Cheryl Berno. Foto: Acervo pessoal

Cheryl Berno

Advogada, Consultora, Palestrante e Professora. Especialista em direito empresarial, tributário, compliance e Sistema S. Sócia da Berno Sociedade de Advocacia. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, Pós-Graduada em Direito Tributário e Processual Tributário e em Direito Comunitário e do Mercosul, Professora de Pós-Graduação em Direito e Negócios da FGV e da A Vez do Mestre Cândido Mendes. Conselheira da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

Por que um dia para lembrar da mulher?

A pergunta do meu filho hoje, 8 de março: – Por que comemorar o Dia das Mulheres?

Porque as mulheres, não é de hoje, precisam lutar para buscar direitos mínimos. Foram às ruas na Rússia em 1917 contra a fome e a guerra, dando início à Revolução Russa. Em 1913 as mulheres protestavam nos Estados Unidos pelo direito de votar e por melhores condições de trabalho. As trabalhadoras das fábricas americanas e de alguns países da Europa começaram um movimento socialista para reivindicar direitos, que eram piores que os dos homens. Mas agora que a mulher trabalha como o homem para que um dia para lembrar da mulher? Porque os salários ainda são desiguais, porque as mulheres ainda são a minoria nos cargos de chefia, porque a mulher saiu para o mercado de trabalho e ainda arca com as tarefas do lar e com a maior parte das responsabilidades na criação das crianças.

O mundo ainda é muito masculino e o corporativo então nem se fala. Jovem advogada à época, responsável por todos os processos de uma grande empresa, ouvi de um cliente que “mulher é igual a bife, tem que bater muito para quando casar estar amaciada”. Já sofri muito assédio sexual, quando o termo ainda nem existia, e assédio moral pelo simples fato de ser mulher. Tive que discutir com um chefe para ter o direito de colocar “advogada” e não “advogado” no meu cartão, isto depois do ano 2000! A própria presidenta foi hostilizada por utilizar o termo, que existe na língua portuguesa desde sempre (política à parte, a língua portuguesa não é muito igual mas, neste caso lembrou que mulher pode ser presidenta). Até na escola, um ambiente mais feminino historicamente, que tem mais professoras, o termo utilizado é professor. Mesmo nas reuniões com ampla maioria de mães, utilizam “os pais”. No mundo corporativo é ainda pior, sempre com “prezados”, “caros”, sempre no masculino, porque a mulher ainda, apesar de tudo, é colocada em segundo plano (não raro pedem que faça a ata e sirva o cafezinho mesmo estando ali de igual para igual, teoricamente). Besteira querer ser chamada no feminino? Não! É pelas pequenas coisas que começam grandes mudanças.

A mulher precisa de um dia, para que talvez a sociedade se atente que precisa trata-la como desigual, para que um dia seja mais igual aos homens. É claro que só a mulher vai continuar sangrando todos os meses, vai continuar engravidando, carregando um outro ser dentro de si, só ela vai continuar dando a luz e amamentando e por mais que o homem ajude, vai continuar criando as crianças, porque é da natureza da maioria delas, porque é bom sim poder gerar e criar um filho ou uma filha (amo este direito!), ou muitos, ou até decidir que não quer ter filhos. A maternidade não deve ficar em segundo plano, deve ser apoiada com políticas públicas apropriadas. As tarefas do lar e com a criação das crianças devem ser divididas, quando e até onde seja possível, por óbvio, levando em consideração a biologia de cada ser. Mas, o que não dá é para o homem achar que tem que ajudar a mulher no lar, porque o lar é do casal e ambos são responsáveis pelas tarefas e pelos filhos. A escritora Rosiska Darcy de Oliveira explica bem esta história no livro Reengenharia do Tempo, vale a leitura.

Sei que é difícil mudar paradigmas e cultura, mas vou tentando fazer a minha parte, explicando para os meus filhos. A tarefa é ainda mais difícil porque a mídia não ajuda. Pior ainda para quem tem filhas e sente na pele a discriminação.

