Claudio Francioni. Foto: Nicolas Renato Photography

Claudio Francioni

Carioca, apaixonado por música. Em relação ao assunto, estuda, pesquisa e bisbilhota tudo que está ao seu alcance. Foi professor da Oficina de Ritmos do Núcleo de Cultura Popular da UERJ, diretor de bateria e é músico amador, já tendo participado de diversas bandas tocando contrabaixo, percussão ou cantando.

Mulheres de Juarez

Por Pedro de Freitas

Caro leitor, ao final desse texto vocês vão perceber que se trata de uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher.

Por hora, um pouco de paciência: deixem-me falar de uma banda de rock que teve uma breve existência, um disco lançado em 2000, e desapareceu do mercado fonográfico para renascer em 2017. Trata-se do At The Drive In, obra inicial da carreira artística de duas figuras singulares na música pop atual: o mexicano Cedric Bixler-Zavala, e o porto-riquenho Omar Rodriguez-Lopez. Apesar da procedência latino americana, foram criados em El Paso, no Texas. Mas orgulhosos de sua ascendência, evidente pelo uso de elementos latinos na sua música, e no visual dos dois, que ostentavam vistosas cabeleiras afro. Cedric tem carisma e um vocal agudo; Omar é ótimo guitarrista (um dos guitar heroes do século 21, na minha opinião) e um artista pródigo. Recentemente, em carreira solo, lançou nada menos que 60 (!!) álbuns em pouco mais de três anos, com estilos musicais que vão da música erudita a ritmos caribenhos. No At The Drive In, criavam um som derivado do punk, mas com várias outras referências musicais. As performances energéticas impulsionaram o grupo localmente, mas foi o disco “Relationship of Command”, de 2000, que fez com que fossem notados pela crítica e roqueiros em geral. “Relationship of Command” é realmente um disco fantástico, um dos melhores álbuns de rock da primeira década desse século. Em uma época carente de novas referências, foram chamados de “o novo Nirvana”. Mas a carreira do At The Drive In acabou de forma abrupta, quando Credic e Omar criaram uma nova banda, completamente diferente, de rock progressivo: O Mars Volta. Com o Mars Volta, conquistaram notoriedade, respeito da crítica e venderam discos.

Em El Paso, cidade de Omar e Cedric, localizada na fronteira dos EUA com o México, drogas são assunto recorrente. Do outro lado da fronteira está a temida Ciudad Juárez, a “Faixa de Gaza” mexicana, sede de um dos cartéis que controlam a ferro e fogo o tráfico internacional de drogas. E aí nossa história ganha outro foco.

Um grave problema aflige as mulheres de Juárez. Cedric e Omar, criados no ambiente fronteiriço de El Paso e Juárez, cientes deste problema fizeram uma música chamada “Invalid Litter Dept.”, que se tornou uma das faixas de trabalho de “Relationship of Command”. A música, obscura e hermética, não deixa o tema tão evidente, exceto em seu soturno refrão: “dançando sobre cinzas de cadáveres”. O clip da música esclarece qualquer dúvida: é um mini-documentário sobre a violência e os assassinatos que vitimaram centenas de mulheres em Juárez no espaço de poucos anos.

Para quem não sabe, foi a partir de Juárez que o termo “feminicídio” ficou popular e passou a ganhar uso frequente. A cidade cresceu rapidamente, não pelo tráfico de drogas, mas pela criação de centenas de indústrias, filiais de empresas americanas, que, por conta de incentivos fiscais, finalizavam sua produção no México. A fábricas são conhecidas como “maquiadoras”, e passaram a empregar em grande parte, mão de obra feminina. Indefesas, empregadas de “maquiadoras” passaram a ser alvo preferencial de crimes de estupro, tortura e assassinato. Foram centenas de assassinatos, mas pouquíssimos crimes foram solucionados, razão pela qual sabe-se pouco sobre seus algozes: se eram ligados ao tráfico de drogas, ou se produtos de patologias geradas no ambiente de caos e degeneração social em que se transformou Juárez. A presença simultânea de uma cultura profundamente machista, com a corrupção endêmica fez com que essa epidemia de feminicídios fosse subestimada, o que somente foi revertido graças à atuação de um grupo de parentes das vítimas que criou uma organização chamada “Ni Uma Mas”; graças ao protesto de organismos internacionais, e graças a iniciativas pessoais, como a do At The Drive In.

Hoje há evidências de diminuição do número de feminicídios; muitos afirmam, entretanto que, longe de qualquer iniciativa pública, o resultado decorre redução do número de habitantes, muitos fugindo do ambiente socialmente tóxico.

A história das mulheres de Juárez mostra que o Dia Internacional da Mulher, em que pese a justa comemoração por conquistas, deve servir de reflexão: existe de fato igualdade de tratamento, oportunidades e direito para homens e mulheres? Creio que essa é uma pergunta a ser enfrentada sem apego emocional ou ideológico; pois está em jogo o próprio futuro da sociedade. Pergunto rapidamente: qual é o maior patrimônio em empresas modernas como Apple, Facebook, Amazon, Google? A resposta: capital humano. Restringir o imenso capital humano existente através de seleções de gênero, raça, credo ou opção sexual, é simplesmente burrice e um enorme desperdício. E falar em capital humano sem igualdade de tratamento é faltar a uma premissa básica, necessária e indispensável. A ausência de igualdade de tratamento sufoca o livre arbítrio e resulta em opressão. Pura e simples.

P.S Incluo o clip-documentário de “Invalid Litter Dept.”, do At The Drive In. Para reflexão.

https://www.youtube.com/watch?v=TLpJ9gFdaww

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