A passista e o pavilhão

Pavilhão Tijucano. Foto: Arte

Nunca toquei no pavilhão da minha Unidos de Vila Isabel. E tenho a melhor inveja daqueles que recebem reverências de nossos Mestre-Sala e Porta-Bandeira e adquirem o direito e a honraria de beijá-lo. Efetivamente, para mim, aquela bandeira é sagrada. Aquela e a das outras agremiações carnavalescas.

Dito isso, escrevo sobre o acontecimento midiático do início da semana que envolveu uma passista de Unidos da Tijuca e sua dança com a bandeira da escola. Antes, afirmo que o termo midiático é utilizado aqui na sua pior compreensão. Pois, a meu ver, parte da mídia “especializada” em carnaval, na busca pela audiência, tem sucumbido ao modo BBB de exercer seu ofício.

O fato em si. Uma passista, com o traje típico de passista, o tal biquíni, dança empunhando o pavilhão da Unidos da Tijuca e publica o vídeo nas redes sociais. A repercussão é gigantesca e no ato final a passista é desligada da escola por seus dirigentes.

Já disse ao iniciar o texto que os pavilhões das agremiações são sagrados. Mas o que houve de tão grave no fato ocorrido com a passista da escola do pavão? Por que tamanha repercussão?

Para além do aspecto “mídia BBB”, a primeira explicação pode estar no estranhamento pelo deslocamento, ou seja, o que faz o pavilhão nas mãos de uma passista? Bem sabemos que a bandeira das escolas deve ser empunhada pela Porta-Bandeira e protegida por ela e pelo Mestre-Sala. O par baila pela avenida desfraldando e protegendo o símbolo maior da agremiação.

O estranhamento estaria na consideração de que a passista é personagem menor nas escolas e, por isso, não teria status suficiente para portar seu pavilhão? É pergunta sem resposta, mas com toques de Dedo-de-Moça. Para refletir…

Algumas pessoas, incluindo Porta-Bandeiras, consideraram indigno o ato da passista, uma falta de respeito com o pavilhão da Unidos da Tijuca. Será que está presente aqui o tal estranhamento pelo deslocamento, ou seja, “esta é minha função e de ninguém mais”? Somente isso? E se o fato tivesse ocorrido com um passista masculino? Com um Mestre de Bateria? Com um Presidente de Escola? Teria virado manchete?

Afirmo com todas as letras. O fato de ser uma mulher em “trajes sumários” foi preponderante na repercussão do caso. A passista e seu corpo despido. O pecado e a “profanação” do símbolo sagrado da escola. Senhores e senhoras, estamos diante de um pensamento forjado na “Era das Trevas”. O corpo feminino enquanto lugar do pecado. A passista bruxa, a passista louca, a passista histérica, a passista inocente. Julgada sumariamente, sem direito de defesa, e expulsa de sua escola por macular o sacrossanto pavilhão.

Não conheço a passista, mas sou capaz de afirmar que ela ama aquele pavilhão e sua sacralidade.  Um bom papo e tudo estaria resolvido. Mas decidiram agir como na Inquisição. Ainda há tempo para a redenção, senhores dirigentes da Unidos da Tijuca.

“Tijuca

Faz esse meu sonho acontecer

Desfila teu canto de amor e luta

Chegou a nossa hora de vencer” (Júlio Alves).

 

Axé!
Ô sorte!

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