Há muito tempo o presidente de uma empresa multinacional quando questionado sobre a ausência de mulheres sócias respondeu que existia sim, e apontou para uma mulher dentre todos os outros sócios: a única mulher não tinha companheiro ou companheira, não tinha filhas e uma vez desmaiou no trabalho de madrugada depois da exaustão, não  tinha vida social. Não é assim que a gente quer igualdade. A gente não quer ter que trabalhar muito mais que o homem para provar que é tão boa quanto ele.

A gente não quer sair para o mercado de trabalho e continuar com todas as responsabilidades de casa. Não Presidente, a mulher não tem que se aposentar como o homem, porque de fato ainda não há a igualdade necessária para que ela trabalhe menos porque para a maioria arrasadora das mulheres brasileiras a jornada ainda é dupla, casa-trabalho. Sabemos que há exceções, que algumas não precisam trabalhar fora ou em casa, não tem filhos ou tem empregadas, mas a maioria, acredite, ainda trabalha dobrado nos escritórios e nas casas. A empregada trabalha enquanto a mãe trabalha, quando ela sai a gente assume ou administra do trabalho mesmo a vida em casa. Algumas sustentam a si, aos filhos e até aos maridos, quando estes não foram embora e as deixaram cuidando dos filhos – porque é bem comum o homem ir embora e deixar os filhos para a mãe criar. Vão gritar que há exceções, há sim, mas não para justificar o direito que deve ter a maioria das mulheres.

Ainda há países que as mulheres não têm direito algum, não podem sequer dirigir, estudar, precisam andar cobertas por um manto preto, a demonstrar que o mundo ainda é muito masculino, dominado por homens. Quem conhece a história de Malala Yousafzai sabe do que estou falando (que bom que meu filho já leu e entendeu o que é uma menina ter que lutar pelo direito de estudar e quase morrer por isto!).

Na capa da Folha de São Paulo de hoje, 8 de março, a manchete é “salário desigual entre mulheres e homens reduz PIB, diz estudo”. Olha que grande oportunidade para o Brasil crescer: igualar os salários! As mulheres ainda são a minoria nas empresas, na política, nas associações, nos sindicatos, etc. e embora estejam ganhando mais espaço, ainda estão muito longe das oportunidades iguais, ainda ganham menos, comprovado por estudos.

A mulher não conseguiu ainda nem ser dona do próprio corpo. Mesmo estuprada querem obriga-la, por lei, a ter o filho. O aborto ainda é algo visto como contrário à vida, quando na verdade trata-se de um direito ao próprio corpo.

Muitos casos de assédio contra a mulher vieram à tona e deram início a um debate importante para que se entenda que a vontade da mulher precisa ser respeitada. Vimos que muitas mulheres mesmo, acham exagero estas campanhas que chamam de feministas, mas são necessárias porque muitas, muitas mesmo, ainda estão morrendo por homens que entendem serem os seus donos. A Lei Maria da Penha veio da luta de uma mulher, que ficou paraplégica de tanto apanhar do marido (milhares morreram). Assim, ainda precisamos de leis para proteger as mais fracas destas relações. Ser feminista é importante e é tão somente buscar direitos iguais, não hostilizem essa luta justa.

Vão dizer que há mulheres mais fortes que os homens, que batem neles. Mas, acredite, são exceções e o direito deve proteger todas as pessoas e protegerá naturalmente o homem que apanhar, mas precisa deixar claro que um homem não pode bater em uma mulher só porque é mais forte fisiologicamente.

A mulher conquistou muitos direitos, mas ainda há muito a ser conquistado. A gente é sim sensível, amável, mais emotiva pela própria natureza, mas a gente também é guerreira e quer um mundo mais igual para todos e todas. E para não dizer que não falei das flores, elas são bem vindas, mas a gente comemora o Dia Internacional da Mulher mesmo é por mais direitos.

Ah! Lembra a pergunta do início do texto? Era do meu filho mais velho, porque o mais novo ao ouvir este texto não disse nada, só meu deu uma abraço apertado e carinhoso me mostrando que tudo vale a pena!

 

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