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Fernando Penteado abre o coração e fala sobre história e tradição

Fernando Penteado. Foto: Reprodução

Fernando Penteado. Foto: Reprodução

“Um Rei sem Coroa não deixa de ser Rei”

Ele presenciou os reinados da folia e acompanhou a evolução do nosso Carnaval. Como os Setes Sábios da Grécia sua sapiência ultrapassa fronteiras entre o passado e o presente, nos levando a viajar a cada palavra descrita.

Com um olhar sereno de quem se embebedou na fonte sagrada e com a sabedoria dos bambas no qual muitos ele conviveu, temos a honra de apresentar uma conversa com o nobre sambista: Fernando Penteado.

Sala de troféus da Vai-Vai. Foto: Divulgação
Sala de troféus da Vai-Vai. Foto: Divulgação

Odirley: Perguntar sobre a sua história é falar consequentemente da história da Vai-Vai, certo?

Fernando Penteado: Muito legal bater este papo e falar sobre escolas de samba, pois o Carnaval é consequência de tudo! Eu não tive opção de escolha pois nasci dentro de uma escola de samba, graças a Deus! Os meus pais e meus avós foram fundadores da agremiação. O Sr. Fredericão, que foi imortalizado em uma canção do Geraldo Filme, era meu avô, o grande zabumbeiro de Pirapora do Bom Jesus, e esta raiz de Pirapora se transpôs para o Vai-Vai onde se criou esta essência e minha avó acompanhava e auxiliava nos trabalhos da escola. O meu avô foi o mentor do pavilhão da escola e o significado de nosso pavilhão hoje carregar uma Coroa é devido a dinastia, pois os negros antigamente se denominavam Reis e Rainhas e esta coroa representa a negritude do Bixiga e os ramos de café representam os Barões do Café que viviam na região no qual as mulheres negras da escola eram banqueteiras e trabalhavam na casa destes Barões em festas. Ficou essa homenagem. Hoje a bisneta dele carrega o pavilhão da escola. Tem história mais linda?

Odirley: Vivenciando tantos anos de folia, quais foram as principais perdas culturais em comparação ao Carnaval que temos na atualidade?

Fernando Penteado:  Eu cresci acompanhando meu pai nas reuniões da Federação que ficava no prédio Martinelli. Eu ficava ali junto do falecido Macalé da Nenê de Vila Matilde, do Betão, sobrinho do seu Nenê. Lá estava a nata do samba paulistano: Mala do Tatuapé, Inocêncio Thobias, Seu Nenê, Pé Rachado, Madrinha Eunice, Seu Carlão, Toniquinho Batuqueiro, entre outros. Durante os anos vimos as mudanças, do término dos Cordões até a formação das escolas de samba. O respeito era grande entre os sambistas. Tinha uma coirmandade onde as escolas eram arqui-rivais e não arqui-inimigas.  Uma ordem dada por um diretor de harmonia tinha um peso. Ele era muito respeitado. Por exemplo. Uma ordem dada pelo Sr. Mercadoria como diretor de harmonia de outra escola tinha o mesmo peso que dado por um de nossa escola. Sou do tempo em que diretor de harmonia pedia para mulata sambar e sambava junto com ela, sem desqualificar a nova geração mas sou deste tempo. Não sou avesso a modernidade mas não se pode perder a tradição tem que se trabalhar de forma conjunta. Hoje se perdeu muita coisa. Na época, a cidade se vestia de Carnaval, era festa em todo lugar. As pessoas se fantasiavam e saíam nas ruas para diversão, algo que nos moldes atuais se perdeu. Para a tradição das escolas de samba a perda maior foi justamente com o falecimento dos Baluartes que boa parte das doutrinas e tradições foram se perdendo, enquanto outras caíram no esquecimento. Algo que sinto saudade é a perda das cores da escola. Antigamente se identificava a agremiação através de suas cores oficiais. Hoje se torna mais complicado. Gostaria de ver a ala das baianas vestidas e desfilando como baianas e fazendo o seu ritual.

Fernando Penteado e Odirley Isidoro. Foto: Divulgação
Fernando Penteado e Odirley Isidoro. Foto: Divulgação

Odirley: Qual a importância do processo de miscigenação nas escolas de samba. O negro não tem mais o poder de decisão?

