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América, 114 anos: maiores glórias do clube estão expostas no Tour do Maracanã

América. Foto: Reprodução

“Hei de torcer, torcer, torcer…
Hei de torcer até morrer, morrer, morrer…
Pois a torcida americana é toda assim
A começar por mim
A cor do pavilhão é a cor do nosso coração
Em nossos dias de emoção
Toda torcida cantará esta canção
Tra-la-la-la-la-la”

O mais bonito dos hinos de futebol do Rio, e provavelmente do Brasil, o do América Futebol Clube, provoca saudades em quem gosta de futebol e aprendeu a respeitar a história desta tradicional camisa encarnada, exaltada na canção de Lamartine Babo, autor dos cânticos de homenagem a todas as equipes cariocas. Pois as glórias do América agora estão expostas no Tour Maracanã, o passeio realizado pelos bastidores desse mítico estádio. A data da inauguração do setor do clube não poderia ter sido mais adequada: a última terça-feira, dia 18 de setembro, quando foram celebrados seus 114 anos de fundação.

Mesmo longe dos grandes títulos desde a Copa dos Campeões de 1982, o América merece o respeito e tem ainda um lugar na paixão dos apreciadores do futebol. Afinal, seu pavilhão tem a cor do nosso coração, como cantava Lamartine. Inaugurado em 1950, o Maracanã tem em sua galeria de campeões ali coroados quatro times do time rubro de Campos Salles: Carioca de 1960, o primeiro campeonato do extinto estado da Guanabara; Taça Guanabara de 1974; Taça Rio e Torneio dos Campeões dos Campeões, sua maior conquista nacional, ambos em 1982.

Como merece, o América está em espaço nobre do estádio, junto às relíquias de ídolos de grandes clubes do Rio, como Jairzinho (Botafogo), Zico (Flamengo), Assis e Washington (Fluminense) e Roberto Dinamite (Vasco). O América está muito bem representado, por meio de Luizinho, Edu e Alex, cujas camisas, chuteiras e faixas de campeão estarão ali expostas.

“O América se sente honrado em estar presente de maneira expressiva no maior palco do futebol mundial. Isso é um marco para o trabalho que visa a retomada do nosso espaço no futebol do Rio e do Brasil. Além disso, estar no Tour significa ser visto por milhares de amantes do futebol, brasileiros e estrangeiros, que visitam a atração anualmente”, explicou o presidente rubro, Sidney Santana.

A história rubra remonta há 114 anos. Em 1904, num 18 de setembro, sete jovens – representados por igual número de estrelas nos escudos e bandeiras rubras – fundaram o América. Entretanto, o clube não participou do primeiro Campeonato Carioca da Primeira divisão, em 1906, junto com Botafogo e Fluminense, apesar de ter sido um dos fundadores da Liga Metropolitana de Football em 1905. Sem campo nem material esportivo adequados, o América foi incluído na Segunda Divisão carioca de 1906.

Uma grande curiosidade é que o clube usava camisa preta com as letras A, F e C entrelaçadas no peito, calção branco e meias pretas. Foi assim até abril de 1908, quando Belfort Duarte – referência de atleta que praticava o fairplay, isto é, o jogo limpo, embora essa expressão não fosse usada – se mudou de São Paulo para o Rio e aderiu à equipe. Oriundo do Mackenzie paulista, cujo uniforme era vermelho, propôs ao América adotar essa cor. No mesmo ano, o time jogaria pela primeira vez na Primeira Divisão já com seu uniforme cor de sangue.

Liderado por Belfort Duarte, foi campeão carioca pela soma de pontos, ao bater o São Cristóvão. Após três anos, também pelos pontos corridos e igualmente diante do clube cadete, os rubros chegaram ao segundo título carioca. Um dos mais importantes troféus do América, porém, foi erguido em 1922, quando dos 100 anos da Independência do país. Por coincidência, o campeão do centenário superou o São Cristóvão por 3 a 1, terminando a campanha com um ponto a mais que o Flamengo, bicampeão em 1920 e 1921.

Baluarte do América. Foto: Reprodução

Essas primeiras conquistas da trajetória da equipe de Campos Salles são citadas por Lamartine Babo noutro trecho do hino:

“Campeões de 13, 16 e 22
Tra-la-la
Temos muitas glórias
E surgirão outras depois
Tra-la-la”

Um ano após o Centenário da Independência, o Vasco ascendia à Primeira Divisão, ganhando o Carioca de 1923 logo no ano da estreia, com atletas negros, pobres e semianalfabetos. De acordo com historiadores rubros, a colônia portuguesa, que até então apoiava os rubros, passou a ser vascaína. Apesar disso, como dissera Babo, outras glórias surgiriam depois, como os Cariocas de 1928, 1931 e 1935. Em 1928, o time rubro foi campeão diante do Fluminense (3 a 1), e em 1935, contra o Flamengo (2 a 2).

