Claudio Francioni. Foto: Nicolas Renato Photography

Claudio Francioni

Carioca, apaixonado por música. Em relação ao assunto, estuda, pesquisa e bisbilhota tudo que está ao seu alcance. Foi professor da Oficina de Ritmos do Núcleo de Cultura Popular da UERJ, diretor de bateria e é músico amador, já tendo participado de diversas bandas tocando contrabaixo, percussão ou cantando.

Garimpos na Terra da Rainha (e os melhores discos estrangeiros do ano, até agora)

“Melodrama” – Lorde. Foto: Divulgação

“Melodrama” – Lorde. Foto: Divulgação

Mais da metade do ano já se passou.

Estive recentemente em Londres, e lá exercitei um antigo esporte, em vias de desaparecer: a busca por lojas de discos. No Brasil elas praticamente sumiram, mas em Londres elas ainda existem em quantidade razoável. Existem aquelas temáticas, que exploram uma vertente musical específica; rock, jazz, world music, etc. E ainda existe a HMV, uma rede de megastores, já em franca decadência, que talvez não resista até a minha próxima viagem ao Reino Unido. Mas que (ainda) possui um estoque invejável de CDs e vinis para todos os gostos.

Na verdade, lojas de discos simplificavam bastante o garimpo de preciosidades e o acompanhamento de novidades, além de serem uma grande curtição. Claro que alguém (o dono da loja) fazia uma seleção prévia, e nos cabia apenas estender a mão em busca dos melhores. Mas hoje a oferta de música na internet é tão vasta que nos deixa imobilizados, a mercê da indústria do showbizz que nos empurra “celebridades” sem o menor compromisso com qualidade. Mesmo com tanta oferta, morremos de inanição.
Aproveitei bem meu garimpo. E até me animei com a safra nova que ouvi – coisas lançadas neste ano de 2017. Compartilho com você leitor minhas impressões sobre o que de melhor ouvi, entre os CDs/LPs lançados em 2017 até agora (sem ordem de preferência). Aí vai:

"I See You", "The XX". Foto: Divulgação

“I See You” – The XX: Deve ter sido inesquecível a noite do Lollapallooza que colocou no mesmo palco atrações tão díspares quanto o Metallica e The XX. Já no início deste ano, o XX lançou um trabalho novo, aparentemente tentando quebrar o rótulo de “pop minimalista”. A produção é bem mais elaborada que os álbuns anteriores, sem que isso interfira na qualidade. Tudo na medida certa, fizeram talvez seu melhor trabalho.

 

“in.ter.a.lia”- At The Drive In. Foto: Divulgação

“in.ter.a.lia”- At The Drive In: os maluquetes Cedric Bixler-Zavala e Omar Rodriguez-Lopez são as mentes (caóticas) pensantes por trás da banda de rock neo-progressivo The Mars Volta. Com o fim desta, resolveram reativar a mítica banda cult At The Drive In, que integraram antes do Mars. O resultado, embora não surpreenda, agrada fãs antigos da banda, e a apresenta para novos fãs. Fúria e nonsense em doses generosas.

 

“Is This The Life We Really Want?” – Roger Waters. Foto: Divulgação

“Is This The Life We Really Want?” – Roger Waters: Mais um artista veterano faz seu “revival”. Após mais de 20 anos sem material inédito, o ex Pink Floyd retorna com um trabalho digno se sua história. Talvez seja o melhor disco de Waters, e também o mais próximo da sonoridade dos melhores anos do Pink Floyd. Waters é movido artisticamente a paranoia, angústia e obsessões. Que época melhor que a atual para que o velho líder do Floyd lance material novo?

 

“Big Fish Theory” – Vince Staples. Foto: Divulgação

“Big Fish Theory” – Vince Staples: Staples é um nome novo no cenário musical. A rigor, é o seu primeiro álbum solo. Antes havia feito um EP, e ainda nesse ano participou do novo trabalho do Gorillaz. “Big Fish Theory” é um ser híbrido, com um pé no hip-hop, outro na música eletrônica; uma fusão do rap californiano com o techno de Detroit. O discurso de Staples é ancorado em bases rítmicas surpreendentes e ultra graves. Use seu subwoofer no máximo!

