro lado dos sambistas. A Portela perdeu seu presidente e sem ele houve tentativa de desestabilização da autoridade, com protestos quanto ao resultado da final. A Vila Isabel também andou às voltas com sérias dificuldades e corria até o risco de não desfilar, felizmente afastado.

Mas, apesar disso, os sambas da safra de 2017 não se ressentiram desses problemas. Tal como no Carnaval passado, a safra é bastante boa. Talvez porque, finalmente, as escolas de samba vão se conscientizando da importância de escolher bons sambas. É um excelente investimento.

Temos, de fato, bons sambas e acredito que no disco se apresentarão ainda com mais capricho do que nas gravações que conhecemos. A uma primeira audição, já tenho, é claro, algo a dizer sobre o que mais me agradou em alguns deles. Começo pelo que mais me encantou: o da Beija-Flor de Nilópolis. Que tremendo samba! Não segue a linha dos sambas que a escola tradicionalmente apresenta, ou seja, não parece um samba modelo Beija-Flor. Aborda muito bem o enredo e tem melodia linda e empolgante. Creio que permanecerá como meu predileto até o Carnaval.

No entanto, o samba da Mocidade tem um componente que sempre se atrai nos sambas, que é o fato de ser originário de um enredo não tão claro e linear quanto os compositores em geral preferem. Só que este “em geral” não se aplica a Altay Veloso e Paulo César Feital, duas feras consagradas e que parecem agora haver tomado gosto pelo gênero que antes não praticavam. O samba da Mocidade é poesia pura, fazendo o contraponto entre o Oriente e a Vila Vintém de uma forma encantadora.

O samba da Mangueira também agradou bastante. Com um enredo que não representava um desafio, pois trata de um terreno conhecido dos sambistas, em que pisam e transitam sem inibição, ele é, ao contrário dos dois citados acima, a cara da Mangueira e nem era preciso consultar a lista de compositores, onde aparecem figurinhas fáceis nos últimos sambas-enredo da escola, para perceber que não houve quebra de um paradigma que afinal tem dado certo.

Quanto à Portela, o samba não segue a linha melódica e a pegada dos últimos anos, mas se reporta a um passado mais distante. É a trilha de uma Portela vitoriosa de outrora, o que condiz muito com um enredo de caráter nostálgico como este. Pareceu-me um bom samba.

No mais, a Vila Isabel escolheu com acerto um samba forte, que passa muito bem por todos os ritmos da negritude disseminados pela diáspora africana, num feliz encontro de ritmos e instrumentos.

Se depender de samba, teremos um bonito Carnaval das escolas no ano que vem, mas, até lá, voltaremos a falar disso ainda muitas vezes, sempre incluindo novos aspectos que as audições vão acrescentando.

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