Luz e Trevas no Julgamento das Escolas de Samba

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A vergonha do sistema caquético, ultrapassado, burro e ofensivo de julgamento das escolas de samba está aí. Numa posição controversa diante do que é “escola de samba”, do que é “carnaval” e do que é “desfile”, mais uma vez um jurado extrapola a serenidade requerida de seu ofício, se atrapalha todo no julgamento e faz ainda pior em suas justificavas. Ano após ano, a mesma maluquice ganha páginas e vira vedete. O carnaval da gente há muito virou uma piada de mau gosto e de atores estranhos protagonizando uma cena deprimente, que rouba o espaço de quem é devido e toma para si uma atenção às avessas: o lixo prevalecendo sobre o luxo!

Revolva-se no túmulo, João Jorge Trinta!!!

Os erros de julgamento vêm à luz e aí começa a bola de neve. Tendenciosamente, não uma escola, mas o burburinho de redes sociais e o sensacionalismo da imprensa tentam roubar também a cena, considerando apenas o tal quesito como “decisivo” quando, na verdade, o erro está espalhado por todos os envelopes (eca!) desse sistema vencido e datado que é o julgamento de escolas de samba.

Senão vejamos: de 1935 pra cá, tudo mudou numa escola de samba. Eu disse TUDO! Não deixaram “pedra sobre pedra” de quaisquer aspectos culturais da festa. No entanto, com toda modernização e suposta atualização dos desfiles, seguimos os mesmos critérios patéticos de julgamento, com estrangeiros posando de entendidos do assunto, depositando suas excrescências numéricas em envelopinhos de carta elizabetanos para leitura e soma de quem os confere. E é exatamente na abertura desses envelopes que surgem as idiossincrasias e interesses pessoais: uns escolherão esse ou aquele quesito para definir o campeonato. Aliás, o sistema de sorteio anual do “quesito de desempate” é outra vergonha “astrológico-metafísica” de um concurso que se diz “técnico”. Ora, se é técnico, como pode “sortear” quesito para definir onde desequilibrará a nota em favor de uma campeã?! É “técnica” ou é “sorte”?! Somos sambistas ou somos retardados?!

Tentaram vestir um santo despindo outro. A regra é tosca e maquia uma inverdade. Estamos avaliando unicamente o quesito que daria o tal “desempate” que decidiria o campeonato, mas essa é uma questão retórica que o “sorteio” poderia alterar. Pior: essa tal questão retórica não esconde uma sequência de erros em vários outros quesitos que, também considerados, poderiam alterar da mesma forma o resultado.

Outra situação complicada é a tal da “nota descartada”. Diz-se que ela “corrige o disparate”, mas muitas vezes ela gera um novo disparate, isto sim. Suponhamos que uma escola tenha tirado 10, 10, 10 e 9.9, somando 39.9 pontos. Uma outra que tirasse 10, 9.6, 10 e 10 (totalizando 39,6, portanto três décimos abaixo da concorrente) ficaria empatada no critério de descarte – ambas com 30 pontos! Nesse caso, o tal “descarte” iguala o que estava matematicamente bastante diferenciado. É a mesma injustiça que vemos no caso da escola que se distancia muito no quesito que não foi bem e fica encostadinha no quesito em que foi melhor. Lembram da reedição da Aquarela Brasileira pelo Império Serrano, perdendo pontos em fantasias e alegorias pras outras, mas sendo igualada em samba-enredo, harmonia e evolução?! Em três quesitos onde foi infinitamente superior ficou fora da disputa porque os jurados a igualaram às demais. Nos quesitos em que ela, de fato, não esteve no mesmo nível de outras, a caneta desceu pesada nas notas…

Pra que “nota de descarte”? Ora, não estão todos qualificados para avaliar? Então por que a preocupação de um critério que “corrige disparates”? Observando atentamente o resultado deste ano, a Portela foi, de fato, a escola que mais obteve notas 10. Tecnicamente – ou “por pontos corridos” – seria campeã disparada, sem os tais descartes. Com os tais descartes, sua regularidade foi nivelada com as demais. Deixando-a, inclusive, devido a essa proximidade, à mercê dessa polêmica inusitada diante da trapalhada da justificativa injustificável.

Estamos, agora, diante de uma questão dual: o que decide, afinal, o carnaval? As notas ou as justificativas? Os números lançados ou os argumentos que os sucedem? Sendo o uso dos números muito mais antigo que o uso das justificativas, qual valor deve ser considerado preponderante? Somos, afinal, cartesianos ou retóricos?

Ano passado tivemos uma denúncia seríssima, que resultou na suspensão de um jurado, e foi entubada.
Entubada?!
Por quê?!
A quem beneficiaria?!
Cadê a apuração do que foi denunciado?!

Nos anos anteriores, vimos várias aberrações, vários exemplos parecidos com este que causa alarde este ano. Depende apenas da motivação ou do ponto de vista de quem observa ou comenta. Relembrem: há anos estamos presenciando notas indignas do que todo mundo viu na avenida (carros apagados, desfilantes de cueca, alegorias faltando pedaço, buracos gigantescos) e tudo passou em branco aos olhos de quem julga. Muitas vezes, também, aos olhos de quem comenta. Depende, sempre, da intenção. Este ano, alegorias despedaçadas, escolas passando na avenida em ritmo de F1 e distribuição de carros totalmente desordenados foram descontadas sem nenhum rigor, se comparadas com a despontuação criteriosa de outras escolas. A “virada de mesa” com discurso de piedade para evitar rebaixamento não escondeu a imoralidade do resultado lá na aba final da tabela. Quem teria caído se, afinal, mantivessem o regulamento sem rasgá-lo?

Estamos todos à mercê de vários erros. E agora, para piorar as coisas, nos valeremos de um sistema equivocado e de um personagem equivocado para…desqualificarmos uma campeã?! É isso, realmente, que corrigirá a burrice de uma série de atos arbitrários do nosso carnaval?!

Quero louvar aqui – com todas as letras – a classe e a elegância da diretoria da Mocidade Independente de Padre Miguel. Uma diretoria que honra a Estrela Guia de sua bandeira, a envergadura de sua história e a preciosidade de seu legado. Entende, sim, que foi vitimada por um julgamento torpe e descalibrado (mais um!) de um sistema retrógrado e ultrapassado. Talvez não tenha sido mal julgada só nesse, mas em outros quesitos, também. Ela e muitas outras, porque sigo afirmando com veemência que o sistema é todo voltado para o atraso e o erro. Mas diplomaticamente reconhece o título da coirmã Portela e não quer polemizar com a escola campeã.

Fomos mal, muito mal, de carnaval 2017! Nossas alegorias se revelaram mortíferas, nossas estruturas desabaram diante de nossos olhos, a segurança da avenida foi desmascarada, nossos atos de irresponsabilidade permaneceram impunes e nossos juízos temerários viraram sensacionalismo barato e oportunismo!

Sabem por que ainda insistimos nessa coisa de escola de samba e carnaval?! Porque amamos única e exclusivamente os pavilhões. As bandeiras. Únicas e respeitáveis, dignas de todas as lembranças que temos desde a infância, quando começaram as nossas paixões.

E é por elas – unicamente pelas bandeiras! – que conseguimos esquecer a torpeza, a indignidade e a insensatez dos agentes que poluem tanta coisa bonita, derramando tanta feiura e injustiça nos desfiles de nossas amadas escolas de samba!

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