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Troca-troca: saem as salas de troféus, entram os museus de clubes

Museu do Barcelona. Foto: Claudio Nogueira

Museu do Barcelona. Foto: Claudio Nogueira

A informática, a tecnologia e a internet estão mudando a Terra. Como em tudo no mundo, vive-se a Era do Conhecimento e da Informação, na qual nada mais se faz sem recursos tecnológicos como esses. No caso de esportes como o futebol, as antigas salas de troféus dos grandes clubes, com taças empoeiradas e medalhas amontoadas, fazem parte do passado. Hoje, os museus modernos de esporte, para além de designs ousados, têm obrigatoriamente de proporcionar aos visitantes a experiência de estar lá. Isto é, de voltar no tempo, como se eles estivessem revivendo os momentos de determinada conquista, os feitos de um ídolo, a emoção que os torcedores viveram com grandes times, com gerações de craques, épocas inesquecíveis e até mesmo ouvindo os cânticos das próprias torcidas nas arquibancadas.

Os museus de clubes não podem ser meros depósitos de taças, algumas sem quaisquer identificações ou referências. É preciso que essas relíquias sejam expostas com a dignidade que merecem, à altura das conquistas que simbolizam. Além disso, dentro da mentalidade contemporânea, esses espaços necessitam, obrigatoriamente, assegurar a interatividade. Por meio desta, os torcedores, em especial os mais jovens, serão capazes de fazer uma grande viagem pela história da equipe que admiram. Os museus são também geradores de emprego, para profissionais treinados para explicar ao público o significado das taças, conduzir visitas guiadas, atender a pesquisadores e historiadores. Tudo isso, além de dar um tratamento e atenção especiais a visitantes vindos do exterior, o que requer a presença de guias poliglotas.

Em modernos museus desportivos, este tipo de instalação serve não apenas à preservação da memória. Mas também para formar novos torcedores, gerar renda mediante o pagamento de ingresso e para alavancar vendas. Em vários deles, o tour se encerra na loja oficial do clube, na qual, se o conteúdo e a interatividade do museu funcionam bem, o visitante sempre acaba comprando algum souvenir, de uma simples caneta à camisa ou agasalho do clube.

No Rio de Janeiro, o Flamengo já dispõe, desde 2014, do Fla Experience, cujo objetivo é proporcionar ao visitante essa experiência do ser rubro-negro. Em 2016, o espaço de 300 metros quadrados passou a ser chamado de FlaMemória. Em maio, a instituição anunciou um projeto para torná-lo o maior museu de clube do país e um dos maiores do gênero no Brasil, com 2 mil metros quadrados, e orçado em US$ 4 milhões, cerca de R$ 14,8 milhões.

Para isso, dirigentes rubro-negros visitaram, em Buenos Aires, os memoriais de conquistas do River Plate e Boca Juniors. O projeto também irá se basear nos casos de Barcelona, Real Madrid e Juventus, donos de três dos museus mais visitados do planeta. Na parceria entre o campeão mundial de 1981 e a empresa Museus Deportivos, tais gigantes serão usados como benchmarks. Palavra inglesa que na linguagem do marketing, quer dizer algo como parâmetro, referência, um modelo daquilo que uma organização ou empresa deseja fazer, baseando-se no exemplo de outra.

Em 2010, o Fluminense, campeão da Copa Rio de 1952, um pré-Mundial, reformou e ampliou seu Salão de Troféus, mantendo essa nomenclatura. Embora atualmente disponha de um modelo mais moderno que os de Vasco e Botafogo. O alvinegro, campeão brasileiro de 1968 e 1995, mantém seu salão em General Severiano, e não no Engenhão, onde há muito mais espaço. Um museu no estádio seria muito mais propício para a visita de torcedores que comparecessem às partidas.

No caso do Vasco, a expectativa de uma brisa de modernidade, para, quem sabe, finalmente fazê-lo entrar no Século 21, no que diz respeito ao moderno gerenciamento de grandes clubes poliesportivos. No fim do mês de julho, o presidente Alexandre Campello revelou a intenção de edificar um Museu vascaíno sobre a atual megaloja, em São Januário. Dono de vários títulos importantes, não apenas no futebol, o clube está atrasado nesse aspecto – como em outros de sua administração – e, por incrível que pareça, ainda não dispõe deste tipo de instalação.

Hoje, o torcedor, jornalista, pesquisador ou turista que visite a sede vascaína pode se deparar apenas com um Salão de Troféus à moda antiga, sem guias treinados para dar informações, e o que é pior, sem dispositivos virtuais ou de interatividade. São bonitas e estão bem conservadas as taças, como as do Sul-Americano de 1948, da Libertadores da América de 1998, da Mercosul de 2000 e outras. Verdade. Mas em São Januário, o sistema de preservação desse material está parado em meados do século 20.