 

“Drunk” – Thundercat. Foto: Divulgação“Drunk” – Thundercat: Acreditem: o soulman Stephen “Thundercat” Bruner passou anos como baixista da banda de thrash metal Suicidal Tendencies! Chamado para a difícil missão de substituir o superbaixista Robert Trujillo (que hoje integra o Metallica), Thundercat se mostrou um baixista ainda melhor do que seu antecessor. Ao sair da banda, tocou com artistas tão diversos quanto a diva soul Erikah Badu, o astro do jazz Kamasi Washington, e o produtor de música eletrônica Flying Lotus. Seu disco solo “Drunk” supera todas as expectativas: pode ser o melhor trabalho de R&B lançado no ano, até agora. Soul music do século 21, feita por um músico que não conhece fronteiras.

 

“Slowdive”- Slowdive. Foto: Divulgação“Slowdive”- Slowdive: “Shoegazers” eram bandas de rock britânicas criadas em meados dos anos 80 que tinham em comum a timidez no palco (daí o apelido), e o gosto por enterrar belas e singelas melodias embaixo de toneladas de guitarras e microfonia. Além disso, estranhamente as bandas “shoegazers” mais famosas passaram por hiatos criativos enormes, de mais de 20 anos (o Jesus And Mary Chain levou 20 anos para lançar um disco; o My Bloody Valentine levou 22). O Slowdive, também uma banda “shoegazer”, para confirmar a regra, lançou seu disco homônimo após 22 anos! Posso dizer que valeu a espera: o álbum é maravilhoso. E mais: das três bandas coirmãs que hibernaram esse tempo todo, é a que se sai melhor. Som atualizado, viajante e belíssimo.

 

“Crack-Up” – Fleet Foxes. Foto: Divulgação“Crack-Up” – Fleet Foxes: E por falar em beleza… é inesquecível e indescritível a sensação que senti quando ouvi pela primeira vez o álbum de estréia dos Fleet Foxes, lá por 2009. O som era uma mistura de Crosby, Stills & Nash e Beach Boys. Mas parecia tocada e cantada por anjos. Para mim, um dos melhores discos da década passada. A banda originária de Seattle passou por um período sabático nos últimos anos, mas volta à ativa, com seu terceiro trabalho. “Crack-Up” é mais experimental que os anteriores. É evidente que procuram novos caminhos. Mas a música permanece invariavelmente linda.

 

“Run The Jewels 3” – Run The Jewels. Foto: Divulgação“Run The Jewels 3” – Run The Jewels: Os rappers EI-P e Killer Mike uniram forças nesse projeto e se deram bem. O RTJ é melhor do que qualquer trabalho solo de seus integrantes. Tiveram a honra de disparar o primeiro petardo contra Trump, com o disco que lançaram no primeiro dia do ano. Musicalmente, “RJT3” é mais palatável e equilibrado que os álbuns anteriores. Mas a agressividade verbal continua a mesma, e conta com o reforço de Zack De La Rocha, vocalista do Rage Against The Machine, que fica bem à vontade em meio à metralhadora giratória do RTJ.

 

“Melodrama” – Lorde. Foto: Divulgação“Melodrama” – Lorde: A neozelandesa Lorde é um prodígio. Com 19 anos lançou “Pure Heroine”, entrou no radar da indústria do showbizz e foi indicada ao Grammy. Musicalmente, soa como uma resposta artística à pasteurização pop que gera “divas teen” a cada minuto. “Melodrama” é um disco de gente grande. Lorde empresta sua bela voz a canções pop com a integridade artística de uma Tori Amos ou uma Fiona Apple. Olho nela!

 

Faltou comentar o último disco, que completaria dez. Resolvi guardá-lo para uma nova crônica, embora me inquiete saber que será sobre um músico que já abordei por aqui no último ano. Não gosto de me repetir, mas o déjà vu faz parte da circunstância. No caso, a circunstância é o artista que, ao lançar quatro álbuns extraordinários em cinco anos virou referência para sua geração, e na atualidade se coloca artisticamente acima dos demais. Isso já aconteceu antes, com bandas de rock que hoje estão na história. Mas, embora tenha alma roqueira, tenho que admitir que há dois anos de se encerrar a década atual, são grandes as chances de que o posto de melhor artista da década seja ocupado por um rapper. Em 2017, Kendrick Lamar adicionou o álbum “DAMN.” ao seu já invejável portfólio.

 

*em colaboração com a coluna

 

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