Já a conquista de 1931 foi bem curiosa. Se hoje podemos acompanhar dezenas ou centenas de partidas simultaneamente, por meio da internet, TV e rádio, naquele tempo o panorama era bem diverso, até porque ainda não havia transmissões ao vivo pelo rádio. O Vasco havia chegado à última rodada um ponto na frente, mas deixou o troféu escapar-lhe das mãos, ao perder em casa para o Botafogo por 3 a 0. Com isso, o time rubro foi campeão, em casa, na Rua Campos Salles, ao bater o Bonsucesso por 3 a 1. Mas – como na época não havia celular nem internet – o América só pôde comemorar quando alguém telefonou para a sede, dando conta da derrota vascaína.

‘Campeões com a pelota nos pés, fabricamos, aos montes, aos dez’

Mais tarde, em meados da década de 30, o América teria papel muito importante na história do futebol carioca e nacional, ao lado do Vasco. Devido à implantação da profissionalização dos atletas por decreto do então presidente Getúlio Vargas, houve um racha no esporte no país. Havia ligas a favor do profissionalismo e em defesa do amadorismo, o que obviamente causava prejuízos técnicos e financeiros.

No caso do Rio, houve duas ligas e dois campeonatos entre 1933 e 1936, até que em 1937, os presidentes da equipe de Campos Salles, Pedro Magalhães Correa, e do time de São Januário, Pedro Pereira Novaes, conseguiram selar a chamada “Pacificação”. Para isso, pesou o fato de o América ter sido o vencedor do Carioca de 1935 pela Liga Carioca de Futebol, e o Vasco, o campeão da cidade em 1936 na Federação Metropolitana de Desportos. Daí o fato de até hoje a partida entre ambos ser denominada “Clássico da Paz”.

Com a pacificação no Rio, então capital da República, com a Liga de Futebol do Rio de Janeiro (LFRJ) – que promoveria seu primeiro campeonato em 1937 – este processo se estendeu a São Paulo e a outros estados. Isso possibilitou que a seleção brasileira, dirigida pela então Confederação Brasileira de Desportos (CBD) – que havia ganho a queda de braço com a Federação Brasileira de Futebol (FBF), obtivesse a importante terceira colocação na Copa do Mundo de 1938.

Embora fosse considerado um dos grandes clubes cariocas, a equipe da Tijuca tinha diante de si um dilema. Era e ainda é até hoje o “segundo time dos cariocas”, mas o primeiro de poucos. Sua torcida não estava entre as maiores do Rio, o que, claro, enfraquece uma instituição. Talvez por isso, a equipe rubra tenha enfrentado 25 anos de jejum até 1960, ano da fundação do extinto Estado da Guanabara, depois que a capital federal foi transferida para Brasília. Diante de 100 mil pessoas no Maracanã, tornou-se o primeiro campeão da antiga Guanabara ao bater o Fluminense: 2 a 1, de virada. Aquele seria o último troféu de campeão carioca do clube.

Apesar de ter obtido outras conquistas, tais como a Taça Guanabara de 1974 e da primeira Taça Rio, em 1982, e de haver chegado às finais nestes dois anos, os troféus de campeão estadual teimaram em lhe escapar. Em 1982, o clube rubro tornou-se o campeão dos campeões. Na grande final, em duas partidas, adversário foi o Guarani, de Capinas: 1 a 1, em Campinas, e 2 a 1 para o América, no Maracanã. Tal campeonato surgiu porque, como se tratava de ano de Copa do Mundo da Espanha, a CBF organizou, em paralelo ao Mundial, um torneio reunindo 18 equipes que já haviam sido campeãs ou vice de competições nacionais.

Como vencedor desse torneio, a equipe rubra acabou justificando outro trecho do lindo hino de Lamartine:

“Campeões com a pelota nos pés
Fabricamos aos montes, aos dez
Nós ainda queremos muito mais
América, unido vencerás”

Atualmente, os rubros lutam para voltar a ocupar o lugar que lhe é devido, como um dos grandes do futebol carioca e brasileiro. Este é o clube que passará ser homenageado a partir desta terça no Maracanã, onde já existem a Calçada da Fama, onde podem ser vistas as marcas de craques nacionais e internacionais, o acervo histórico e a timeline das camisas da seleção brasileira.

“O destaque ao América representa cultivar a história do nosso futebol. Os turistas e visitantes vão perceber a relevância histórica que esse clube tem”, explicou o diretor presidente do Complexo Maracanã, Mauro Darzé, calculando que mais de mil pessoas tenham feito esse passeio nos meses de alta temporada.

O Tour Maracanã conta com as participações de guias trilíngues. Ao longo de 50 minutos, o visitante passa por outros pontos emblemáticos do estádio, como a sala de imprensa e vestiário, onde pode se imaginar como um atleta em dia de jogo. Na parte final, é feita a visita ao banco de reservas, bem pertinho do gramado.
 Os visitantes podem fazer o tour do Maracanã diariamente de 9h às 17h. e os ingressos custam a partir de R$ 25. O acesso é feito pelo Portão 2 e a bilheteria fica aberta entre 8h30 e 16h.

América. Foto: Reprodução

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