Saindo do Estado do Rio de Janeiro, na Vila Belmiro, o Santos, o time de Pelé, inaugurou em 2003, o seu Memorial de Conquistas, verdadeiro museu do bicampeão mundial 1962 e 1963 e tri da Libertadores, em 1962, 1963 e 2011. Em São Paulo capital, no estádio do Morumbi, foi inaugurado em 1994, o Memorial São Paulo Futebol Clube, com as glórias do tricampeão mundial e tri da Libertadores, tudo isso em 1992, 1993 e 2005.

Já o Corinthians mantém desde 2006 um memorial na sede do Parque São Jorge e realiza de tempos em tempos exposições com peças doadas por torcedores no Museu do Povo, situado no Itaquerão, seu moderno estádio, edificado para a Copa do Mundo de 2014. No Palmeiras, situação sui generis. Por causa da reforma do antigo Parque Antarctica, que deu origem à moderna Arena Palmeiras, a imensa maioria dos troféus se encontra encaixotada. O sonhado museu ainda não saiu das telas e teclados.

Em Porto Alegre, os sempre organizados Grêmio e Internacional não poderiam deixar de estar bem situados neste aspecto. Campeão mundial de 1983, tricolor abriu em 2015, na nova arena, o Museu Hermínio Bittencourt, projetado para dobrar de tamanho nos próximos anos. No Beira-Rio, um sorridente Saci, símbolo do Inter, campeão mundial de 2006, recepciona os visitantes do Museu Ruy Tedesco, aberto em 2010. Já em Belo Horizonte, surpreendentemente, Atlético Mineiro e Cruzeiro, apesar de colecionadores de títulos, ainda não adotaram as modernas concepções de museus desportivos, mantendo salas de troféus.

Exposição do Museu do Futebol no CCBB. Foto: Claudio Nogueira
Exposição do Museu do Futebol no CCBB. Foto: Claudio Nogueira

No mês de junho de 2017, o jornal El País publicou reportagem sobre 15 museus de futebol que os aficcionados não podem deixar de visitar nas Américas. Na lista, consta o excelente Museu do Futebol, no Pacaembu, São Paulo, que promoveu exposição no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio, durante o mês da Copa do Mundo. Outros memoriais citados pela revista são a Casa de deus, dedicado a Maradona, em Buenos Aires; o Museu Pelé, em Santos; memoriais da CBF, no Rio; e da Conmebol, em Assunción, do Paraguai; das Camisas, no Chile; e modernos museus de clubes, como o do Santos; e em especial os dos argentinos Boca Juniors e River Plate.

Especialmente na Europa, em países muito tradicionais na modalidade, como Espanha, Inglaterra, Itália e Portugal, museus desportivos integram cada vez mais as listas das principais atrações turísticas de suas cidades. Casos do Barcelona, Real Madrid, Juventus de Turim, Benfica, Porto, Manchester United, Arsenal, Liverpool e Chelsea, dentre outros.

Hall of fame da NCAA, esportes universitários americanos, em Indianápolis. Foto: Claudio Nogueira
Hall of fame da NCAA, esportes universitários americanos, em Indianápolis. Foto: Claudio Nogueira

Nos Estados Unidos e Canadá, embora não haja a forte cultura de clubes existente no nosso país, os Halls of Fame, ou Salões da Fama, sejam eles de esportes – como o Indianapolis Motor Speedway e NCAA (esportes universitários), ambos em Indianápolis; o da NFL, em Canton; o do basquete mundial, em Springfield; o do beisebol, em Cooperstown – ou os de universidades e high schools (escolas de ensino médio) são atrações turísticas das cidades onde estão localizados. Situados no primeiro mundo, esses espaços culturais e esportivos já seguem a concepção moderna, a de combinar a preservação da memória com a função de geradores de recursos.

Hall of fame do Indianapolis Motor Speedway. O carro vencedor da primeira edição das 500 milhas de Indianapolis, em 1911. Foto: Claudio Nogueira
Hall of fame do Indianapolis Motor Speedway. O carro vencedor da primeira edição das 500 milhas de Indianapolis, em 1911. Foto: Claudio Nogueira

Resta saber quando todas as grandes equipes brasileiras vão perceber a necessidade de se modernizar também neste aspecto e serão capazes de transformar a poeira de taças mal preservadas no ouro da geração de recursos.

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