Monarco: Um Monarca Azul e Branco

A Majestade do Samba mora entre Oswaldo Cruz e Madureira. Ali também está um dos mais louváveis e dignos representantes do samba. Seu nome é Hildemar Diniz, mas a alcunha de bamba que o identifica como monarca do samba é Monarco. Hoje, o grande mestre completa 84 anos.

Monarco é uma lenda viva do samba. Ali na sombra da Jaqueira, chegou ainda menino, em tempo de ver os bambas e fundadores instituirem os preceitos e fundamentos de uma das mais poderosas instituições da cultura popular brasileira: a Portela, Águia Altaneira do samba e campeã das campeãs do Carnaval. De voz encorpada e refinado vigor poético, o gênio de letras eloquentes e simbólicas – às vezes tristes – construiu pérolas do cancioneiro que passeiam por crônicas do cotidiano dos subúrbios, como em “Quitandeiro” (parceria com o fundador Paulo da Portela), desamores poéticos como em “Coração em Desalinho” (parceria com Ratinho), odes poéticas à nostalgia como “Rancho da Primavera” (dos versos tristes, na voz prodigiosa de Clara Nunes: “Eu quero retomar minha alegria / Quando raiar o dia / Os pássaros cantando / O outono que seja bem-vindo / Quero viver sorrindo / E não chorando”), brados dramáticos quase teatrais como em “Triste Desventura” (retumbante interpretação de Roberto Ribeiro, no poema confessional em forma de monólogo que começa com os versos: “Saibam todos vocês / O amor que eu tinha por ela acabou / Acabou friamente / Pois cinicamente ela me enganou”) ou em hinos inesquecíveis da escola de seu coração como o samba-exaltação “Se eu for falar da Portela”, cujos versos “O teu livro tem / Tantas páginas belas / Se eu for falar da Portela / Hoje não vou terminar” até hoje arrepiam multidões nas tardes de feijoada lotadas na quadra da escola.

São muitas as memórias de versos bonitos e canções inesquecíveis na discografia do poeta e hoje presidente de honra da Portela. Monarco é símbolo de uma herança de guardiões memoráveis e incorruptíveis do samba, de trajetória ilibada na arte e na vida. Bastião de um tempo em que o samba tinha a envergadura elegante e vultosa de um belo par de sapatos brancos, um terno de linho aprumado e um chapéu de Panamá como síntese da galhardia e do respeito apregoados por Paulo da Portela como modelos de reconstrução do sambista, da reputação de vagabundo do início do século passado à simbologia de detentor das tradições e da ancestralidade.

Hoje, ao completar 84 anos de vida, Monarco ocupa o lugar mais elevado que lhe poderia ser oferecido: é mentor da Velha Guarda da Portela, poeta respeitado como ícone da MPB, embaixador do samba em qualquer lugar em que estiver, presidente de honra da escola que ama. As novas gerações bombardeadas por pseudo-sambistas injetados pelos cartéis de gravadoras ainda se rendem à poesia e ao samba verdadeiro desse personagem de primorosa contribuição para a arte musical de nosso sofrido país.

Trago na mente, desde a infância, um verso inesquecível, de uma linda letra de Monarco, que ouvi muito menino na voz de Roberto Ribeiro, cantor preferido e amigo de meu saudoso pai. Na letra de “Posposta Amorosa”, Monarco escreveu a frase que seria, para mim, um norte a vida toda: “O bom artista / Juro por Deus! – Não é tolo”. Na simplicidade da construção desses versos, a mais profunda reflexão filosófica sobre a arte, a vida e os mistérios do mundo.

A arte, esse estranho ofício em forma de dádiva, que nos parece oferta de um mundo além do nosso, é o princípio da sabedoria. Uma verdade absoluta que, hoje, ao celebrarmos o aniversário de um poeta como Monarco, entendemos de forma muito clara: é ele, o grande poeta portelense, a encarnação do mistério do samba. Ele é bom artista. Ele não é tolo. Ele é orgulho de uma nação que samba!

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