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Racismo e o papel higiênico preto; ainda há muito samba-enredo por fazer

Campanha da Personal. Foto: Reprodução

O carnavalesco Marco Aurélio Ruffinn traz mais um texto para os leitores do SRzd.

A coluna é publicada semanalmente, às quintas-feiras, na página principal da editoria do Carnaval de São Paulo. Leia, comente e compartilhe!

Papel higiênico preto; ainda há muito samba-enredo por fazer

A luta do negro pela igualdade racial sempre foi cantada por nossas escolas de samba.

Muitos destes sambas de enredo, abordaram esse entrave.

Mas, infelizmente, ainda há muito samba por fazer… Estamos longe de alcançar o inatingível.

“ Será…
Que já raiou a liberdade
Ou se foi tudo ilusão
Será…
Que a lei áurea tão sonhada
Há tanto tempo assinada
Não foi o fim da escravidão
Hoje dentro da realidade
Onde está a liberdade
Onde está que ninguém viu…”

(Estação Primeira de Mangueira, 1988)

Na última segunda feira (23) foi lançada a campanha publicitária do papel higiênico preto, da Personal, ação que gerou polêmica na internet.

Tendo como garota-propaganda a atriz Marina Ruy Barbosa, a marca está sendo acusada de racismo e apropriação cultural ao usar a hashtag “Black is Beautiful”. Isso porque, a expressão tornou-se lema, na década de sessenta, na voz de artistas unidos em um movimento símbolo na luta contra o racismo.

“…Olhai por nós, oh meu senhor,
Ilumina a igualdade social
E a nação azul e rosa,
Vai a luta orgulhosa
Contra o preconceito racial…”

(Sociedade Rosas de Ouro, 2006)

“Black is Beautiful”; o slogan desse sentimento, parte do movimento Black Power, foi inspirado na obra do poeta negro Langston Hughes.

Nasceu com o objetivo de dissolver a ideia de que as características físicas dos negros, como a cor da pele, rosto e cabelos, eram feias. Ao mesmo tempo, incentivava os negros a pararem de esconder seus traços afros alisando o cabelo, clareando a pele.

“…O anjo invasor me deu a cor, mas cor não tenho
Eu tenho raça e a cada farsa, a cada horror
O meu empenho, meu braço, meu valor…”

(Unidos do Porto da Pedra, 2007)

Na África do Sul, o Movimento de Consciência Negra, liderado por Steve Biko – líder ativista anti apartheid (nascido em 18 de dezembro de 1946 e morto em 12 de setembro de 1977, aos 30 anos, após ser preso e torturado), tomou para si esse slogan e ampliou a sua importância.

O Apartheid foi um regime de segregação racial adotado de 1948 a 1994 pelos sucessivos governos do Partido Nacional da África do Sul, no qual os direitos da maioria dos habitantes foram cerceados pelo governo formado pela minoria branca.

“…Vem a lua de Luanda para iluminar a rua
nossa sede é nossa sede
de que o Apartheid se destrua…”

(Unidos de Vila Isabel, 1988)

A dor do Apharteid, feriu a alma. E destituiu o negro do amor próprio.

Era uma espécie de retorno à escravidão.

A simbologia do “Black is Beautiful”, sul-africano, era muito mais contundente, era um clamor, representava a valorização da vida do individuo negro: “Você tem que olhar para si mesmo como um ser humano e aceitar a si mesmo como você é”.

“….É manhã de paz
Que abraça e faz as peles mais unidas
Que beleza
Não criou raças Deus apenas criou vidas…”

(Colorado do Brás, 1988)

As organizações fundadas por Biko trabalhavam no caminho inverso da inferiorização racial ministradas aos negros por ordem do governo da África do Sul. Steve Biko desejava que os negros tivessem consciência de suas capacidades e que pudessem transpor a condição imposta pelo governo racista. Morreu defendendo essa causa.

Dezessete anos depois de sua morte, o Apharteid foi banido da África do Sul.

Utilizar este slogan para vender papel higiênico é ilustrar, literalmente, a “merda” toda que estamos vivendo.

Estamos na contra mão do mundo!

“Black is Beautiful” é um movimento de libertação e empoderamento que influenciou todas as sociedades. Saliento que estou comentando sobre uma campanha publicitária, onde existe todo um planejamento envolvendo a questão e que, portanto, necessita de aprovação para ser desenvolvido. Imperdoável.

Isso vem como um aditivo, como se não bastasse a situação atual do negro no nosso país; aprisionado na miséria e massacrado na violência das favelas.

Vendo seus cultos e tradições serem ridicularizados, queimados e destruídos, em estocadas de ignorância e intolerância, promovidos livremente, como se o Estado não fosse laico. Ainda que não fosse, revela uma face terrível da bestialidade humana.

Mesmo se não bastasse, ainda somos agredidos com uma campanha racista, que fere um dos ícones da comunicação da militância negra mundial.

Se isso viralizar, e espero que sim, o mundo descobrirá mais um pouquinho do Brasil, yá yá…!

“…Liberdade raiou, mas igualdade não
Resgatando a cultura
O grande negro revestiu-se de emoção
Oh! Mãe negra faz a festa
O povão se manifesta
Cantando para o mundo inteiro ouvir
Se faz presente a força de uma raça
Que pisa forte na Sapucaí…”

(Beija-Flor de Nilópolis, 1988)

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