Fernando Penteado: Antigamente a maioria das escolas de samba eram coordenadas por negros. Era diferente. O negro fala alto e da risada alto pois expressa emoções na hora. Quando as pessoas de etnia branca começaram a participar das escolas de samba em cargos diretivos começaram a implantar a consciência de se registrar, documentar todos os processos de uma agremiação e assim se criou o processo de profissionalização do samba. Basta observar que a maioria das informações sobre as escolas são da década de 70 em diante e até de informações e detalhes de algumas agremiações vem desta época, processo que também tive o cuidado de fazer em relação ao Vai Vai. Foi preciso pesquisar e escrever conteúdos desde o período de Cordão e deixar a disposição da sociedade. Em primeiro lugar, eu quis conhecer a história da minha escola para depois conhecer as demais. Isto não quer dizer que o negro não tenha méritos pelo seu trabalho, isto prova que a miscigenação foi importante para a construção deste processo.  As escolas mesmo perdendo muitas de suas características tradicionais, seguem escrevendo sua história.

Odirley: Em qual momento acredita que tudo se modificou?

Fernando Penteado: Com a chegada da televisão e da profissionalização do Carnaval. Nos tempos de Cordões, ficávamos quase duas horas brincando, curtindo com o povo e com os foliões. Isso se perdeu. Tudo se alterou. Os mais jovens precisam conhecer um pouco mais da história de suas escolas pois tudo começou bem antes destes meios de comunicações atuais. Eu gostaria que as pessoas tivessem a visão dos orientais no sentido de respeitar a cultura e proteger o legado das histórias e do empenho que vários sambistas proporcionaram ao nosso espetáculo. Quando o conteúdo vem do Rio de Janeiro, há uma supervalorização dos nomes e das histórias. Também temos grandes sambistas e histórias em nosso Carnaval paulistano que muitas as vezes ficam no esquecimento.

“O tempo que o samba era o Samba não tinha Câo, Câo
O tempo que o samba era samba não tinha doutor
Só tinha sambista de verdade e samba da melhor qualidade
E os dirigentes eram da Comunidade”
Samba de Fernando Penteado

Odirley: Quem foi a pessoa que te inspirou a pesquisar e conhecer mais sobre nossas
histórias do Carnaval?

Fernando Penteado: Olha sempre fui muito de pesquisar, ler e buscar informações sobre nosso Carnaval paulistano, até porque temos muito conteúdo para compartilhar com as pessoas. Quem inventou este negócio de o presidente vir na frente da escola foi o Sr. Juarez. O pouco ou muito que eu sei das coisas, foi através do Sr. Juarez da Cruz, da Mocidade Alegre. Ele gostava de contar as histórias e eu de ouvir. Ele dizia: Fernando eu sei a dificuldade que as escolas passam então eu na concentração não vou entrar nessa adrenalina, então eu entro na frente e vou chamando as arquibancadas enquanto eles vão ajeitando as escolas. E dai em diante eu continuei estudando e aprendendo.

Fernando Penteado. Foto: Reprodução
Fernando Penteado. Foto: Reprodução

Odirley: Para fecharmos nosso bate papo, quando começou essa rivalidade entre a Vai-Vai e a Camisa Verde e Branco?

Fernando Penteado: Esta pergunta é interessante, pois esta rivalidade eu acho que começou no Navio que trouxe nossos irmãos para cá. Mas as pessoas podem hoje não acreditar, mas a rivalidade ficava de lado muitas vezes e o Seu Inocêncio, Fredericão, seu Chiclé e tantos outros conviviam em coirmandade sem brigas. As disputas eram na Avenida. Porém, tem algo interessante. Nós, os mais antigos, podemos criticar a Camisa Verde e Branco, porém não aceitamos que pessoas de outra escola critiquem pois este duelo era algo nosso. Sempre respeitamos eles e da mesma forma sempre ocorreu. O Seu Inocêncio ia fechar desfiles fora da cidade e falava: olha o pessoal do Bixiga vai vir? Se respondiam negativamente ele não ia e vice-versa acontecia aqui, se não tinha a presença do Camisa não fechávamos também. Sou do tempo em que as escolas eram mais unidas e estes Baluartes contribuíram muito para o samba: Seu Juarez, Seu Basílio, Pé Rachado, Inocêncio Mulata, Seu Carlão do Peruche e tantos outros… e estou apostando que esta nova geração possa seguir e aprender.

Odirley Isidoro publica textos semanais no SRzd

Natural de São Paulo, nasceu no bairro do Parque Peruche, na Zona Norte da cidade. Poeta, escritor, pesquisador e sambista.

Ao longo de sua trajetória, foi ritmista das escolas de samba Unidos do Peruche e Morro da Casa Verde, além de ser um dos fundadores da Acadêmicos de São Paulo.

As publicações são semanais, sempre às terças-feiras, na página principal da editoria do Carnaval de São Paulo.

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